Cakras e Kośas, Conheça

Kuṇḍalinī: a Força da Serpente e os Chakras

O Yoga vê o homem como um reflexo do macrocosmos. A energia criadora que engendra o Universo manifesta-se no homem, que não está separado nem é diferente dela. O nome dessa energia é kundaliní.

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kuṇḍalinī

Īśvara, a Inteligência Criativa, manifesta-se tanto no imensamente grande quanto no infinitesimalmente pequeno. O humano não está separado nem é diferente dessa Inteligência.

O ser humano é uma manifestação peculiar dentro das miríades de manifestações do Ilimitado que configuram o universo. A potencialidade dessa manifestação individual é chamada kuṇḍalinī.

O Universo é um oceano de energia. Se matéria é de fato Consciência, então o corpo humano, que faz parte do mundo material, também é Consciência.

Consciência e energia, ou Ser e Manifestação, estão intimamente ligadas, pois são dois aspectos da mesma realidade.

O corpo humano não é uma carcaça habitada por um circuito neuronal vagamente ciente de si mesmo, mas uma realidade animada pela mesma Consciência que rege as leis naturais. 

Por isso, deveríamos deixar de ver o corpomente como algo separado do Ilimitado. Pensemos no corpo, assim, como um reflexo da mesma Inteligência Criativa que é causa e origem do Cosmos.

A Consciência está presente em cada uma das nossas células, em cada tecido.

Toda divisão do tipo corpo-mente, carne-espírito, etc., é limitante para a compreensão do que somos. A diversidade existe na Unidade, sem conflitar com ela, da mesma maneira que as ondas existem no oceano. 

O microcosmos reflete o macrocosmos: o infinitamente grande é essencialmente idêntico ao infinitamente pequeno. O Yoga é um caminho para desenvolver o potencial pleno em todos. Esse é o despertar de kuṇḍalinī. 

Kuṇḍalinī, o poder da serpente

Kuṇḍalinī tem assim, duas dimensões. Por um lado é o poder, a causa da existência do indivíduo. Por outro, é igualmente o sustento do próprio Universo.

Macrocosmicamente, ela é Śaktī, Prakṛti, a manifestação do poder de Śiva. Na escala humana é um símbolo do Ser, a causa do movimento e da vida do indivíduo. O reconhecimento desse fato conduz a mokṣa.

A kuṇḍalinī se representa simbolicamente no ser humano como uma serpente adormecida, enroscada na base da coluna.

Kuṇḍalinī ou kuṇḍalī significa serpentina, ou aquela que está enroscada como uma serpente. Existem três formas de olhar para a kuṇḍalinī no Yoga: 

  1. Como um lakṣaṇa, um apontador que revela a Consciência presente em tudo.
  2. Como um fenômeno psicoenergético associado a uma experiência meditativa. 
  3. Como uma jornada simbólica de autodescoberta e desapego dos condicionamentos. 

Na sua primeira acepção, kuṇḍalinī é a representação, o espelho simbólico que mostra a maneira em que o Ser faz-se presente na totalidade da criação.

Nesse sentido, kuṇḍalinī seria a manifestação no plano humano da Consciência Ilimitada. Essa Consciência é chamada através de epítetos como Śiva, O Benéfico, Devī, a Deusa, Brahman, o Ilimitado, ou Paramātma, o Ser Supremo. 

Na segunda dessas três dimensões, a ascensão de kuṇḍalinī através dos cakras, num processo gradual, desenvolve os poderes psíquicos latentes em cada um deles. Voltaremos sobre esse ponto logo mais.

Na terceira acepção, kuṇḍalinī pode considerar-se como um modelo psíquico, uma espécie de mapa com todos os elementos  e conteúdos fundamentais que fazem parte da condição humana.

Nesse sentido, o despertar de kuṇḍalinī é o crescimento emocional e a superação em relação a todas as formas de apego ou condicionamento.

Neste contexto, a prática do despertar que descreveremos na sequência, bem como o processo da meditação nos sete cakras, não devem ser tomados como experiências a ser vividas senão como meios para a reflexão sobre o significado real do desenvolvimento da própria potencialidade.

Igualmente, como sobre a superação de todos os condicionamentos e propensões mentais associadas aos diferentes cakras, como veremos a seguir.

Assim, a jornada pelos cakras é um passeio ritual em que visitamos e superamos todas e cada uma das manifestações da psiquê humana: instintos, emoções intuitivas, condicionamentos e propensões.

Nessa jornada, a pessoa pratica sucessivamente as meditações sobre cada um dos seis cakras, centros de força ao longo do eixo da coluna e na cabeça, refletindo sobre como ela está em relação a cada conjunto de vṛttis associado com cada um desses seis centros.

A completude desse processo é o despertar do poder da serpente, não já como um fenômeno energético mas como uma forma de cultivar o desapego a todas as propensões, subconscientes ou conscientes, que dão corpo à vida psíquica.

kuṇḍalinī

O despertar da força

A técnica do despertar consiste em concentrar a energia em īdā e piṅgalā nāḍī, os canais pránicos ao longo da coluna, levando esse prāṇa para o cakra básico.

O praticante faz com que a energia chegue até a kuṇḍalinī, imobilizando a circulação pelos outros canais e concentrando-se na entrada da suṣumnā.

Feito isso, acontece o despertar e desenvolvem-se os fenômenos subsequentes: ascensão pela suṣumnā nāḍī, penetração e ativação dos centros de força e samādhi, que acontece quando a serpente chega no sétimo cakra, chamado sahāśrara, no alto da cabeça.

A Haṭhayoga Pradīpikā (III:67-6) descreve este fenômeno da seguinte forma:

“Um clarão intensamente abrasador brota no corpo. Kuṇḍalinī adormecida, aquecida por esse abrasamento, desperta. Tal como uma serpente tocada por uma vara, ela levanta-se sibilando; como se entrasse em sua toca, introduz-se em brahma nāḍī (suṣumnā nāḍī).” 

Os granthis, três obstáculos

Durante a sua ascensão, kuṇḍalinī encontrará três obstáculos, os granthis, nós ao longo da suṣumnā nāḍī, localizados no mūlādhāracakra (brahmāgranthi), anāhatacakra (viṣṇugranthi) e ājñacakra (rudragranthi).

A imagem do triângulo invertido (yoni) com um liṅgaṁ no seu interior indica a presença de um granthi em cada um destes cakras.

O sādhaka precisará de muita perseverança na sua prática para neutralizar cuidadosamente esses obstáculos sem produzir um arrombamento energético, pois eles estão ao longo do caminho para prevenir despertamentos indesejados. 

Se formos pensar na correspondência entre a localização destes “nós” e as tendências latentes em cada centro, poderíamos identificar esses obstáculos com as disposições afetivas inerentes a cada um deles.

1. Os laços da materialidade e a sobrevivência  (primeiro granthi, no mūlādhāracakra),

2. Os da afeição e da autoestima (segundo granthi, no anāhata) e

3. Os do orgulho intelectual e a soberba (terceiro granthi, no ājña).

Cakras, os centros de energia

Os cakras são os centros de captação, armazenamento e distribuição de prāṇa no corpo. Literalmente, cakra significa roda, disco ou círculo. Também recebem o nome de padma ou lótus.

Existem milhares de centros de força distribuídos pelo corpo todo, porém, para efeito da prática, nos ocuparemos apenas dos sete principais, que ficam ao longo da coluna vertebral e na cabeça.

Eles são: mūlādhāra, svādhisthāna, maṇipura, anāhata, viśuddha, ājña e sahāśraracakra. Estão unidos entre si pelas nāḍīs, os canais da força vital, como as pérolas de um colar. 

A aparência desses cakras é circular, brilhante, como pequenos cds, de quatro ou cinco dedos de largura, que giram e brilham, distribuindo a força vital aos membros, músculos, ossos, órgãos e tecidos em cada parte do organismo.

O elemento que corresponde a cada cakra determina a sua cor. Cada um tem um bījamantra, isto é, um “som semente”, ao qual responde quando é estimulado.

Representam-se com um número definido de pétalas, sobre as quais aparecem inscritos fonemas do alfabeto sânscrito, os bījas menores, que simbolizam as manifestações sonoras do tipo de energia de cada cakra.

Dessa forma, cada fonema estimula uma pétala definida de um cakra. Esse é o motivo pelo qual o sânscrito é considerado língua sagrada: o seu potencial vibratório produz efeitos em todos os níveis. 

Na linguagem simbólica do Yoga, o corpo da kuṇḍalinī está formado pelas letras do alfabeto sânscrito, chamadas mātrikās ou “mãezinhas”. Essas letras são as matrizes de todos os sons e de todas as línguas.

O alfabeto é chamado grinalda de letras ou varṇamālā, sugerindo o mais alto propósito dado à linguagem humana pelos sábios védicos: honrar e expressar apropriadamente a realidade.

Cada cakra tem igualmente uma deidade e uma Śaktī, com diferentes nomes, atributos, emblemas, etc.

Isto não significa que existam no corpo sutil pequenas imagens de deusas e deuses cheios de braços e cabeças, e armados até os dentes, assim como não há neles diagramas geométricos ou animais imaginários.

São símbolos das latências subconscientes associadas a cada centro. Esses símbolos não precisam ser “interpretados”.

A única coisa a fazer é observar-se frente a eles, e às emoções que despertam, e superar essas reações reconhecendo a si mesmo como a calma que observa.

Quando você visualiza, por exemplo, uma deusa com uma espada na mão, símbolo do discernimento, ou uma caveira, que representa a finitide da vida nno corpo físico, deve prestar atenção à reação que essas imagens provocam na sua mente. 

Isso tem por objetivo detectar os próprios condicionamentos para poder trabalhar sobre eles. Observe-se atentamente enquanto acompanha a construção mental da img de cada cakra.

Compare essas vivências e seus resultados, e veja como elas mudam de centro para centro.

A experiência com essas imagens só pode aproveitar-se devidamente quando o praticante consegue um bom grau de introspecção e desapego em relação àquilo que é observado. 

Existe uma analogia entre os cakras e os diversos plexos e órgãos do corpo físico, mas é um erro querer identificá-los com as partes da anatomia humana.

Abaixo você pode acessar os roteiros das meditações sobre os oito cakras principais.

Continue a leitura com este artigo, que descreve
sucintamente cada um dos oito centros de força.]

kuṇḍalinī

॥ हरिः ॐ ॥


Eis as meditações sobre os oito cakras principais:

8. Meditação no Sahasrāra Cakra

7. Meditação no Soma Cakra

6. Meditação no Ājña Cakra

5. Meditação no Viśuddha Cakra

4. Meditação no Anāhata Cakra

3. Meditação no Maṇipura Cakra

2. Meditação no Svādhiṣṭhāna Cakra

1. Meditação no Mūlādhāra Cakra

॥ हरिः ॐ ॥

Extraído do livro Yoga Prático.
Ilustração de Pieter Weltevrede.

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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subhashita

Subhāshitas, Palavras de Sabedoria

Pedro Kupfer em Conheça, Literatura
  ·   1 minutos de leitura

8 respostas para “Kuṇḍalinī: a Força da Serpente e os Chakras”

  1. Texto muito esclarecedor Pedro, gratidão!
    A imagem apresentada no início do mesmo, que mostra a representação mais antiga dos cakras, é de qual texto e/ou autor?
    Namastê,
    André Lino

  2. olha ainda não entendi, pode me explicar em outras formas ou figuras pode fazer esta gentileza.

    outra pergunta , me foi dito que os chacras do homem gira num sentido e o da mulher gira em outro sentido , isto confere ?

  3. Tem alguma imagem qto ao exercicio do polegar, indicador e tal?

    Obrigado, este site contribui enormemente para a difusão da compreensão.maior do Yoga.

  4. Quando você diz: “Se o chakra estiver girando em sentido horário (ou seja, se estiver girando no mesmo sentido que os ponteiros do relógio, quando você olha de frente para ele), ..” – Você quer dizer que, no exemplo da mão, eu olho por detrás da mão, ou seja vejo das costas do corpo para frente? somente assim o ex. da mão dá o sentido correto. shanti

    =======

    Sim, Denise, é isso mesmo. Namaste! Pedro.

  5. Gostei muito desse texto, Pedro, pois consegui tirar algumas dúvidas sobre os movimentos giratórios dos chakras e da movimentação da energia.

    Muito obrigada,

    Neuza.

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