A Muṇḍakopaniṣad é um antigo texto védico sânscrito que faz parte do Athārvaveda. É uma das principais Upaniṣads do cânone Muktika. Consiste de um diálogo entre os ṛṣis Saunaka e Aṅgiras em verso com 64 mantras.
Não obstante, esses mantras não se usam em rituais, senão para a transmissão do autoconhecimento e a prática da meditação (nididhyāsana). Dentre os belíssimos mantras da Upaniṣad, há um que se destaca:
द्वा सुपर्णा सयुजा सखाया समानं वृक्षं परिषस्वजाते ।
तयोरन्यः पिप्पलं स्वाद्वत्त्यनश्नन्नन्यो अभिचाकशीति ॥ १ ॥
dvā suparnā sayujā sakhāyā samānam vṛkṣam pariṣasvajāte |
tayoranyaḥ pippalaṁ svādvattyanaśnannanyo abhicākaśīti || 1 ||
Muṇḍakopaniṣad, III:1.1
“Dois pássaros inseparáveis, de fina plumagem,
pousam no mesmo ramo de uma figueira:
um alimenta-se dos deliciosos frutos;
o outro apenas observa”.
Nesta parábola, a árvore é o mundo, a sociedade, o lugar onde vivemos e nos movemos. Os frutos da figueira são os labirintos dos desejos, os resultados dos karmas, crenças e condicionamentos disponíveis para a pessoa.
O primeiro pássaro é o corpomente. O segundo é Ātma, o Ser pleno. O primeiro pássaro, identificado com a forma, e acreditando ser o corpomente, desfruta dos figos doces e rejeita os azedos.
O segundo pássaro, Ātma, é eterno, puro e livre por natureza. Ele não sofre, não se apega nem rejeita nada. Apenas é. Ātma é a causa da existência do pássaro-ego, e de tudo aquilo que ele desfruta ou rejeita.
Śrī Śaṅkarācārya ensina, no comentário deste mantra, que “o Yoga é o meio para o reconhecimento da natureza real” da pessoa, que é Ilimitada. Vejamos o esclarecedor comentário do sábio sobre este mantra:
“Paravidyā, o conhecimento supremo, foi explicado. Através dele, a verdade sobre o invariável Puruṣa pode ser conhecida. [Igualmente,] pelo conhecimento, a causa do saṁsāra [a vida condicionada], o nó [que estrangula] o coração e seus desdobramentos [i.e., o sofrimento e as aflições], podem ser totalmente destruídas.
“O Yoga, que é o meio para a compreensão/realização de Brahman [o Ilimitado], também foi explicado através da ilustração [que fala sobre] usar o arco. [Ādi Śaṅkarācārya refere-se aqui a um mantra prévio desta Upaniṣad, que diz: “O Oṁ é o arco, a flecha é o Eu, Brahman o objetivo, a pessoa, evitando as distrações, deve atingir o objetivo e ficar nele, assim como a flecha se torna una com o alvo”. (II:2.4)].
“A porção subsequente tem a intenção de apresentar as práticas auxiliares do Yoga, como cultivar satya, a veracidade, e os demais valores e atitudes [i.e., os yamas e niyamas]. A verdade é aqui determinada por outro modo [i.e., pela inquirição sobre o Ser], pois é extremamente difícil percebe-la.
“Aqui, um mantra [sucinto] como um sūtra é apresentado com o propósito de apontar para a presença do Absoluto, Brahman. Suparnau: dois “de bom movimento” ou dois pássaros [suparna significa pássaro]; sayujau: inseparáveis, constantes companheiros; sakhayau: que têm o mesmo nome ou a mesma causa de manifestação.
“Sendo assim, eles estão empoleirados na mesma árvore. [A palavra] árvore aponta para o corpomente; pois o corpomente como a árvore, pode ser cortado ou destruído. Pariśasvajate: abraçado; assim como os pássaros vão até a mesma árvore para provar os frutos.
“Esta árvore [mencionada na segunda parte da Kaṭhopaniṣad], como é bem conhecido, tem sua raiz no alto [i.e., em Brahman] e os seus galhos [o prāṇa (vitalidade) e demais elementos e faculdades] para baixo; é transitória e tem sua fonte em avyakta (māyā).
“É chamada kṣetra [“campo”, i.e., o corpomente] e nela se manifestam os frutos do karma em todos os seres. É aqui que a individualidade (jīvātma), condicionado pelo corpo sutil ao qual a ignorância, o desejo, o karma e suas tendências não manifestas se vinculam, e Īśvara estão “empoleirados” como dois pássaros.
“Destes dois assim associados, um, o corpomente, animando o corpo sutil, “come”, ou seja, saboreia os frutos dos karmas julgados como alegria e sofrimento, desfrutáveis de maneiras diversas.
“O outro, o Ser eterno, puro, invariável e livre em sua natureza, sendo todo-o-conhecimento e não condicionado por māyā, não come; pois, ele é o senhor tanto daquele que come quanto daquilo que é comido, pelo fato de, por sua mera existência, ser a testemunha eterna de tudo. Sem apegar-se nem rejeitar nada, ele apenas observa; pois, a sua natureza é testemunhar, como um rei.”
Assim, que possamos reconhecer a nossa real natureza e viver livres do apego às dualidades, condicionamentos e crenças. No corpomente, sim, mas sem sofrimento.
॥ हरिः ॐ ॥
Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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