Āsana, Pratique

Āsana em Rota de Colisão. Parte 1

Este artigo, dividido em duas partes, aborda o delicado tema das lesões nas práticas de Haṭha Yoga. Na imensa maioria dessas lesões, ha um erro de atitude ou um erro de compreensão da maneira em que o Yoga funciona.

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Gheranda Saṁhitā

Colisão, colisão, colisão. Ao dizermos colisão, queremos apontar neste texto para o perigo real das lesões na prática de āsana do Haṭha Yoga.

Este artigo, dividido em duas partes, aborda o delicado tema das lesões nas práticas de Haṭha Yoga.

Na imensa maioria dessas lesões, ha um erro de atitude ou um erro de compreensão da maneira em que o Yoga funciona.

Aqui pretendemos revisar esse assunto e convidar o amigo leitor para pensar no tema. Este autor já se lesionou praticando Haṭhayoga e há anos procura evitar que outros praticantes repitam os erros que ele cometeu.

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Leia a segunda parte deste texto aqui
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De um lado, um yogi bem intencionado, praticando āsanas com devoção e disciplina, seguindo estritamente as instruções do seu professor ou do método escolhido.

Do outro lado, a ordem biológica de Īśvara, a Inteligência Ilimitada, manifestada na forma da fisiologia, a cinesiologia e a biomecânica.

Você acha que há chance de colisão entre ambos? Acidentes podem acontecer em qualquer circunstâncias, e queremos naturalmente evitá-los.

Quando nos defrontamos com a ordem de Īśvara nesses aspectos ou em quaisquer outros, não há negociação possível: ou aceitamos as coisas como são, ou criamos problemas para nós mesmos.

Colisão

Temos visto, com preocupação, uma tendência no Yoga que se pratica hoje em dia a confundir meios e fins e misturar fatos de índole física, como são as ações que têm lugar na prática de āsana, com eventos “kármicos”, mentais, emocionais ou energéticos.

Dado que essa mistura pode ser explosiva e potencialmente prejudicial para a saúde física e a emocionalidade de quem pratica nesse limbo, resolvemos escrever este texto.

Assim, convidamos o amigo leitor a ponderar a quantas anda a sua relação com as práticas do Yoga e os objetivos que nos propomos a realizar através delas.

Yoga é para a Liberdade

O objetivo do Yoga é a liberdade. Praticamos Yoga para nos libertar dos nossos condicionamentos e crenças limitantes, que nos mantêm presos na rede de dor e sofrimento.

Esse objetivo se alcança através de um processo preparatório, do qual as práticas físicas são uma parte muito pequena, e que inclui igualmente a preparação do corpo sutil, as emoções e os pensamentos.

Esse processo se chama, em sânscrito, antaḥkarāṇaśuddhi, ou purificação do psiquismo, o chamado “órgão interno”, que é constituído pela mente, o ego e a inteligência. O processo inclui a reavaliação dos nossos valores e atitudes.

Āsana para quê?

Com que objetivo praticamos? Qual seria a razão para ampliarmos tanto a mobilidade, por exemplo, do quadril ou da coluna vertebral?

O bom-senso indica que um corpo funcional, capaz de realizar as tarefas do cotidiano, tanto no trabalho quanto em atividades que apreciamos, como hobbies ou esportes, as articulações precisam ter mobilidade, mas no grau certo.

Além da amplitude de movimento, a saúde de uma articulação se constrói também com estabilidade e força. Músculos saudáveis, por seu lado, não precisam somente ter alongamento, mas igualmente necessitam de tônus, resistência e força.

Assim, o objetivo da prática de āsana à luz da meta do Yoga é dar ao corpo liberdade de movimentos, saúde e longevidade. Em termos sutis, os āsanas podem promover o desbloqueio de energias represadas e a dissolução de couraças de tensão crônica.

Porém, deve ficar claro que esse processo de estimular o fluxo do prāṇa, a força vital, não é o objetivo final da prática.

Uma vez preparados o corpo e a mente através dessas práticas, estamos qualificados para completar o processo cognitivo de reconhecer a nós mesmos como liberdade, plenitude e ausência de limitações.

A prática de mantras, āsanas e prāṇāyāmas é uma extensão do processo meditativo, chamado nidhidhyāsana, que tem como objetivo levar para os diferentes momentos do cotidiano a consciência da unidade e a plenitude que permeia a criação e está presente em tudo e em todos.

Praticamos a visão da não-separação dentro da sala, para depois estender essa visão para todos os atos do dia-a-dia.

Praticar pela vida toda

Isso implica, se formos considerar o Yoga como um estilo de vida, construir uma relação equânime e de longo prazo com a prática.

E evitar, evidentemente, o risco da colisão, a atitude de praticar desde a ansiedade ou desde o desespero, como se não houvesse amanhã ou como se o mundo fosse acabar antes do nosso centésimo oitavo sūryanamaskār.

É mais sábio praticarmos algumas vezes por semana, com intensidade moderada, evitando o desgaste natural das articulações pelo excesso de repetição de movimentos ou pelo trabalho no limite das mesmas.

Também é necessário compreender quais são as posturas que devemos adoptar e quais as que devemos deixar de fora da nossa prática, a cada fase da vida: o que vale aos 20 anos de idade não vale necessariamente aos 50. O que podemos fazer aos 30 nem sempre pode ser feito aos 70.

Chi va piano, va sano e va lontano

Ainda lembro bem de uma conversação que tive com o professor Hermógenes há mais de uma década na que me disse que, ao chegar aos 80 anos de vida, teve que parar de fazer a postura de inversão sobre a cabeça, śirṣāsana.

Saber que alguém praticou essa postura com bons resultados até os 80 é uma fonte de inspiração para qualquer um.

Porém, se não prestarmos atenção no sentido de evitar comprimir os discos intervertebrais da região cervical ao fazermos essa postura (o que se faz colocando o peso do corpo nos braços), é bem provável que não consigamos seguir o exempo do professor.

Digo isto pois, colocando a pressão excessiva e repetida do peso do corpo sobre as vértebrais cervicais, poderemos desgastar ou lesionar os discos em alguns poucos anos de prática e teremos forçosamente que parar.

Como dizem os italianos, chi va piano, va sano e va lontano. Quem vai devagar, vai saudável e chega longe. Esse sábio conselho da sabedoria popular não precisa ser ignorado.

As limitações da prática

Também é preciso lembrar que os āsanas não resolvem “problemas kármicos” (seja lá o que esse pleonasmo significa), nem problemas práticos de nenhuma índole.

Nem trazem sabedoria ou iluminação. Sua prática é para o corpo físico e, no melhor dos casos, também para o corpo vital.

Achar que este tipo de prática vai resolver problemas noutros níveis é um equívoco grave que ainda poderá produzir novos problemas para o corpo, se feita da maneira inadequada.

Isso soma, aos problemas não resolvidos, situações potencialmente indesejáveis para o corpo e ainda pode produzir intensa tristeza ou baixa auto-estima, quando reparamos que fracassamos como praticantes e vemos que há ao nosso lado pessoas que, aparentemente, são bem-sucedidas nesta busca.

Os karmas, as ações, são feitos com os órgãos de ação: mãos, fala, pés, reprodução e excreção.

Se criamos situações indesejáveis para nós mesmos e para os demais usando estes órgãos, não será pelo uso cego e continuado dos mesmos que resolveremos estas situações, mas através da mudança de atitude que é fruto da reflexão, a maturidade emocional, a experiência e o aprendizado com os próprios erros passados.

Contribuições do Ocidente

Se houve uma contribuição por parte dos professores ocidentais à prática dos āsanas do Haṭhayoga, foi justamente no sentido de nos alertar sobre os limites naturais do corpo humano.

Nesse sentido, com muita muita reverência, devemos escutar o que a medicina, a cinesiologia, a biomecânica, a fisiologia e a anatomia têm a nos dizer sobre este templo em que vivemos.

Essas contribuições, que nos ajudam a construir uma prática mais segura e uma relação de longo prazo com o próprio Yoga, não deveriam ser ignoradas, especialmente neste momento de efervescência no qual novos métodos e novas tradições surgem como cogumelos após a chuva, na esteira da crescente popularidade do Yoga.

Isso é ainda mais importante se considerarmos que alguns desses novedosos métodos são potencialmente danosos à integridade física de quem os pratica com a atitude errada ou a partir de um biotipo errado que não é adequado para essas práticas mais intensas.

Dores construtivas e dores de colisão

É bom lembrarmos que, dentro do sistema músculo-esquelético, grosso modo, podem acontecer dois tipos de dores: as musculares e as articulares.

Dores musculares na prática de āsana são, via de regra, positivas, no sentido que elas nos mostram que estamos alongando ou fortalecendo a musculatura.

Não há nada de errado em relação a isso. Por outra parte, dores articulares, seja nos tornozelos, joelhos, quadril, lombar, cervical, ombros, cotovelos ou punhos, são negativas e potencialmente destrutivas.

Essas dores dentro das articulações, ao se manifestar, nos dizem que estamos colocando o corpo em posturas potencialmente danosas.

Dores articulares que persistam, que vão além do natural desconforto muscular que podemos sentir quando praticamos āsanas ao estarmos tensos, devem ser levadas em conta.

Ao ouvir o corpo, compreender e atender as suas necessidades, evitamos machucá-lo.

Porém, inexplicavelmente, há algumas pessoas no Yoga que acham que as leis da física não se aplicam aos corpos dos praticantes. Fazer āsanas baseado neste tipo de presunção pode ser perigoso para a integridade física.

Mas por que razão alguém praticaria desse jeito? Buscando o quê? Veremos isso e outras considerações práticas para evitar o risco de colisão no Haṭhayoga, na segunda parte deste artigo. Até lá.

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Leia a segunda parte deste texto aqui
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Leia este controverso artigo de William Broad
no New York Times sobre lesões no Yoga


॥ हरिः ॐ ॥

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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6 respostas para “Āsana em Rota de Colisão. Parte 1”

  1. Um iniciante qual carga horaria semanal vc indicaria nos 3 primeiros meses. Comecei a dois meses e sinto vontade de praticar 9 aulas semanais. Atualmente pratico em media 3 a 4 vezes

  2. Texto muito bom, vejo alguns professores por aí fazendo coisas de arrepiar os cabelos, como se o corpo tivesse obrigação de se encaixar em determinado asana em vez do asana de adaptar ao corpo.

  3. A mente que mente e compara e separa, na unidade há compreensões diferentes?

  4. O que fazer se começar a sentir dor articular? Ou nos tendões e ligamentos? Parar, descansar, usar um pouco de gelo; parar dias, até a dor passar…
    Enfim, o que se recomenda para outras atividades físicas. Asana com dor piora mais e mais a situação.
    Procurar um bom e atualizado ortopedista (especializado na articulação afetada), fisioterapia, fortalecimento muscular.
    Cultivar a paciência.. E refletir, aprender com essa experiência. Parece simples mas não é; experiência própria! 😉 abraços e boa prática namaste.

    Germano.

  5. Me esclareceu muito as informações contidas nesta matéria. Tenho 54 anos, sou praticante de hatha yoga há 6 anos, e apesar da flexibilidade natural do meu corpo físico, compreendi que preciso moderar.

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