O que é alta performance?
O engenheiro Carlos Sander, do blog Frons, escreve no seu artigo Alta performance: torne-se um profissional de desempenho excepcional, que alta performance seria
“Uma inclinação responsável por caracterizar equipes e indivíduos que possuem uma jornada profissional pautada na superação das expectativas, no alcance de metas e na qualidade de uma atuação capaz de gerar bons números de processos, projetos e entregas”.
Portanto essa ideia, oriunda do mundo dos negócios, está vinculada com resultados, conquistar metas e maneiras de superar-se profissionalmente.
Donde veio a ideia da alta performance?
O conceito de times de alto desempenho nasceu no Instituto Tavistock, no Reino Unido, em 1950. No entanto, tornou-se popular apenas na década de 1980 entre grandes corporações como Boeing, Hewlett-Packard ou General Electric.
Hoje em dia, times de alta performance são muito valorizados no mundo dos negócios. A necessidade de ter essas equipes é uma resposta à cultura competitiva e à velocidades do desenvolvimento tecnológico no espaço empresarial.
Não há nada de errado em relação à alta performance no mundo dos negócios, desde que se mantenha uma ética de trabalho estrita e respeito pelos direitos laborais. A pergunta que surge, no entanto, é se é legítimo, ou se vale a pena, extrapolar essa filosofia de trabalho em equipe para todas as outras áreas da existência humana individual.
O lado escuro da alta performance
Infelizmente, quando a filosofia laboral do alto desempenho prevalece numa empresa, nem sempre os resultados são os esperados.
Um dos problemas que surgem diz respeito aos resultados dessa metodologia na saúde emocional e mental dos trabalhadores: o propósito de criar uma vantagem competitiva para as organizações, o faz à custa do bem-estar dos trabalhadores, resultando assim em consequências negativas para eles.
Pesquisas recentes revelam que a percepção dos trabalhadores sobre trabalhar em times de alta performance está associada a resultados psicológicos negativos na sua saúde mental, pois são submetidos a grandes doses de ansiedade, esgotamento ou sobrecarga de funções, dentre outros. Se quiser saber mais, leia por favor este texto sobre os efeitos negativos da cultura laboral de alta performance sobre a saúde mental dos trabalhadores.
Alta performance no Yoga
Considerando o que colocamos acima, seria um enorme despropósito trazer essa cultura, muitas vezes tóxica, para dentro do Yoga, como insistem em fazer alguns professores e coaches. Em primeiro lugar, à guisa de crítica, caberia questionar a razão para fazer essa importação, uma vez que o Yoga se basta por si mesmo e existe há milênios sem esse tipo de apelo.
Em segundo lugar, os perigos inerentes a essa importação da ânsia por alto desempenho no Yoga não são diferentes daqueles detectados no ambiente laboral. Para piorar as coisas, à ansiedade, depressão e burnout, somam-se a frustração quando os resultados na prática (seja de āsana, seja de prāṇāyāma) ficam aquém das expectativas da pessoa. Todavia, existem riscos reais de lesões articulares e outros, como veremos mais adiante.
Alguém poderia argumentar que os professores que fazem essa importação têm como propósito atrair pessoas do mundo dos negócios para o Yoga através do uso de uma linguagem atraente e familiar para elas. No entanto, cabe questionar se isso é realmente necessário e honesto, uma vez que o objetivo do Yoga não tem nada a ver com alta performance.
Nesse sentido, o Yoga para alta performance não é diferente de outras distorções sobre o tema, como praticar Yoga com armas (Gun Yoga) ou Yoga com vinho (Wine Yoga). Se o profissional precisa fazer esse tipo de apelo pela novidade ou o modismo, a qualidade das aulas e do ensinamento que oferece provavelmente deve ser bastante baixa.
Estratégias e objetivos
O paradoxo é que, se considerarmos que a meta do Yoga é a liberdade, ninguém torna-se livre como quem vai a uma batalha precisando vencer a qualquer custo. Ninguém conhece a si mesmo como pleno ou feliz com a mesma atitude e expectativas de quem preenche uma lista de tarefas ou vai às compras no mercado.
A prática do Yoga é frequentemente associada a benefícios físicos, mentais e emocionais, e isso é verdadeira verdade. No entanto, tratar o Yoga como uma prática voltada exclusivamente para alta performance pode levar a uma visão distorcida e, até mesmo, perigosa dos seus propósitos reais.
Enquanto alguns aspectos do Yoga, como fortalecimento muscular, flexibilidade e foco, podem complementar o desempenho em esportes ou atividades de alta exigência física, a essência do Yoga vai muito além de resultados mensuráveis e desempenhos extremos.
Primeiramente, buscar a alta performance no Yoga pode levar à frustração e à exaustão. Ao pressionar o corpo e a mente para alcançar posturas ditas “avançadas” ou manter práticas intensas, é possível ultrapassar os próprios limites saudáveis, gerando lesões físicas.
Em segundo lugar, é importante lembrar que quando o Yoga é reduzido a um meio para alcançar alta performance, sua verdadeira essência é deixada de lado. Diferentemente de atividades voltadas ao desempenho físico, o Yoga é uma prática que convida ao autoconhecimento e à aceitação de si mesmo (o que inclui o corpomente como ele é), além da capacidade de viver o momento presente.
A importância da preparação gradual
O objetivo principal do Yoga não é desenvolver força, resistência ou flexibilidade como um fim em si mesmos, mas sim cultivar uma atitude equânime e umconsciência integral do corpo, pensamentos e emoções, sempre respeitando os limites e as necessidades individuais.
Essas são as bases purificatórias iniciais, chamadas antaḥkaraṇaśuddhi, sobre as quais surge a apreciação de si mesmo(a) como alguém livre de limitações.
Assim, encarar o Yoga como uma ferramenta para alta performance pode levar ao desenvolvimento de uma relação superficial com a prática. Em vez de um espaço para relaxamento e reconexão, ele pode se transformar em mais uma fonte de estresse e competição — seja consigo mesmo, seja com outras pessoas.
Muitas posturas e respiratórios exigem uma técnica específica e um preparo gradual que respeita a individualidade do praticante e pode levar de semanas a meses para preparar o corpo para executar com segurança algumas posturas.
Tempo, paciência e disciplina
O exemplo mais claro disto é śīrṣāsana, a postura de inversão sobre a cabeça, na qual existem riscos reais para a região cervical quando ele é feito da maneira errada: desgaste dos discos intervertebrais e lesões nos músculos, tendões e ligamentos desta região que podem deixar lesões irreversíveis.
Para fazer essa postura de maneira segura, é preciso compreender como construí-la da maneira segura, sem colocar peso sobre os discos. Isso significa que o praticante deve ser forte o suficiente como para sustentar o peso do corpo sobre os braços e ombros, evitando colocar pressão na região cervical.
Isso leva tempo, paciência e disciplina, pois pede que a pessoa trabalhe no sentido de fortalecer ombros e braços, ganhe autoconfiança e aumente o grau de propriocepção (capacidade de saber onde e como o corpo está e se equilibra no espaço).
Os riscos da alta performance
Forçar o progresso nesse sentido pode afetar articulações, músculos e a coluna, principalmente quando a prática não é acompanhada por um instrutor experiente que possa corrigir as posturas e sugerir ajustes adequados.
Podemos dizer o mesmo em relação à prática de prāṇāyāma: às vezes a pessoa está tão focada em aumentar os tempos de retenção da respiração que acaba por colocar em risco o funcionamento do sistema circulatório. Quando você segura a respiração por tempo demais, perde a regulação do ritmo cardíaco, pode aumentar indesejavelmente a tensão arterial e até mesmo desmaiar.
Outro perigo desse olhar performático é o esvaziamento do verdadeiro ensinamento do Yoga: Yoga não é apenas um conjunto de movimentos físicos, mas sim um sistema complexo que visa a integração entre corpo, mente e emoções, buscando que o praticante se estabeleça de maneira equânime numa visão de si mesmo como alguém livre de limitações através do conhecimento libertador.
Quando o Yoga é encarado com uma mentalidade de alta performance, o praticante tende a focar no ego e na comparação com outros, que é justamente o oposto do que as práticas buscam promover.
Esse apego à performance pode resultar em ansiedade e até mesmo em desmotivação, quando o praticante percebe que seu corpo não responde no tempo desejado ou não consegue preencher as próprias expectativas.
Além disso, a ideia de que o Yoga serve para alta performance pode afastar pessoas que se beneficiariam de uma prática mais leve, acessível e inclusiva, voltada para o equilíbrio, a saúde mental e o bem-estar.
Pessoas que acreditam que o Yoga é “intenso” podem não se sentir confortáveis para sequer tentar iniciar a prática, perdendo assim a oportunidade de desenvolver habilidades de autocontrole emocional, resiliência e conexão consigo mesmas.
Conclusões
Por fim, é importante lembrar que o Yoga, na sua forma mais genuína, convida cada pessoa a viver o presente respeitando seus limites e cultivar o contentamento e a paz interior. Encarar o Yoga como um meio para o alto desempenho visando resultados físicos transforma uma prática de autoconhecimento em uma corrida por metas externas.
A verdadeira sabedoria do Yoga está em entender que a transformação que ele proporciona ocorre de dentro para fora, e que cada pessoa deve trilhar seu próprio caminho de forma amorosa e compassiva, sem pressa, sem pressão e sem cobranças para obter resultados imediatos ou radicais.
Além disso, cabe lembrar que somos mais felizes e livres quando compreendemos que não precisamos competir contra nós mesmos, nem tentar ser o melhor o tempo todo em todos os aspectos da nossa vida.
Para neutralizar essa crença, basta lembrar donde vem essa ideia da competição para ser o melhor: da lógica da produtividade, da distorção do conceito de sucesso e da pressão pela rivalidade desenfreada.
E lembrar igualmente que essa imposição produz o imenso desgaste de estar buscando algo inalcançável, o que está também conectado com o esgotamento coletivo que sentimos como sociedade. Sucesso é ser feliz, viver livre e desfrutar com contentamento da saúde e do breve tempo que temos aqui na terra.
Os performáticos sofrem pelo desejo de ser felizes como o resultado de um esforço, que se torna uma meta inalcançável quando não compreendemos que já somos a felicidade que buscamos. Já quem é feliz, é feliz através do autoconhecimento e a manifestação do desejo de que todos sejam felizes.
Nosso mestre, Swāmi Dayānanda, dizia “você não é um ninja tentando sobreviver”. Noutras palavras, que a vida, vista desde o autoconhecimento libertador, não precisa ser uma batalha constante, uma guerra permanente pela busca de um ideal de perfeição inatingível ou pela superação das próprias expectativas.
Boas práticas.
Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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