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Yoga é Desprendimento

A habilidade de interromper a identificação com os pensamentos é necessária para o samādhi, a profunda meditação. O samādhi, por sua vez, não é um fim em si mesmo mas uma preparação prévia, chamada purificação psíquica, para a libertação.

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ṣaṭkarma purificações

O Desprendimento na Definição do Yoga

yogaścittavṛttinirodhaḥ || 2 ||

Yoga é a cessação da [identificação
com] os conteúdos da psiquê.

yoga = Yoga, jungir, união
citta = buddhi + ahaṅkāra + manas; psiquê, complexo ego-mente-intelecto-personalidade
vṛtti = modificação, ondulação, modo de conduta, flutuação
nirodha = cessação, supressão, contenção, restrição, dissolução

Este sūtra resume-se apenas a quatro palavras alinhadas. Não há preposições, verbos, artigos, ou qualquer outro “recheio” que possa nos ajudar a compreender melhor esta definição.

O sábio Patañjali nos diz aqui que Yoga é o que é natural para o ser humano. E diz-nos também que Yoga é a atitude do desprendimento em relação aos conteúdos da mente. Nada mais, nada menos.

A palavra citta, que traduziremos a partir deste momento como psiquê ou psiquismo, deriva do prefixo cit, que significa estar atento, perceber, ver, brilhar.

Desprendimento

Embora Patañjali não explique este termo, sabemos que o que ele define é o complexo ego-mente-personalidade. Este complexo inclui a razão, também chamada intelecto (buddhi), o ego (ahaṅkāra) e a mente analítica (manas).

Citta, a psiquê, consiste de três elementos:
1. buddhi, intelecto,
2. ahaṅkāra, ego, e
3. manas, mente.

O psiquismo, por sua vez, é alimentado pelas impressões subconscientes (saṁskāras). Assim sendo, cada vez que formos falar em psiquismo ao longo destes comentários, estaremo-nos referindo a esses três componentes juntos.

Literalmente, a palavra vṛtti quer dizer “circular”, e deriva de vṛtta, que significa “círculo”. Assim, poderemos facilmente assimilar o conceito de vṛtti, se imaginarmos a atividade consciente como os círculos concêntricos que se formam na superfície de um lago quando nele jogamos uma pedra.

Diferentemente do que se acredita, vṛtti não é qualquer tipo de agitação mental ou estado anímico, mas um termo técnico que se aplica unicamente a um grupo de cinco tipos de “modificações” do pensamento, que serão definidos posteriormente, no sexto sūtra deste capítulo. Essas flutuações são: conhecimento correto, conhecimento errôneo, fantasia, sono e memória.

Nirodha significa “cessação”, “supressão”. Embora algun autores prefiram traduzir esta palavra como “controle”, inclinamo-nos por traduzi-la como “cessação” ou ainda, desprendimento, pois nirodha consiste mais em interromper a identificação com os padrões que a mente assume do que em reprimir ou “controlar” pensamentos ou sentimentos.

A palavra “controle” pressupõe a existência de um agente controlador que deveria estar além da mente e do ego, e que de nenhuma maneira coincide com o conceito de Puruṣa que Patañjali irá expor nos próximos sūtras. A palavra “cessação” parece-nos estar mais perto da experiência do Yoga e encaixa-se melhor no contexto de sua praxis.

Concluindo, lembremos que a habilidade de interromper a identificação com os pensamentos é necessária para o samādhi, a profunda meditação.

O samādhi é uma experiência meditativa, uma absorção profunda da mente, na qual os pensamentos assumem a forma do objeto sobre o qual se medita, de maneira que não há mais diferenciação sujeito-objeto.

Porém, essa experiência é sempre transitória, e não produz frutos definitivos, uma vez que depois dessa absorção, a pessoa sempre volta para a vigília e as demais experiências e, nessa volta, voltam a manifestar-se todos os condicionamentos, como eram antes da prática.

A crença no samādhi como uma panaceia que resolve todos os problemas ou como um estado permanente são ideias que devem ser deixadas de lado.

O samādhi, portanto, não é um fim em si mesmo mas uma preparação prévia, chamada antaḥkarāṇaśuddhi ou purificação psíquica, para mokṣa, a libertação.

Para finalizar, é possível e, aliás, muito construtivo, usar este importante sūtra como objeto de meditação.

Para tanto, sente-se numa postura confortável, feche os olhos e repita mentalmente a definição de Patañjali, em sânscrito ou português, meditando sobre seu significado e a melhor maneira de aplicar a atitude do desprendimento no cotidiano. Boas práticas, então.

॥ हरिः ॐ ॥

Conheça mais sūtras de Patañjali aqui. Veja aqui um interessantíssimo manuscrito do Yogasūtra de Patañjali, que inclui o comentário do Rei Bhoja.

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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subhashita

Subhāshitas, Palavras de Sabedoria

Pedro Kupfer em Conheça, Literatura
  ·   1 minutos de leitura

5 respostas para “Yoga é Desprendimento”

  1. Assim como disse o Renato, logo acima, a respeito de Yoga sou um leigo de marca maior. Ainda não comecei a prática das asanas.
    Não me considero apto a trabalhar meu corpo sem orientação e minha condição financeira ainda não me permitiu a matrícula em uma escola.
    Mas tenho lido muito a respeito da filosofia, história, sânscrito, e comecei a esboçar algumas práticas de respirações e mantras.
    O propósito deste comentário é algo que sei que é difícil obter resposta. Como eu disse, leio muito sobre a filosofia e o propósito do Yoga, e o que mais se fala é sobre o alcance desse estado de purificação e limpeza da consciência.
    O que no senso comum se conhece como “limpar a mente”. A pergunta é: o que vai estar na minha mente quando eu não tiver nada lá?
    Como se traduz em palavras este estado? Como sei se cheguei a ele?
    Reconheço minha arrogância em querer entender isso de forma tão chula. Mas não encontro objetividade no que venho estudando e meu raciocínio ocidental me exige isso.
    Alguém pode me propor alguma leitura, vídeo, áudio, que mostre qual é o real objeto desta busca?

  2. Muito interessante meditar usando esse sutra como objeto de meditação.

    Obrigada Pedro.

  3. Sou o maior dos leigos quando o assunto é Yoga. Porém, comecei a me interessar pelo assunto devido a minha condição de obeso e sedentário.
    Como não ha professores de Yoga em minha cidade Auriflama-SP, comecei a pesquisar na internet.
    Comprei um DVD Yogazone, para praticar em casa, lógico que é uma prática muito superficial, mas que me ajudou muito.
    Além da obesidade eu estava sofrendo com ansiedade e insonia, e a prática das posturas do DVD ajudaram a me acalmar e ter uma vida mais saudável, perdi 20Kg em 3 meses.
    Nesse período li artigos seus, do Marco Schultz e do Professor Hermógenes que me parecem ter a mesma linha de conduta, sendo pautados sempre pela ética e defensores de uma prática salutar e não comercial.
    São tão desprendidos que colocam seus ensinamentos disponíveis na internet, socializando o conhecimento que vocês obtiveram com seus esforços.
    Acredito que essa forma de agir está coerente com o principio de “união” que o Yoga representa.
    Pretendo me aprofundar nos estudos e nas práticas, preciso melhorar muito enquanto ser humano, e com certeza seus artigos são inspiradores.
    Obrigado!

  4. Teria imenso gosto em participar num evento no ambito da yoga organizado por V.Exª em Portugal ao olngo do ano de 2015, como posso saber se haverá, onde e como?
    .

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