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Yoga: Passado, Presente e Futuro

Não vejo mal algum em constatar que o Yoga ganhou, de fato, uma "popularidade" e que tem sido usado como uma forma de manter o corpo saudável e de adquirir bem-estar. No entanto, não mencionar o seu real propósito e ainda dizer que meditação e espiritualidade é passado e o que importa mesmo é a perda de alguns quilinhos, é não levar em consideração que a prática física do Yoga tem uma finalidade muito mais profunda e legítima do que simplesmente ganhar flexibilidade e massa muscular.

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O futuro e a popularidade atual do Yoga

Parece-me, no mínimo, óbvio como as coisas são deturpadas com facilidade e vivenciadas superficialmente em uma época onde o aumento dos estímulos sensoriais, da produção, do consumo e, principalmente, da necessidade de resultados imediatos, atinge proporções insustentáveis.

Na atualidade, a “quantidade” fala mais alto do que a “qualidade”, e se a qualidade prevalece, ainda assim pode ser tomada e compreendida de forma equivocada e egoísta.

futuro

Quando um padrão é criado em tudo na vida, alimenta-se, com isso, a capacidade da mente de projetar pensamentos e desejos que a condicionam e, consequentemente, que a afastam do momento presente, fazendo com que pessoas façam escolhas sem o devido discernimento, sem um motivo coerente e genuíno.

Isso ocorre ou porque ouviram dizer que algo é bom ou não, ou porque querem atingir um ideal criado por elas mesmas com a ajuda dos modismos e das tendências oferecidas por aí, ou mesmo – no caso do papel do facilitador do Yoga – para tirarem vantagem da “popularidade” do tema, levando às pessoas uma visão completamente deturpada de seu propósito e conduta.

Dessa maneira, essas pessoas seguem inflando mais e mais os seus egos e permitindo que seus valores se tornem questão secundária em suas vidas.

Fica claro, portanto, como o homem contemporâneo ocidental conhece pouco sobre si mesmo e, assim, permanece na ilusão de que sua felicidade e bem-estar virão das coisas que possui ou adquire, das roupas que veste, do corpo que cultiva, da imagem que projeta.

Diante isso, lamento o fato de que o Yoga também seja alvo dessas manipulações e manobras, principalmente por se tratar de uma visão tão complexa e profunda e que, justamente, pode nos esclarecer tantas confusões aparentes nos dias de hoje, se vivenciada com a devida responsabilidade e fidedignidade, e não como meramente ginástica para o corpo.

De qualquer forma, apesar desses deslizes, acredito que a firmeza e grandiosidade do Yoga preservem sua mensagem, não somente pelo seu conteúdo embasado, mas também pelo tempo de sua existência e pelo valor imensurável de suas práticas e ensinamentos.

O cuidado ao interpretar o Yoga

Para falar sobre um assunto, é imprescindível tomar consciência dele em todos os seus âmbitos: investigar, aprofundar o conhecimento e suas interpretações, buscando informações diretamente da fonte, ou, pelo menos, através de pessoas que vivam integralmente a visão abordada.

Quem se permite tamanha irresponsabilidade ao discorrer sobre um tema tão vasto e profundo como o Yoga, precisa ser alertado e informado.

Além disso, as palavras são fundamentais na comunicação e disseminação do conhecimento, mas, igualmente, são perigosas e traiçoeiras, se não usadas de forma honesta e adequada, estando sujeitas a diversos tipos de interpretação.

Não vejo mal algum em constatar que o Yoga ganhou, de fato, uma “popularidade” e que tem sido usado como uma forma de manter o corpo saudável e de adquirir bem-estar.

No entanto, não mencionar o seu real propósito e ainda dizer que meditação e espiritualidade é passado e o que importa mesmo é a perda de alguns quilinhos, é não levar em consideração que a prática física do Yoga tem uma finalidade muito mais profunda e legítima do que simplesmente ganhar flexibilidade e massa muscular.

Não é errado dizer que ela possa proporcionar tudo isso ao praticante, porém, para o Yoga, o objetivo está em olhar para a atitude por trás da prática e, por consequência, se beneficiar dela, não bastando a performance do que se faz, mas sim de como se faz e para que se faz.

Se sua execução tiver a mesma conotação da malhação, a prática deixa de ser Yoga.

Não é possível perceber e desfrutar dos efeitos e possibilidades dela se eu não souber do que ela se trata realmente. É por isso que vemos muitas pessoas se lesionando, negligenciando as limitações do próprio corpo e, inclusive, afirmando que a prática do Yoga é perigosa e para poucos.

Assim, para falar de algo grande é necessário um estudo mais detalhado e minuscioso sobre o tema, além de vivenciá-lo, para então haver propriedade naquilo que é passado como verdade, e responsabilidade por parte daqueles que lidam com a prática do Yoga nos estudios e academias.

Yoga para combater o estresse e aumentar o bem-estar

Com relação à divulgação da prática como uma maneira de combater o estresse e aumentar o bem-estar e a qualidade de vida, não vejo grandes problemas se, durante as aulas e nos diálogos entre professor e alunos, for passado de forma clara e íntegra o real propósito do Yoga e a atitude com a qual deve-se praticá-lo.

Além disso, parece-me fundamental olhar para a maneira como o ensinamento é passado, já que cada praticante é único e possui diferentes formas de apreender o conhecimento e de levá-lo adiante.

Independentemente da maturidade com a qual cada indivíduo lidará com a prática, o facilitador do Yoga precisa ter uma intuição e uma sensibilidade que o permitam revelar a riqueza da tradição de um jeito simples e generoso a todos que desejarem conhecê-la, sem, com isso, distorcer sua mensagem.

A intenção é mostrar que, ao contrário do que muitos pensam, o Yoga é acessível a qualquer um, ao desmistificar a ideia de que seu objetivo esteja muito distante ou totalmente inatingível. A prática existe para colocarmo-nos em um lugar de reflexão sobre quem somos e sobre os nossos papéis no mundo, e para entendermos que já somos a felicidade que tanto buscamos.

Acontece que, em muitos lugares, encontram-se intenções muito distorcidas sobre o assunto e, consequentemente, uma falta de embasamento e de responsabilidade.

Novamente chega-se em uma mesma questão: para chamar a atenção das pessoas para o Yoga, é dito o que elas querem ou precisam ouvir, para que um interesse sobre o tema seja despertado nelas.

Até esse ponto, é compreensível o movimento nessa direção. Mas quando esse movimento cessa antes de chegar em uma explicação mais coerente e adequada sobre o que se pratica, ignora-se valores que são elementares ao Yoga e, assim, ele acaba por tornar-se uma outra coisa.

Olhando dessa forma, mais uma vez, lamento quando o Yoga se resume a uma prática de fuga e bitolação, quando esta é engessada nos moldes e clichês deste século, ou quando se discrimina quem deve ou não praticá-lo.

A impermanência de māyā e a eternização do Yoga

A constante transformação da realidade aparente, māyā, revela que esta é feita de ciclos. Hoje estamos vestindo uma moda, amanhã já será outra.

Em um momento, temos uma prática e uma intenção sobre ela, no momento seguinte já mudamos o foco. Quando está frio, desejamos o calor, e quando esquenta, sentimos falta do frio.

Como a mente, tudo é impermanente e oscila o tempo todo, por conta dos gunas, que são os responsáveis pelos movimentos da natureza, da vida.

Como uma árvore, somos cultivados, germinando e brotando e crescendo e florescendo, para então nos desentegrarmos e morrermos.

Em māyā, as experiências terminam, as intensidades mudam – portanto são limitadas – sendo tudo uma manifestação de algo Não-Manifesto, Intangível e Ilimitado.

E dependendo da maneira como nos relacionamos com as coisas, despertaremos nelas potencialidades ou inabilidades, que determinarão, porventura, a forma como se desenvolverão.

Por isso, acredito que com o Yoga também aconteça assim, já que ele é uma visão que nos oferece ferramentas e recursos tangíveis e, portanto, sujeitos a manipulações e interpretações de toda ordem.

Porém, devido a sua magnificência e propriedade com relação ao tema que aborda – o Ser Supremo, responsável pela existência de tudo que conhecemos como realidade e, inclusive, do que não conhecemos, pois Ele tudo É -, o Yoga não corre o risco de se perder no tempo e no espaço, nessa ilusão e superficialidade do mundo e sua globalização e padronização.

Além disso, há aqueles que permanecem inconscientes e iludidos, fazendo da prática do Yoga um meio para satisfazer seus próprios desejos, através do egoísmo, da vaidade e da violência.

Mas, ao mesmo tempo, existem aqueles outros que foram tocados pelo seu verdadeiro propósito e que reconhecem, através de seus dharmas, a capacidade de aprimorarem seus papéis – mesmo reconhecendo que, verdadeiramente, não os são – , de olharem para o bem comum e, com isso, de manterem preservada a mensagem desta senda, passando-a para frente com o devido cuidado, respeito e consciência.

Por se tratar do que É, da presença viva, da origem de tudo, o Yoga se mantém imaculado e cada vez mais potente e radiante para esses que absorveram com propriedade seus ensinamentos e práticas, aplicando-os e transmitindo-os com integridade e humildade à outras pessoas.

O propósito do Yoga

Yoga é mokṣa. Mokṣa é libertação. Libertação que, neste contexto, tem uma explanação muito mais ampla e completa, e que significa descondicionarmos e desconstruírmos os padrões e hábitos que nos foram impostos e que nos serviram de exemplo desde o momento em que nascemos, em direção ao reconhecimento de que já somos intrinsecamente conscientes, livres e felizes.

Quando estamos começando a desenvolver nossas percepções de quem somos, das relações que temos e da própria vida, tendemos a acreditar que somos o que experienciamos, além do corpo e da mente que possuímos.

Se, por exemplo, vivencio uma experiência ruim com meus pais e isso me leva a desenvolver um padrão de raiva e agressividade, passo a dizer que sou assim por conta do que me aconteceu.

Se não possuo muitos bens materiais sou menos feliz do que aquele que tem mais do que necessita. Se não me encaixo no perfil de beleza ostentado pela mídia, não me considero satisfeito e acolhido.

E se vejo um modelo de vida sendo divulgado como o único possível e aceitável, sinto-me no dever e na obrigação de seguir esse padrão sem sequer questioná-lo.

Assim, vamos vivendo sem a consciência do que faz a criação existir e se mover, de quem realmente somos e do livre arbítrio que temos para escolhermos as atitudes e os valores com os quais percorreremos nossas vidas. Parece não haver tempo para olharmos para nós mesmos, pois tudo é realizado no automatismo e com o foco nas coisas externas.

Portanto, entender que o objetivo do Yoga é mokṣa, e que mokṣa não é uma experiência, mas sim o que É, torna-se elementar para seguirmos esse caminho inequivocamente e usufruir de suas ferramentas para mantermos esse reconhecimento sempre vivo.

Na mesma trilha, devemos permanecer cientes de que quem experencia a vida é o corpomente, e que nós somos, realmente, Aquele que observa suas transformações e aprimoramentos, contemplando e aceitando as coisas como elas são, a ordem de Īśvara, que se revela como a Inteligência presente em tudo e em todos.

Vamos conquistando espaço para vivermos cada momento, saboreando e desfurtando de cada oportunidade, como um meio para nos conectarmos com nosso Ser, com as pessoas e com o mundo, sem que haja identificação.

Assim, quando praticamos o Yoga à luz desse conhecimento, levamos, deliberadamente, uma atitude firme e graciosa, de verdade e não-violência às nossas ações.

Quando compreendemos a importância da disciplina e do entusiasmo em praticá-lo a cada instante, dentro e fora da sala de aula, atingimos a felicidade plena, ao sabermos que estamos agindo com equanimidade e discernimento.

Dessa forma, nos beneficiamos integralmente e com honestidade das dádivas desta tradição, que, de fato, nos proporciona paz e clareza de espírito.

O Yoga nos revela a dimensão do Amor, quando refere-se ao coração como sendo a ponte que integra o corpo com o Ser, o limitado com o Absoluto.

Finalmente, quando nos damos conta da grandiosidade do Yoga e de quem verdadeiramente Somos, vivemos nosso processo de autoconhecimento com a determinação e o desapego necessários para nos mantermos em um caminho dhármico, que alinha de maneira sincera, coerente e amorosa nossos valores com os valores universais.

A partir disso, nos permitimos olhar para o bem comum com cuidado e generosidade, e – no caso daqueles que se sentem motivados a tornarem-se facilitadores dessa visão – a levar a sabedoria e o real propósito do Yoga àqueles que o queiram e, igualmente, aos que não conseguem acessá-lo.

Com a riqueza dos recursos e valores existentes nos ensinamentos e nas práticas do Yoga, podemos reconhecer o Ilimitado, presente em cada um de nós, em cada célula, em cada objeto manifestado e, com isso, nos estabelecermos nessa Consciência-Realidade-AmorSaccidānanda – que é a nossa verdadeira natureza – e relaxarmos e fluirmos e dançarmos a vida e seus mistérios a cada presente momento, a cada momento.

॥ हरिः ॐ ॥

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Subhāshitas, Palavras de Sabedoria

Pedro Kupfer em Conheça, Literatura
  ·   1 minutos de leitura

8 respostas para “Yoga: Passado, Presente e Futuro”

  1. Thais,

    Você está de parabéns com a precisão de seu texto. Tenho praticado yoga há quase quatro anos, mas nessa caminhada ainda não encontrei um verdadeiro facilitador que proporcione o que você muito bem colocou no texto ” não basta a performance do que se faz, mas sim como se faz e para o que se faz”

    Namastê !

  2. belo texto, pena que a grande maioria das pessoas ainda não conheçam os ensinamentos do vedanta, que tanto nos ajudam nessa trilha do autoconhecimento. Mas, tudo a seu tempo e cada um também no seu tempo de maturação. Oxalá um dia todos se tornem conscientes e livres!
    namaste.

  3. Ótimo texto!
    Obrigado! Engraçado como são as coisas, sempre li muito os textos aqui neste site, mas tinha um tempo que não vinha aqui.
    Hoje entrei para me inspirar, pois vou começar a dar aulas de Yoga amanhã, e este texto foi perfeito, para lembrar do verdadeiro propósito do Yoga.
    Não que eu tenha me esquecido, mas para confirmar o que também sinto e acredito. O Yoga é muito especial na minha vida e quero compartilhar esta pratica com os outros.
    Pode deixar que não vou esquecer do que realmente importa.
    Namastê.

  4. É reconfortante saber que existem muitas pessoas transmitindo e perpetuando esta visão da finalidade imensa a qual se destina a prática do yoga,obrigado.

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