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A Positividade Tóxica no Yoga

O que é positividade tóxica? Positividade tóxica é uma dessas instituições sociais modernas que produzem imensa pressão sobre o indivíduo para que este se mostre sempre otimista ou pelo menos pareça feliz, independentemente das circunstâncias. Ela se baseia na crença de que pensamentos negativos devem ser evitados a qualquer custo. Em situações de intensa pressão, […]

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positividade tóxica

O que é positividade tóxica?

Positividade tóxica é uma dessas instituições sociais modernas que produzem imensa pressão sobre o indivíduo para que este se mostre sempre otimista ou pelo menos pareça feliz, independentemente das circunstâncias. Ela se baseia na crença de que pensamentos negativos devem ser evitados a qualquer custo.

Em situações de intensa pressão, como uma ruptura familiar, uma doença grave ou a perda do emprego, a pessoa é incentivada e ignorar as suas verdadeiras emoções e mostrar-se “positiva”, na presunção de que essa atitude forçada elimine os sentimentos indesejáveis. 

A positividade tóxica é o resultado de expectativas exageradas no sentido de ter uma vida perfeita de maneira contínua. Quando cultivamos esse tipo de expectativa tão alta, é natural sentirmos vergonha, remorso, culpa ou insegurança quando o que as nossas emoções nos mostram é muito diferente daquilo que achamos que deveríamos sentir. 

O problema é que isso reprime emoções genuínas e necessárias para processar as experiências que vivemos.

Aceitar as emoções execradas pela positividade tóxica e tidas de modo geral como socialmente indesejáveis (medo, raiva, tristeza, sofrimento), por paradoxal que possa parecer, nos ajuda a ter uma vida mais feliz e realizada. 

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Exemplos de mensagens que contêm positividade tóxica

  • “Se você consegue imaginar, você consegue realizar”. 
  • “Pense positivo”. 
  • “Você cria a sua própria realidade”. 
  • “Pratique e tudo virá”.

Sinais de positividade tóxica

  • Reprimir sentimentos ou emoções como tristeza ou medo, e outros que não sejam socialmente aceites. 
  • Forçar as coisas no sentido de reprimir e ignorar emoções que teoricamente “não deveriam estar aí”. 
  • Sentir-se culpado pelos próprios sentimentos. 
  • Fazer pouco caso das experiências dos demais repetindo os chavões acima. 
  • Tentar dar falsas perspectivas a alguém (“poderia ser pior”), em vez de validar sua experiência emocional. 
  • Envergonhar ou punir os demais por expressar frustração ou sentimentos que não sejam positivos. 
  • Ignorar aquilo que incomoda usando afirmações como “as coisas são o que são”. 

É melhor ser alegre que ser triste?

Já cantou o poeta que é melhor ser alegre que ser triste. No entanto, a alegria não é a melhor coisa que existe. O grande problema é que focar apenas na alegria e outros sentimentos tidos como aceitáveis e negar o resto, cria imensos problemas para a pessoa que cultiva tais atitudes, bem como para outras pessoas que estejam perto dela. 

A negatividade pode de fato ser um obstáculo intransponível para uma vida minimamente realizada. Portanto, é evidente que o otimismo é preferível diante da negatividade. Não há nada de errado em desejar aos demais e também a nós mesmos uma vida saudável, plena e feliz. 

Gurus gratiluz

As redes sociais estão cheias de coaches e terapeutas gratiluz que aparentemente brilham sem cessar, prontos para nos inundar com conselhos que não pedimos e que sempre procuram ver “o lado bom das coisas”. Supostamente, esses conselhos aparentemente infalíveis fariam desaparecer num instante os nossos problemas. 

A priori, repetimos, não há nada de errado em desejar coisas boas ou em cultivar o otimismo. O problema é que, por boas que sejam as intenções de quem nos aconselha, esses conselhos nascem da ignorância, são limitadores e inevitavelmente terminam em sofrimento, remorso, frustração e culpa.

Os gurus da positividade tóxica são a pior companhia possível pois não podem ajudar ninguém quando invalidam aquilo que seus clientes/discípulos sentem e negam a própria ordem psicológica humana. 

Os conselhos dessas pessoas são rasos, ineficientes e perigosos, pois contêm a negação de algo que é fundamental na vida humana: o sofrimento. 

Usar sorrisos falsos, varrer os problemas para baixo do tapete e forçar as coisas não faz com que o sofrimento desapareça. Não há soluções mágicas. 

A Natureza do Sofrimento

O sofrimento, o pesar e a dor são expressões radicais da tristeza, e fazem parte da ordem psicológica humana. Uma parte assaz importante, pois tentamos o tempo todo distanciar-nos desses sentimentos ou, no pior dos casos, chegar a bons termos com eles.

O sofrimento é o constituinte básico da negatividade nos fenômenos afetivos. Seu oposto é a felicidade. O sofrimento pode ser físico ou mental, e apresentar-se em diferentes graus de intensidade, do suave ao insuportável. 

O sentido do sofrimento é nos dar a oportunidade de refletir e compreender a natureza do devir, das coisas que acontecem na nossa vida. Sair do sofrimento implica conhecer a natureza humana. O alívio do sofrimento é alcançado através da clareza mental e da lucidez.  

Rejeitar o sofrimento e o movimento pendular das emoções humanas só traz frustração. O ideal é criar condições conduzentes para que a calma essencial que somos possa manifestar-se, ao mesmo temo em que minimizamos os momentos de tristeza ou sofrimento. 

A Sombra

O mundo não é feito apenas de “vibrações positivas”, como já cantou Bob Marley: CG Jung já disse que todos carregamos uma sombra, i.e., todos temos um lado escuro. 

A positividade tóxica é a receita perfeita para construir uma sombra densa, intensa e potente pois, quanto mais reprimimos as coisas, mais frustração acumulamos. Essa frustração criará um monstro que irá nos destruir no momento menos pensado, revelando a fragilidade dessa falaciosa solução. 

O Caminho do Meio

Seria infantil pretender ficar apenas felizes o tempo todo, ou acreditar que por repetir frases de efeito ou usar uma máscara de felicidade iremos para algum tipo de paraíso terrenal onde o sofrimento não existe. 

A única solução possível é aceitar tanto a luz quanto a sombra, tanto o desejável quanto o indesejável, de maneira que possamos aceitar os aspectos negativos e os positivos ao mesmo tempo. 

O caminho do meio ou madhyamapāda, como dizia o Buddha, consiste em cultivar uma atitude positiva em relação as coisas, deixando igualmente um espaço para a apreciação e aceitação dos conteúdos indesejáveis. 

Noutras palavras, o caminho do meio consiste em ser otimista e ao mesmo tempo considerar os sentimentos indesejáveis que surgirem no nosso coração, sem reprimir nem negar quaisquer conteúdos. 

positividade tóxica

Onde aparece a positividade tóxica no Yoga? 

O Yoga não tem, em si mesmo, nenhum conteúdo que possa ser classificado como positividade tóxica. Não vemos rastros desse tipo de crença nas Upaniṣads, nem no Yogasūtra, nem na Bhagavadgītā

Porém, nas interpretações desses śāstras que muitos professores fazem atualmente, principalmente quando algumas citações são tomadas fora de contexto, ou quando o professor não é devidamente preparado, a positividade tóxica aparece. 

Por momentos, ela está bem presente na forma de crenças que não tem nada a ver com as atitudes que os yogins de outrora nos propuseram, tanto no ensinamento como no estilo de vida que o acampanha. 

O exemplo mais claro de distorção pela positividade tóxica dos ensinamentos do Yoga é do sūtra 2:33. Esse sūtra diz assim:

vitarkabādhane pratipakṣabhāvanam
Quando surgirem pensamentos indesejáveis,
estes podem neutralizar-se convivendo-se com seus opostos.

Estamos aqui diante do ensinamento críptico de Patañjali, que é mais conhecido do que compreendido e mais repetido do que aplicado, pois uma leitura apressada ou superficial dele nos levará, inevitavelmente, para a positividade tóxica. 

A priori, pode nos dar a impressão que Patañjali, o autor do Yogasūtra, está a nos propor ignorar os tais dos pensamentos indesejáveis forçando as coisas para estabelecer-nos nos sentimentos contrários a eles.

O problema é que essa abordagem não funciona nem resolve nada e, muito pelo contrário, cria imensas dificuldades e ainda aumenta desnecessariamente o sofrimento, o remorso e a culpa.

O que Patañjali realmente nos propõe no Yogasūtra?

Pratipakṣabhāvanam é uma das práticas mais poderosas e eficientes do Yogasūtra. Infelizmente, o alcance e propósito dela nem sempre é bem compreendida, pois dizer que pratipakṣabhāvanam significa apenas convivência com o oposto do indesejável pode induzir a confusões. 

Dizemos isso porque apenas negar algo que percebemos como indesejável simplesmente não funciona nem traz o resultado esperado. Se o seu filho pedir um sorvete e você negar, mesmo que seja da maneira mais amorosa, sua resposta não irá eliminar o desejo dele pelo doce e pode ainda fazer com que a criança fique triste ou frustrada.

Se você se deixa levar pela tentação de dormir demais ao longo do dia depois de uma noite de insônia, é bem provável que essa decisão afete negativamente o seu ritmo circadiano nos próximos dias. Pratipakṣabhāvanam é a prática que nos ajuda a lidar da forma mais construtiva com esse tipo de situação.

Nesse sentido, esta atitude não é uma mera negação de pensamentos ou desejos. Em verdade, a técnica funciona no sentido de nos dar motivação e foco. 

Dizemos isso porque apenas negar algo que percebemos como indesejável simplesmente não funciona nem traz o resultado esperado. Se o seu filho pedir um sorvete e você negar, mesmo que seja da maneira mais amorosa, sua resposta não irá eliminar o desejo dele pelo doce e pode ainda fazer com que a criança fique triste ou frustrada.

Se você se deixa levar pela tentação de dormir demais ao longo do dia depois de uma noite de insônia, é bem provável que essa decisão afete negativamente o seu ritmo circadiano nos próximos dias. Pratipakṣabhāvanam é a prática que nos ajuda a lidar da forma mais construtiva com esse tipo de situação.

Nesse sentido, esta atitude não é uma mera negação de pensamentos ou desejos. Em verdade, a técnica funciona no sentido de nos dar motivação e foco. 

Existem três formas de pratipakṣabhāvanam

  1. a primeira acontece pela busca das possibilidades mais construtivas; 
  2. a segunda, pela reflexão sobre o impacto das nossas decisões; 
  3. a terceira consiste em evitar o julgamento precipitado.

1) Foco nas alternativas edificantes

Em primeiro lugar, ao identificarmos pensamentos ou sentimentos que sabemos que não nos fazem bem, o que nos cabe fazer é substituí-los por opções mais construtivas. Isso pede um pensar deliberado, e ao mesmo tempo, na medida do possível dentro de cada situação, evitar agir de maneira precipitada ou mecânica. 

Assim, no caso do exemplo da noite mal dormida que mencionamos acima, ao invés de me deixar levar pela inércia, posso optar por fazer uma caminhada ou escolher outra atividade perto da natureza e resistir à tendência a dormir fora do horário. Isso será mais saudável e ao mesmo tempo irá proteger a higiene do meu sono.

Essa estratégia é muito mais eficiente do que tentar convencer a mente de que não tenho sono nem preciso de descanso. Se, no diálogo interno, consigo seduzir a mente no sentido de compreender a vantagem de fazer escolhas mais saudáveis, so tenho a ganhar com isso. 

Por exemplo, posso dizer para ela: “minha querida, entendo que você esteja com sono, porém, se pensar junto comigo irá convir que há uma alternativa melhor e mais desejável: dar um passeio no campo. Isso irá facilitar uma noite de descanso reparador, e você sabe o quanto isso é importante para a nossa qualidade de vida”.

Resumindo, esta forma de pratipakṣabhāvanam consiste em trazer à mente, de maneira deliberada, uma alternativa mais saudável àquela que surge como resultado dos condicionamentos ou desejos irrefletidos. 

Conhecida é a tendência da mente a exagerar as coisas. Essa tendência é justamente a que fortalece a ânsia pela realização dos desejos. A boa notícia é que ela pode ser revertida em nosso próprio benefício se, por exemplo, ao invés de focar no que é inconveniente ou indesejável, colocarmos a nossa atenção nas alternativas saudáveis. 

Na continuação do exemplo do sono, a continuação do diálogo interno poderia dirigir-se à importância de ter uma disciplina diurna que facilite o sono, do quão fundamental é a exposição ao sol ao longo do dia para melhorar a qualidade do sono à noite e temas correlatos.

2) Reflexão sobre o impacto das nossas decisões

Se a primeira forma de pratipakṣabhāvana é uma espécie de substituição afirmativa, a segunda consiste em ponderar sobre os aspectos negativos daqueles conteúdos indesejáveis, para criar uma motivação continua que nos ajude a nos manter afastados deles.

Nesse sentido cabe lembrar que, se nos deixamos levar por desejos, impulsos ou condicionamentos indesejáveis em busca de um prazer transitório, é pela simples razão  de que não paramos para pensar nas suas consequências a médio ou longo prazo.

Uma boa reflexão sobre esses temas pode nos ajudar a completar o processo do pratipakṣabhāvana ponderando sobre os resultados que esses impulsos podem ter nas nossas vidas. Um clássico exemplo deste tipo é a relação que estabelecemos com a comida.

Quando nos deixamos seduzir pela indulgência ou o excesso no comer, poucas vezes pensamos nos efeitos indesejáveis desse hábito. No entanto, quando paramos para pensar sobre o quanto isso pode ser prejudicial para a nossa saúde, tenderemos a ser mais comedidos e frugais na próxima oportunidade.

Desta maneira, assim como na primeira abordagem do pratipakṣabhāvana, não lutamos contra a mente, nem a forçamos, nem a vemos como uma inimiga. Pelo contrário: usamos essa faculdade para ganhar foco e motivação, para reforçar os nossos propósitos mais elevados, saudáveis e construtivos.

3) Evitar o julgamento precipitado

Vencer a tendência natural a se deixar arrastar pelo julgamento precipitado é um passo importante nessa caminhada. Se o nosso problema for julgar leviana ou precipitadamente, podemos resolvé-lo de maneira eficiente ao exercer a continência verbal. 

Isto quer dizer evitar o primeiro impulso para verbalizar uma ideia antes de que a análise de todos os fatores tenha sido concluída, para verificar se a minha apreciação coincide com a realidade dos fatos.

E, depois de guardarmos para nós mesmos esse tipo de julgamento, poderíamos fazer ainda um exercício de aceitação da situação, reconhecendo que cada pessoa faz sempre seu melhor dentro das circunstâncias que lhe cabem, ainda quando as ações pareçam ter sido feitas de maneira deliberadamente errada.

Assim, exercendo essa autodisciplina que nasce da continência e do esforço sobre nós mesmos, da nossa motivação pela superação e do foco que mantemos na prática, purifica-se a mente e a ainda fortalecemos a vontade.

Conclusões

No início, estes três exercícios poderão nos parecer difíceis, dada a imensa força dos condicionamentos, porém, se quisermos ter uma ideia de a quantas anda a nossa evolução e o nosso crescimento emocional, este é um bom termômetro: conseguimos, de fato, evitar o impulso de nos queixar desnecessariamente ou de falar mal dos demais? 

Cabe a cada um de nós experimentar com essas três possibilidades e ver qual é a que apresenta a maior eficiência no nosso caso pessoal. Algumas pessoas respondem melhor ao reforço positivo, que corresponde ao primeiro exercício de pratipakṣabhāvana

Outras vão certamente preferir a segunda abordagem, que pondera sobre os efeitos negativos das ações, enquanto que haverá quem se sinta mais confortavel na terceira, que tem o foco na autodisciplina e a superação da tendência a julgar precipitadamente. 

O fruto do pratipakṣabhāvana é uma mente harmoniosa e construtiva, que trabalha como a nossa aliada no crescimento interior. Essa mente purificada, por sua vez, nos ajudará a viver uma vida tranquila e dentro do dharma, o princípio da harmonia universal.

ॐ ॐ ॐ

Saiba mais sobre o Yoga de Patañjali aqui

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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