Começando, Pratique

O yogi e o imperador

O imperador grego Alexandre Magno invadiu a Índia no ano 326 antes de Cristo, estabelecendo colônias na terra que viu o Yoga nascer e iniciando assim o primeiro grande intercâmbio cultural, filosófico, artístico, técnico e comercial entre Oriente e Ocidente.

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O imperador grego Alexandre Magno invadiu a Índia no ano 326 antes de Cristo, estabelecendo colônias na terra que viu o Yoga nascer e iniciando assim o primeiro grande intercâmbio cultural, filosófico, artístico, técnico e comercial entre Oriente e Ocidente. Um capítulo pouco conhecido do encontro entre esses dois mundos é o da curiosidade que as práticas espirituais da Índia despertaram nos recém chegados.

Uma vez que o exército grego conquistou e se estabeleceu na cidade de Taxila, no atual Paquistão, Alexandre quis conhecer as idéias e o modo de vida daqueles que se dedicavam à busca espiritual, os jñana yogis upanishádicos, que foram chamados sofistas pelos macedônios. A palavra sophista significa ‘sábio’ em grego.

Para saciar sua curiosidade, o imperador mandou chamar o sábio Mandanis, que morava nas montanhas próximas à cidade. As condições para a visita: se o yogi aceitasse visitá-lo e o impressionasse com sua sabedoria, Alexandre o cobriria de ouro e presentes. Se não aceitasse o convite, seria decapitado. Dada sua dupla condição de imperador e invasor, Alexandre não podia nem queria sair da cidade para visitar o sábio na floresta. Era o sábio quem deveria interromper seus afazeres para visitá-lo, salvando assim sua vida, ou morrer se se recusasse a fazê-lo.

Escreve o cronista grego Estrabão: ‘Oescritus [discípulo do filósofo Diógenes] narra ter sido enviado por Alexandre para falar com os sábios, pois o imperador sabia que estas gentes andavam sempre nuas, dedicando-se à prática espiritual, e que eram considerados em grande estima pela população’.

O detalhe é que a comunicação entre ambos povos enfrentava um obstáculo virtualmente intransponível. Para ter uma conversação, gregos e indianos precisavam de dois intérpretes diferentes: um que traduzisse cada frase do grego para o persa, e outro que traduzisse do persa para a língua local. Isso tornava as discussões filosóficas estéreis e frustrantes. Ciente dessa situação, Mandanis, o yogi, recusou-se a participar do diálogo e declinou o convite para a visita, sem se deixar impressionar pela promessa dos tesouros nem se amedrontar pela ameaça explícita da sua morte iminente.

‘Com um sorriso complacente no rosto’, segundo narra nosso cronista, o yogi, apenas levantando a cabeça do monte de folhas onde descansava, respondeu ao enviado do imperador com as seguintes palavras: ‘O que Alexandre me oferece, e os presentes que ele me promete, são coisas absolutamente inúteis para minha pessoa. As coisas que prezo, e que são realmente importantes e úteis para mim, são estas folhagens, que são minha casa, estas plantas florescendo que me sustentam com seu delicioso alimento, e a água que acalma minha sede. Todas as outras possessões e objetos, obtidos com ansiosa preocupação, irão se provar nefastas para aqueles que as acumulam e produzem apenas sofrimento e vexame, coisas das quais todos os pobres mortais estão repletos’.

‘No que a mim respeita’, continuou o sábio, ‘repouso sobre as folhagens da floresta e, não tendo nada que precise ser cuidado ou guardado, fecho meus olhos em sono tranqüilo. Se tivesse ouro para cuidar, meu sono não seria assim. A terra me provê com tudo, como a mãe alimenta com seu leite o filho. Vou para onde quiser e não tenho preocupações que me sobrecarreguem, [nem faço ações] contra minha vontade’.

‘Mesmo se Alexandre cortar minha cabeça, ele não poderá destruir minha alma. Minha […] alma retornará a seu mestre, abandondando meu corpo como uma veste usada, abandonada sobre a terra, da qual, aliás, ele veio. […] Que Alexandre seduza com suas promessas e aterrorize com suas ameaças àqueles que desejam o ouro e as riquezas, ou àqueles que temem à morte. Contra pessoas como nós, essas duas armas são inúteis. […] Volta, então, e diz para Alexandre: ‘Mandanis não tem necessidade de nada que seja teu e, conseqüentemente, não irá até ti. Se quiseres alguma coisa dele, vem tu mesmo visitá-lo’.’

Sabemos que o imperador não visitou o yogi, mas, impressionado com suas palavras e firme atitude, poupou-lhe a vida. Com o Yoga, tem sido dessa mesma forma, desde o início dos tempos: se quisermos ter um encontro com ele, precisaremos nos mover em sua direção. Somente conseguiremos colher os benefícios do Yoga em função do que aportarmos a ele. Se nossa motivação for equivocada, não poderemos esperar demasiado.

Enquanto nosso ego-imperador se recusar a descer do trono para ir com humildade ao Yoga, deixando de lado a arrogância e a cegueira espiritual, a verdadeira sabedoria yogue estará sempre fugindo de nós mesmos, como uma miragem. Quarto coisas podem nos desviar do caminho:

1) confundir os meios com os fins,

2) praticar com a atitude errada,

3) não entender o que estamos fazendo, ou

4) nos deixar surpreender pelas armadilhas do ego.

Portanto, antes de querermos ter sucesso no Yoga, devemos compreender claramente o que ele é, e como devemos nos relacionar com ele. Estudar é fundamental. Tem sido assim desde que o Yoga existe.

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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