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Prefácio do livro Yoga Prático

O Yoga é para seres humanos. E está ao alcance de todos. O que se precisa para praticá-lo? Um bom par de pulmões e a cabeça no lugar. Todos temos mente e pulmões. O resto é acessório.

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Vivemos na era da caixa. Assim que você nasceu, colocaram-lhe numa caixinha (o berço), junto com outras crianças, dentro de uma caixa (a sala), dentro de uma caixa maior (o hospital). Quando você chegou no lar materno, disseram-lhe: “este é o seu quarto”. E colocaram você noutra caixa. Ao crescer, você foi mudando de caixa (casa, colégio, clube, trabalho), entrando em caixas, saindo de caixas, caixas empilhadas, espalhadas, penduradas, enterradas, transportando-se em caixinhas metálicas com rodas, com asas, soltando fumaça. E, quando chegar a hora da morte, colocarão você numa caixa de madeira feita sob medida e enterrarão essa caixa numa fossa com forma de caixa. O Yoga ensina a sair da caixa. Sem importar em que caixa você esteja neste momento.

O filósofo William James disse: “não tenho nenhuma dúvida de que a maioria das pessoas vive, seja física, intelectual ou moralmente, num círculo deveras restrito do seu ser potencial. Elas usam uma parcela ínfima da sua consciência possível… mais ou menos como o homem que adquire o hábito de usar e de mover, de todo seu organismo físico, apenas o dedo mínimo… Todos nós temos reservatórios de vida a serem reaproveitados, com que sequer sonhamos.”

O Yoga é para seres humanos. E está ao alcance de todos. O que se precisa para praticá-lo? Um bom par de pulmões e a cabeça no lugar. Todos temos mente e pulmões. O resto é acessório. Há algo que é comum a todos os homens, e que por isso nos une, para além das diferenças raciais, religiosas, culturais, ou das características anatômicas dos indivíduos. Esse algo é a potencialidade de nos conhecer, de mergulhar no oceano da consciência. O Yoga é o instrumento que usamos para dar esse mergulho: ao mesmo tempo o ato de mergulhar e o lugar onde chegamos. Mas fazer Yoga não é mentalizar pensando em ganhar alguma coisa. Não é exercitar-se pensando em obter um corpo bonito. Pelo simples motivo que, para fazer Yoga, você nem sequer precisa ter braços ou pernas. Só pulmões e cabeça.

Há certos detalhes na prática que fazem a diferença entre uma técnica inócua e uma técnica que realmente funciona. É sobre esses detalhes que fala este livro. São sempre coisas muito simples, como posição correta, respiração correta, atitude correta. Coisas tão simples quanto importantes, mas são quase sempre esquecidas ou subestimadas.

Este é o fruto da nossa última viagem à Índia, do nosso contato com a tradição viva do Yoga naquele país. Ficamos apenas cinco meses por lá, período insuficiente se você for pensar no ritmo com que o tempo passa no seu dia a dia. Mas um período imenso, se considerarmos a intensidade das experiências vividas. Porque você também sentirá ao praticar que o tempo é elástico, e que ele se ?abre? quando você expande a consciência.

A única coisa que posso dizer, é que continuo impressionado com a força e o efeito do Yoga. É muito mais poderoso do que jamais pude imaginar. Sinto que, através desta breve porém intensíssima jornada, cresci, e encontrei algo. Encontrei o desejo de buscar no meu interior. Buscar a verdade, além de qualquer concessão. E busco, refugiado no bom senso e na inquebrantável vontade de continuar adiante. Essa busca, a aventura espiritual do Yoga, tem muito de visceral, de temerário, de loucura, poderíamos dizer.

Outro assunto delicado, é que as tradições vivas – como a do Yoga -crescem e mudam de geração para geração. Basta dar uma olhada na história do Yoga para ver isto claramente. Conseqüentemente, cada vez que uma tradição é “importada” e muda de contexto, alguma coisa também muda nela. Infelizmente, mudança quase nunca significa melhoria. É virtualmente impossível manter a tradição intacta, porque o Yoga não é uma múmia: é algo vivo, dialético, mutante e que interage com o tempo e as pessoas. Sendo ciente disso, espero não estar me afastando demasiado do objetivo original.

Quando o Yoga sai do seu lugar de origem e se adapta ao gosto ocidental, acaba reduzido a um artigo de consumo. Há ocidentais que, havendo aprendido com mestres indianos, criam adaptações, versões diluídas da tradição para tornar o produto mais palatável e, conseqüentemente, mais vendável. Ou seja, deixa-se de lado a “morte do ego” – para usar a expressão mais crua com que podemos definir o Yoga – e acaba-se por transformá-lo numa técnica de “crescimento pessoal”. Deixa-se de lado a transcendência, para centrar-se no fortalecimento da individualidade. É o que o lama Trungpa Rinpoche chamou de “materialismo espiritual”. Nada mais longe do objetivo original.

Entretanto, há ainda aqueles que, havendo estudado apenas por livros, nunca tiveram ou nunca se deram a oportunidade de estar em contato com a tradição viva. Esses yogis não conseguem jamais progredir, pois não entendem o presente contido nela. Às vezes, até ostentam atitudes arrogantes em relação à tradição. Desta forma, idéias e práticas são adaptadas, descontextualizadas e vendidas como técnicas de auto-realização. Técnicas que são como fast food: parece que satisfazem, mas em verdade ofuscam a fome verdadeira que motiva a busca espiritual.

Infelizmente, constatamos que a grande maioria das pessoas não entende o Yoga, que acaba sendo usado de forma utilitária para preencher necessidades, buscando benefícios pessoais, ou satisfazer desejos, expectativas e fantasias. Há pessoas que simplesmente não o compreendem: acreditam que ele seja algo que não é. Outros o tomam por uma espécie de esporte acrobático, exôtico e excêntrico. Também há aqueles que se contentam com uma pequena porção dele, preferindo criar um culto em torno de um determinado guru, mas sem perceber a profundidade de seus ensinamentos.

Diz o provérbio que quando o sábio aponta para a lua, o tolo olha para o dedo. Raros são os praticantes que fazem um estudo em profundidade dos shastras e da tradição. Aqueles que querem levar o Yoga realmente a sério são geralmente execrados, tidos como “radicais” os criticados por serem demasiado “hindus”.

Porém, por mais que as pessoas o maltratem, distorçam, mal-entendam ou desprezem, o Yoga continuará sendo o Yoga: eterno e imortal. E ele vai continuar além do profano ou dos modismos, atravessando o tempo, sempre adiante, sempre imutável, sempre transmitindo a sua mensagem àqueles que estiverem aptos para compreendê-la. O estudo (swadhaya) e a prática (sadhana) nos abrem novas portas do ser, que nos permitem ver além das limitações.

C. G. Jung disse que “quando um método religioso se anuncia como científico, pode ter certeza de obter público no Ocidente. O Yoga preenche essa expectativa. À parte do encanto da novidade e a fascinação por tudo o que é pouco compreendido, o Yoga tem bons motivos para conseguir muito adeptos. Oferece possibilidades de experiência controlável e assim satisfaz a necessidade científica de fatos. Além disso, em virtude de sua amplitude e profundeza, de sua idade venerável, de sua doutrina e método que abrangem todos os aspectos da vida, ele promete possibilidades nunca sonhadas.

“Toda prática religiosa ou filosófica pressupõe uma disciplina psicológica, isto é, um método de higiene mental. Os múltiplos processos puramente corporais do Yoga compreendem também uma higiene fisiológica superior aos exercícios de ginástica e respiração comuns, desde que não é apenas mecanicista e científica, mas é também filosófica. Ao treinar as partes do corpo, unifica-as com a totalidade do espírito, como se torna bem claro, por exemplo, nos exercícios de pránáyáma, onde o prána tanto é o alento com a dinâmica do cosmo…

“A prática do Yoga… será ineficiente sem os conceitos nos quais se fundamenta. Ele combina o físico e o espiritual de maneira extraordinariamente completa.

“No Oriente, onde estas idéias e práticas se desenvolveram, e onde, durante milhares de anos, uma tradição ininterrupta criou as necessárias bases espirituais, o Yoga é, em minha opinião, o método apropriado e perfeito para fundir corpo e mente, de modo a formarem uma unidade inquestionável. Esta unidade cria uma disposição psicológica que possibilita intuições transcendentes à consciência.”

A linguagem tem limitações para explicar algumas coisas do Yoga. Não apenas para olhá-lo de fora, mas também dentro do seu próprio contexto. Há coisas que, sendo vivência pura, se recusam a ser encerradas em palavras. Como se poderia explicar que alguns yogis podem ficar horas e horas embaixo d’água sem respirar, sem sentir na própria pele a “teoria” do prana? Porque a ciência diz que, após alguns minutos de apnéia, ocorrem danos irreversíveis ao cérebro. Entretanto, isso não vale para quem sabe controlar sua própria energia vital. Desde muito tempo atrás os cientistas estão tentando explicar coisas como essa. E se perguntarem ao yogi como é que ele faz essa “façanha”, a explicação talvez não convença os mais céticos. E isto não lhe tira o mérito, não é mesmo?

Usando a linguagem mais simples possível, este livro é para quem procura resultados na prática. Não serve para quem quer explicações. Pode entender-se o efeito físico ou psíquico do Yoga, seus resultados e benefícios, mas há um certo momento neste processo em que resulta difícil explicar o que acontece se você estiver situado fora do contexto do Yoga. Todavia, isto não significa que o Yoga se torne incompreensível. É algo que acontece igualmente com a ciência, que ainda tem suas zonas escuras e engatinha, quando precisa explicar certas coisas. Heisenberg, estudioso da física quântica, disse: “queremos explicar o átomo, mas não temos palavras para fazê-lo.” E todavia: “alguém que estude física quântica e diga que não se sentiu confuso, não entendeu nada.” Ou seja, na ciência também, a partir de um certo ponto, tudo é muito incerto.

Essa mesma limitação da linguagem se estende ao verdadeiro pântano que são as traduções do sânscrito para qualquer língua. Alguns dos conceitos que você vai achar aqui, como dhyana ou samadhi, não são apenas intraduzíveis, mas tampouco podem ser reduzidos a palavras, já que estão muito além do racional e do que os sentidos podem captar:

“Quanto à natureza do plano imediatamente superior, só a prática do Yoga nos pode revelá-la. Porque? Porque foi dito: o Yoga deve ser conhecido por meio do Yoga; o Yoga manifesta-se mediante o Yoga. Aquele que se aplica sem descanso ao Yoga, no final encontra no Yoga uma alegria permanente.” Vyása, Yoga Bháshya, III:6.

Por outro lado, no Yoga não se precisa “acreditar” em nada, pois o yogi acredita apenas na sua própria existência. É por esse motivo que o Yoga está mais perto da ciência que da religião. Não há dogmas. Apenas o axioma de que a energia vital, o prána, existe e é real.

Queremos registrar aqui o nosso imenso agradecimento às pessoas com quem aprendemos na Índia: Swami Dayananda Saraswati, Swami Satyananda Saraswati e o Dr. Thomas Arya. Também queremos expressar a nossa eterna gratidão à família Agnihotri Kukreja, de Nova Delhi, por haver nos recebido como filhos, nos ensinado e compartilhado conosco o homa, o ritual do fogo. Outro agradecimento às minhas amigas e revisoras, as professoras Aida Ferras e Leonor Escuder; esta última, por um acaso do karma, a minha mãe.

Este livro é dedicado a você, amigo leitor, esperando que as técnicas que encontrará aqui sejam úteis e motivadoras. Porque, a partir da prática, você não irá ficar mais “bonzinho”, nem irá transformar-se num passe de mágica. Você simplesmente tomará a decisão de mudar. Uma decisão que pode ser ao mesmo tempo um desafio em relação a como você vive a sua vida, e um convite a se jogar de cabeça no âmago da existência.

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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subhashita

Subhāshitas, Palavras de Sabedoria

Pedro Kupfer em Conheça, Literatura
  ·   1 minutos de leitura

12 respostas para “Prefácio do livro Yoga Prático”

  1. Olá! Eu gostaria de comprar este livro. Onde posso adquirir uma cópia?
    Namastê

  2. boa tarde, gostaria, por favor, de comprar o livro Yoga Prático, mas não estou encontrando a área da página. Por favor, poderiam me ajudar? Muito obrigada.
    Namaste.
    Mariana.

  3. Boa noite! Gostaria de saber onde encontro este livro. Obrigada!
    Abraços!

  4. Olá.

    Eu também gostaria de comprar este livro. Onde localizo o lugar para comprá-lo?

    Marilena Veloso.

  5. Vivo em Portugal e gostaria muito de comprar livros e Cadernos de Yoga deste site ou da Editora a ele associada.

    Não é possivel enviar á cobrança ou indicar-me uma livraria onde os possa comprar em Portugal?

    Sou Profª de Hatha Yoga em Portugal…

    Namaste,

    Fátima.

  6. Pratico Yoga há pouco tempo. Comprei um livro bem detalhado e pratico em casa mesmo. O Yoga realmente nos liberta das caixas em que a vida nos coloca e nos mostra novos horizontes, e este site yoga.pro.br é um deles!

  7. Olá!

    Eu também gostaria de saber como comprar o livro Yoga Prático. Também moro no Rio.

    Um grande abraço,
    Juliana.

  8. Oi, Ana Paula, você poderá se informar diretamente com a Comunidade do Saber, a atual Editora dos livros do Pedro, através do e-mail editora@comunidadedosaber.com.br, sobre onde encontrar esses livros em algum local mais próximo de ti. Harih Om.

  9. Gostaria de ser informada sobre onde poderia adquirir os livros Yoga Prático e Guia de Meditação, para começar um estudo sobre o Yoga.

  10. Eu também gostaria de saber onde posso encontrar esse livro a venda. Desde já, agradeço. Lucélia.

  11. Olá! Quero continuar a leitura desse livro! Quero ir além do prefácio. Por favor, como eu compro esse livro? Moro no Rio. Posso comprar pelo correio?

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