Conheça, Yoga Clássico

Yoga Sutras 1:30-32: Obstáculos e Soluções

Obstáculos são esperados: Existe um número previsível de obstáculos que surgem na jornada interior, acompanhados de várias conseqüências. Embora estes obstáculos possam ser desafios, saber que são algo natural fornece alguma tranqüilidade, pois são uma parte previsível do processo. Saber disto pode ajudar a manter a fé e a convicção, apresentados em sutras anteriores como sendo essenciais.

· 10 minutos de leitura >

Obstáculos são esperados: Existe um número previsível de obstáculos (1.30) que surgem na jornada interior, acompanhados de várias conseqüências (1.31) deles originadas. Embora estes obstáculos possam ser desafios, saber que são algo natural fornece alguma tranqüilidade, pois são uma parte previsível do processo. Saber disto pode ajudar a manter a fé e a convicção, apresentados em sutras anteriores como sendo essenciais (1.20).

Obstáculos previsíveis (1.30): doença, estupidez, dúvida, negligência, preguiça, paixão, percepção errada, fracasso, instabilidade.

Companheiros destes obstáculos (1.31): dor mental e física, tristeza e frustração, instabilidade do corpo, respiração irregular.

Ekagrata é a solução: Existe um princípio fundamental e simples que é o antídoto para estes obstáculos e suas conseqüências: ekagrata, um estado de mente completamente focado ou concentrado, estar totalmente focado no momento presente, também conhecido como concentração correta ou samadhi. (1.32). Embora existam maneiras diferentes de praticar ekagrata, o princípio é o mesmo. Se a mente está focada, é menos provável que fique perdida ou envolvida com as ilusões que são geradas pelos obstáculos.

Lembre de uma verdade ou objeto: Lembre constantemente de um aspecto da verdade, ou de um objeto (1.32). Pode ser qualquer objeto, incluindo um dos muitos sugeridos nos próximos sutras (1.33-1.39) e pode estar relacionado a sua religião, um aspecto de seu próprio ser, um princípio, ou qualquer objeto agradável. Pode ser um mantra, uma oração curta, ou uma afirmação. Embora exista uma grande abrangência de objetos para escolher, um aspirante sincero escolherá com sabedoria, possivelmente com a orientação de alguém familiarizado com esta prática.

Um imagem vale mais do que mil palavras: A página http://www.swamij.com/rotatingcircles.htm apresenta uma figura com 18 objetos de forma circular, que parecem se mover, embora estejam parados. Focando os olhos no pequeno centro preto de um dos círculos, todos param de se mover. Esta ilusão é um exemplo simples do uso do princípio de ekagrata, ou concentração correta, para estabilizar a mente. (Não está sendo sugerido ficar focalizando esta imagem como uma prática de meditação!).

1.30 Surgem nove tipos de distrações, que são obstáculos naturais encontrados no caminho, os quais são: doença física, tendência da mente de não trabalhar com eficiência, dúvida ou indecisão, falta de atenção para conseguir os meios para o samadhi, preguiça da mente e do corpo, falha ao tentar regular o desejo por objetos mundanos, pensamentos ou suposições incorretos, falha em alcançar estágios nas práticas, e instabilidade em manter um nível de prática alcançado.

(vyadhi styana samshaya pramada alasya avirati bhranti-darshana alabdha-bhumikatva anavasthitatva chitta vikshepa te antarayah)

* vyadhi = doença, enfermidade

* styana = preguiça mental, ineficiência, indolência, procrastinação, estupidez

* samshaya = indecisão, dúvida

* pramada = falta de cuidado, negligência

* alasya = preguiça, languidez, ociosidade

* avirati = sensualidade, querer o não-apego, não-abstenção, paixão

* bhranti-dashana = falsa visão ou falsa percepção, confusão de filosofias (bhranti = falso; darshana = visões, percepções)

* alabdha-bhumiktva = fracasso em atingir estágios de prática (alabdha = não conseguir; bhumikatva = estágio, estado, solo firme)

* anavasthitatva = instabilidade, escorregar, falta de habilidade para manter

* chitta-vikshepa = distrações da mente (chitta = campo da mente; vikshepa = distrações, desvio da atenção)

* te = eles são, estes são

* antarayah = obstáculos, impedimentos

Conforto ao saber que são previsíveis: Se estes são os obstáculos que podemos encontrar na jornada, então podemos nos sentir mais confortáveis quando os encontramos. Ao contrário de pensar “tem algo errado comigo”, podemos perceber que são apenas solavancos ao longo da estrada da vida e do caminho da descoberta espiritual. Se soubermos que tais obstáculos estão por vir, e que outras pessoas antes de nós já passaram por eles, podemos usar a experiência e a orientação destas pessoas para lidar com estes obstáculos.

A distração (chitta-vikshepa) vem primeira: Estes dois princípios (chitta-vikshepa e antarayah) não estão agregados como um único conceito, mas separados. Porém, trabalham em conjunto. Vê-los trabalharem separados revela uma chave do Yoga. Primeiro, surge um dos nove estados ou impressões mental e em seguida a atenção se direciona para ele. Literalmente, este estado ou impressão mental que surge desvia a atenção do que ela estiver focando naquele momento. Assim, a distração vem primeira.

E, em segundo, o princípio que surgiu se transforma em obstáculo (antarayah): Entretanto, a segunda parte do processo é que, uma vez que o direcionamento da atenção permaneça fixo no princípio que surgiu e que se tornou uma distração (chitta-vikshepa), neste momento o princípio se torna um obstáculo (antarayah), enriquecido com suas próprias dores e qualidades perturbadoras. Este processo possui duas partes: uma quando surge a distração, outra quando se torna um obstáculo. Se a primeira parte (a distração) não acontece, então a segunda parte (o obstáculo) não se manifesta, e não há um problema.

Distração e perturbação: Distração e perturbação são dois princípios diferentes. Primeiro deve surgir a distração, para em seguida surgir a perturbação.

A chave para lidar com os obstáculos é não ser distraído: A chave para a liberdade é desfazer a ligação entre a distração e a dor subseqüente, que é um obstáculo. É sugerido no sutra 1.32 (abaixo) que a maneira de fazer isto é ter uma mente ekagrata, para que a distração não aconteça. Desta forma, não surge o obstáculo. É um princípio maravilhosamente simples, tão simples, de fato, que é muito difícil convencer a nós mesmos a acreditar nele e a praticá-lo. Mesmo assim, a habilidade de focar a mente é crítica e vale o grande esforço para seu desenvolvimento.

1.31 Destes obstáculos surgem mais quatro conseqüências: 1- dor física ou mental, 2- tristeza ou depressão, 3- inquietação, falta de estabilidade ou ansiedade e 4- respiração irregular (expiração e inspiração).

(duhkha daurmanasya angam-ejayatva shvasa prashvasah vikshepa sahabhuva)

* duhkha = dor (mental ou física)

* daurmanasya = tristeza, desespero, depressão, frustração, angústia, melancolia

* angam-ejayatya = falta de estabilidade, inconstância, agitação, tremor dos lábios ou corpo (anga = lábios ou corpo)

* shvasa = inalação, inspiração (implica em inspiração irregular)

* prashvasah = exalação, expiração (implica em exalação irregular)

* vikshepa = distrações

* sahabhuva = companheiro, acompanhamento, correlacionado

Os quatro obstáculos do sutra 1.31 surgem por causa dos nove obstáculos apresentados no sutra 1.30: Estes quatro obstáculos surgem como uma conseqüência dos nove primeiros obstáculos descritos no sutra anterior. Apesar destes obstáculos poderem ser agrupados em um único sutra com treze obstáculos. é útil estar ciente que os quatro obstáculos surgem como o resultado dos nove primeiros obstáculos, justificando a separação. Se olharmos os quatro obstáculos de perto, podemos perceber que é relativamente fácil identificá-los em nós, em comparação com os nove primeiros. Se identificarmos um dos quatro obstáculos em nós, é uma indicação de que algo está acontecendo em um nível mais sutil, sendo mais fácil perceber o que está errado e fazer algum ajuste.

Os quatro obstáculos são bons indicadores de obstáculos mais sutis: Se pensarmos nestes quatro obstáculos nas pessoas, veremos como é fácil observar quando alguém está sentindo dor, tristeza, inquietação no corpo, ou irregularidade na respiração. Podemos não saber as razões por traz disto, mas podemos identificar os sintomas na superfície. Da mesma forma, podemos não saber que alguma coisa está acontecendo dentro de nós em um nível mais sutil. Apesar disto, se observarmos nossos gestos, linguagem corporal e nível geral de dor e humor, podemos ver com mais facilidade que alguma coisa está acontecendo em nós em um nível mais sutil.

Perceber pode trazer mudanças: Uma vez que um dos quatro obstáculos superficiais nos avise que existe algum obstáculo mais sutil, fica mais fácil fazer alguma ação corretiva para voltar aos trilhos. A primeira vista, isto pode parecer uma análise um tanto intelectual, mas, na verdade, é muito simples e extremamente útil. Por exemplo, podemos descobrir que voltando a focar em nossas práticas, na filosofia de vida que escolhemos, ou em atitudes úteis, estes obstáculos irão se enfraquecer. E o mais importante: pode ser um lembrete de que temporariamente perdemos nosso foco, e que devemos retornar para a concentração correta, ou ekagrata.

1.32 Para prevenir ou lidar com estes nove obstáculos e suas quatro conseqüências, é recomendado concentrar a mente de maneira correta (ekagrata), treinando-a a permanecer focada em um princípio ou objeto simples.

(tat pratisedha artham eka tattva abhyasah)

* tat = aqueles, deles

* pratisedha = prevenção, negação, neutralização, proibição, oposição, esvaziamento, remoção

* artham = para, para o propósito de, em ordem para

* eka = simples

* tattva = verdade, princípio, assunto, realidade

* abhyasah = prática, cultivar o hábito

Ekagrata é a solução: Existe um princípio fundamental simples, que é o antídoto para estes obstáculos: ekagrata ou a concentração correta da mente. Existem muitas maneiras de praticar ekagrata, a concentração correta, mas, novamente, o princípio é o mesmo. Se a mente está focada, é menos provável que fique perdida ou envolvida com a ilusão que é gerada pelo obstáculo. Lembremos que a razão básica pela qual não experimentamos a iluminação é porque a consciência está enganosamente identificada com os vários níveis de condicionamento (1.4). Nos próximos sutras (1.33-1.40) são sugeridas várias maneiras de focar a mente, visando atenuar os efeitos destes obstáculos.

Lembre de uma verdade ou de um objeto: Lembremos constantemente de um aspecto da verdade ou de um objeto. Pode ser qualquer objeto, incluindo um dos muitos sugeridos nos próximos sutras (1.33-1.39). Pode estar relacionado a nossa religião, um aspecto de nosso próprio ser, um princípio, ou qualquer objeto agradável. Pode ser um mantra, uma oração curta, ou uma afirmação. Neste sutra, ekagrata, o princípio de concentração correta, é introduzido como um antídoto para os vários obstáculos mencionados nos sutras anteriores (1.30-1.31). Embora exista uma variedade imensa de objetos para escolher, um aspirante sincero escolherá com sabedoria, possivelmente com o auxílio de alguém já familiarizado com esta prática.

Esta é a preparação para a meditação: Pode parecer que a meditação é o recurso pelo qual aprendemos a lidar com este tipo de distração. Na verdade usamos outro recurso. Nós aprendemos os princípios básicos de como lidar com as distrações para que depois possamos meditar e experimentar o Eu verdadeiro, que está além da mente. Entretanto, antes de poder meditar, devemos estabilizar a mente e lidar com as distrações. É esta preparação que está sendo ensinada nos sutras 1.30, 1.31 e 1.32, seguida pelas sugestões específicas para a purificação da mente (sutras 1.33-1.40). Mais adiante, no capítulo 2, são apresentados métodos sutis de meditação, após a redução dos obstáculos mais densos.

Ekagra, a concentração correta, se aplica a todos os níveis: Ekagra , o princípio da concentração correta da mente, como o antídoto para os obstáculos, continua sendo válido na prática de meditações mais sutis. Embora inicialmente seja essencial neutralizar o nível denso dos obstáculos mentais, ekagrata continua a ser uma ferramenta essencial em todos os estágios subseqüentes da prática. A natureza dos obstáculos pode ficar cada vez mais sutil, mas suas características perturbadoras e distrações continuam a ser semelhantes, assim com a solução.

Ekagrata, prática e não apego: Lembrando que os dois princípios abhyasa (prática) e vairagya (não-apego) foram apresentados nos sutras 1.12 a 1.16 como a fundação para a meditação do Yoga. No sutra 1.32 é apresentado o princípio para a remoção dos obstáculos que é o companheiro destes dois princípios: ekagrata, a concentração correta. Refletir constantemente no modo como estes três princípios atuam em conjunto é extremamente útil. O compromisso com a prática, acompanhada com o treinamento da mente para ser corretamente concentrada (ekagrata), e o cultivo do não-apego para com os muitos obstáculos mentais, agem em conjunto, em coordenação, para trazer os frutos da meditação.

Não é a repressão de pensamentos e emoções: Muitas pessoas aprendem automaticamente a direcionar a concentração da mente para lidar com problemas ou obstáculos na vida, e com freqüência esta concentração é realizada sem um alvo específico. Ficar absorvido em um hobby, atividade esportiva, televisão, ou um tipo de vício pode prover um sentimento de alívio, mas também pode gerar supressão e repressão de pensamentos e emoções. Este tipo de direcionamento da atenção pode, como conseqüência, fazer a pessoa evitar ou desviar de questões presentes que deveriam ser resolvidas. Não é esta a intenção de ekagra, a concentração correta da meditação do Yoga. Ao contrário, com ekagrata, a concentração correta do Yoga, existe também uma expansão da consciência do mundo interior, acompanhada do não-apego. Isto gera uma mente livre e receptiva, ao invés de uma mente reprimida e fechada.

Focando no positivo: Existe um princípio conhecido que é focar nas atitudes, ações e situações positivas da vida, enquanto permitimos que o negativo gradualmente se desvaneça. Permanecer focado no positivo é uma das aplicações práticas de ekagrata, o princípio da concentração correta. Exemplo após exemplo percebemos que o princípio de permanecer focado é um processo universal para a saúde, cura, totalidade e transcendência dos níveis mais externos de nosso ser, para que, assim, possamos experimentar a Verdade interior (1.3).

Estilo de vida com foco: O espírito de ekagra, a concentração correta, não é só uma técnica ou método de meditação. É uma intencionalidade, uma visão de mundo, um modo de ser. É um processo de desenvolvimento de um estilo de vida onde prestamos atenção naquilo que estamos fazendo, enquanto estamos sempre conscientes dos aspectos sutis de nosso ser. Seja lá o que façamos, digamos ou pensemos, existe uma consciência, sempre gentil, sempre presente, que está focada e não distraída. O yogi cultiva conscientemente este estilo de vida atento, focado, corretamente concentrado, ekagrata, enquanto permanece atento sobre tudo, e até mesmo expande a consciência.

Várias maneiras de praticar ekagrata: Nos próximos sutras (1.33-1.39), são sugeridos vários métodos específicos para praticar ekagrata. Entre estes métodos estão o cultivo ou meditação nas quatro atitudes (1.33), manter a atenção na respiração, manter a atenção nos sentidos, focar na luminosidade interior, contemplar uma mente clara, testemunhar os fluxos de pensamentos, e escolher algo agradável e útil para manter o foco.

Próximos sutras: 1.33-1.39: Estabilizando e Clareando a Mente

Sutras Anteriores: 1.23-1.29: Contemplação do OM

————————————————————

Traduzido pelo yogi Rogério Maniezi, de Florianópolis, do original “Yoga Sutras 1.30-1.32: Obstacles and Solutions ”, de autoria de Swami Jnaneshvara Bharati, disponível em www.SwamiJ.com.

+ posts
subhashita

Subhāshitas, Palavras de Sabedoria

Pedro Kupfer em Conheça, Literatura
  ·   1 minutos de leitura

2 respostas para “Yoga Sutras 1:30-32: Obstáculos e Soluções”

  1. Um texto claro e rico nas explicações e palavras… é um alimento para relembrar quem somos e iluminar as situações de nossas vidas e não deixar que essas nos apaguem.

  2. Nada como ler as características que eu tenho colocado em pratica. Haveria na vida a respiração desregular a distração em praticar yoga. Nao estou apta a descrever um sentido para toda negligencia da vida , tipo percepções confusas . Mas o ruim de tudo isso eh enchergar algo positivo as terpapias do yoga talvez esclareçam o contexto negativo. Nada como enercicio fisico, meditação, dar um rolé e ver as formas da natureza , agradeçer pelo texto e ver como é bom ler.
    Namaste!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *