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Saber o Essencial: o que é Realmente Fundamental?

Era uma vez um grande erudito que morava em Allahabad. Era muito versado nas escrituras e também dado à indolência e aos prazeres da mesa. Um dia precisou cruzar o Ganges.

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Essencial

O que é essencial? Esta linda parábola ilustra o tema.

Era uma vez um grande erudito que morava em Allahabad. Ele era muito versado nas escrituras e também dado à indolência e aos prazeres da boa mesa.

Numa ocasião, precisou cruzar o sagrado rio Gaṅgā de barco, para participar de uma pūjā na outra beira.

Conversando com o barqueiro, este erudito, que era filho e neto de eruditos, que conhecia os Vedas de cor e salteado, diz-lhe:

“É impossível viver sem conhecer o vyakarāṇa, a ciência da gramática. Você conhece essa ciência?” O barco está andando pelo rio.

O barqueiro diz “Vyakarāṇa? Nunca ouvi falar”. O paṇḍitaḥ diz que ele perdeu um terço da sua vida.

Faz-lhe outra pergunta: “Você conhece a literatura sânscrita?” O barqueiro diz que não, que não teve ocasião de estudar pois rema no rio desde criança.

O erudito lhe diz que, por causa disso, perdeu outro terço da sua vida. “Você sabe ler e escrever?”, pergunta. Novamente, a resposta do barqueiro é negativa.

O paṇḍitaḥ diz que o barqueiro perdeu a vida inteira, já que vive sumido na ignorância.

Dali a pouco, um redemoinho pega o barco, que fica à mercê da forte correnteza, bate numa rocha e começa a afundar. O erudito se desespera.

Se você vive perto da água, essencial é saber nadar.
Se você é humano, essencial é conhecer a si mesmo.

O barqueiro lhe pergunta: “Você sabe nadar?” Ouvindo a resposta negativa do outro, diz: “Então, você perdeu a sua vida inteira, agora. Desculpe, mas com esse seu peso não vou conseguir lhe ajudar!”

E sai nadando até a beira, enquanto o paṇḍitaḥ se afoga.

Então, de que adianta conhecer todas as disciplinas se você não sabe o fundamental? De que serve a teoria, de que serve de o orgulho intelectual, que serve conhecer coisas mundanas, se não soubermos nada sobre nós mesmos?

E o que é essencial, mesmo?

Essencial é reconhecer que não podemos, e nunca conseguiremos, obter algo que já temos. Não podemos tornar-nos algo que já somos.

Não precisamos nem devemos correr atrás do que já é a nossa própria natureza. Não há como “alcançar” o Ser que somos.

O que somos é o que somos. E o que somos é Presença Plena, Calma, Śāntaḥ.

Não temos como “nos tornar” o Ser. Isso é impossível. O Ser é o que somos. O que sempre fomos, sempre seremos.

É necessário apenas reconhecer a nós mesmos como o Ser pleno que somos. Nada mais.

A vida plena é mais uma vida de aceitação, equanimidade e harmonia, do que uma sucessão de experiências de êxtase e prazer constantes.

Não negamos o prazer nem a segurança, mas tampouco buscamos a felicidade neles. Isso é essencial.

Negando o que não somos, brilha o que somos: felicidade, plenitude, liberdade. Esse processo de descartar progressivamente o que não somos é chamado neti neti, em sânscrito: “eu não sou nem isto, nem aquilo”.

Quando abrimos mão de tudo aquilo que acreditamos ser, quando compreendemos através do discernimento, nos desapegamos e cultivamos o esforço, o objeto da nossa busca resplandece: já somos a liberdade que buscamos.

॥ हरिः ॐ ॥

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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5 respostas para “Saber o Essencial: o que é Realmente Fundamental?”

  1. Muito bom…certamente infinitamente mais esclarecedor do que qualquer besteirol midiático oficial ou oficioso, e, por isso, muito interessante; entretanto, aqui fixou-se, acertivadamente, apenas que temos outra essência, que não a mera consciência corpórea, como nossa essência, digamos, e com ,o perdão da redundância, mas não se aponta para tal essência de maneira específica. Podemos então pontuar algo aqui, com base sástrica inerrável. De maneira geral temos informação escritural que dá conta da natureza constitucional dos indivíduos, que é em essência Nytia Krishna Dasa, ou partes integrantes e servos eternos da Suprema Personalidade de Deus, Bhagavam Sri Krishna. Parabéns pelo trabalho, uma braço e Hare Krishna!

  2. Simples,forte e direto!
    Obrigado por compartilhar!
    Um abraço,Daniel!

  3. Muito legal! Eu conheci essa história em outra versão, no norte da África, quando criança! Na versão beduína não tem Ganges! Viajei no tempo agora! Abraço!

  4. Profundo e direto como todos os outros artigos, e mais uma vez, nos oferecendo uma grandeza de conhecimendo, que nos passa despercebido no nosso dia a dia, pelo incrivel que pareça.
    Obrigado por compartilhar conhecimentos normalmente esquecidos, e parabens pelo blog.
    Namaste!

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