Āsana, Pratique

“Contribuições” do Yoga americano?

É mais do que notório que o Yoga nasceu na Índia há milênios atrás e só muito tempo depois, há um pouco mais de um século, ele foi apresentado nesta parte do mundo como um caminho para a libertação

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É mais que notório que o Yoga nasceu na Índia há milênios atrás e só muito tempo depois, há um pouco mais de um século, ele foi apresentado nesta parte do mundo como um caminho para a libertação, moksha. Muito mais recentemente, ele passou a ser apresentado como uma série de exercícios que alongavam e relaxavam o corpo físico promovendo bem estar àqueles que os praticavam.

 

Excursionavam esses sábios no início do século XX pelo mundo e em particular pelos Estados Unidos, participando de conferências, encontros de estudos e pesquisa sobre o Yoga e sua filosofia, convidando os curiosos e mais interessados em praticá-la e adotá-la como meio de vida. Dentre eles, destacam-se Swami Vivekananda e Swami Rama Tirtha.

 

Mais tarde, entre as década de 1960 e 1970, o Yoga passou a ser vinculado à contracultura hippie. Estes hippies eram praticantes sui generis, pois alguns deles misturavam as práticas com drogas para ‘expandir a consciência’. Paralelamente, na Índia, a cidade de Rishikesh, trazida à tona pela longa visita que os Beatles fizeram ao Ashram do Maharishi Mahesh Yogi, tornava-se um ponto mundialmente importante para a absorção desse ensinamento.

 

Passada a moda e esquecidos os hippies, o Yoga ressurgiu com total força no inicio da década de 1990, como uma forma de atividade física que trazia qualidade de vida a quem praticava. Essa é a imagem do Yoga que temos hoje, veiculada até por alguns canais de TV a cabo.

 

Com todo esse novo interesse pelo Yoga, alguns entusiastas professores ocidentais viajaram para a Índia para aprender mais sobre a prática e a filosofia com alguns professores. Cheios de novos conhecimentos, esses amigos do Yoga retornaram a seus países de origem trazendo na bagagem novas experiências para começarem a ensinar o Yoga que aprenderam na Índia com o fim de despertarem novos yogis.

 

O tempo passou, algumas celebridades se juntaram à prática e o Yoga difundiu-se mais ainda pelo planeta. Porém, com essa disseminação, veio o marketing direcionado, permitindo o surgimento de um verdadeiro mercado de mats, props, roupas e outros produtos de Yoga. esses produtos funcionam como recursos para trazer maior conforto e estilo aos praticantes, mesmo que não sejam relevantes à prática. Eles também reforçam a idéia do Yoga como cultura e estilo de vida.

 

Com a inevitável evolução do Yoga na terra do Tio Sam, apareceram novas ‘modalidades e/ou estilos’ centrados mais no quesito ásanas, tais como Power Yoga, Anusara Yoga, Core Yoga, Yin Yoga, Hot Yoga, Acro Yoga e, por incrível que possa parecer, o Butt Yoga (em inglês, literalmente, ‘Bunda Yoga’) e o Naked Yoga (‘Yoga Nu’), dentre outros. Cada uma dessas ‘modalidades’ traz uma nova adaptação ao Yoga originário da Índia, adaptações essas que para alguns foram bastante válidas e para outros nem tanto. Porém, a totalidade delas é, basicamente o mesmo cachorro com outra coleira: formas um pouco diferentes de se praticar os mesmos velhos ásanas.

 

Retirando as caricaturas sobre as quais paira a suspeita de não serem mesmo Yoga, como o Butt Yoga (aquele que parece dar certa ênfase aos glúteos do praticante) e o Naked Yoga (praticado sem roupas, na alta madrugada de algumas metrópoles estadunidenses), as outras ‘modalidades’ citadas, queira ou não queira você aceitar, acrescentaram algo mais à pratica nos dias de hoje, promovendo uma certa modernização das práticas físicas do Yoga. Contudo, a contribuição da imensa maioria desses novos professores limita-se a alguns ajustes na forma de praticar posturas: fluidez, ritmo, adaptações, seqüenciamento de posições, e nada muito além disso. A quase totalidade dos Yogas acima listados passa longe de uma boa prática de meditação, pranayama ou mantra, bem como ignoram a importância do autoconhecimento.

 

Em verdade, essas ‘contribuições’ são apenas cosméticas e superficiais, e nada acrescentam à tradição maior que sempre existiu, existe agora e se renova por si mesma, geração após geração, paralelamente, longe e por fora do mainstream da moda, da novela, das abordagens do Yoga como meio para manter a boa forma e a estética e da comercialização irresponsável.

 

O lado paradoxal dessas contribuições é que, por mais que a prática de ásana tenha ficado mais acessível, esses novos estilos só reforçam a idéia de que o Yoga seja apenas esse tipo de prática física ou, no melhor dos casos, energética. Isso empobrece notoriamente a já reduzida e distorcida imagem que o ocidente tem desta nobre escola de vida.

 

Assim, mesmo que essas propostas americanas tenham sido adotadas sob a forma de novas modalidades, franquias e marcas registradas por praticantes ocidentais, a semente do puro Yoga continua a mesma: única, imutável e eterna no que concerne a princípios, sabedoria e tradição, pois que, essas adaptações americanas, por si só, nada mais são do que simples complementos ao que já existe e encontra-se moldado e cristalizado há milênios.

 

Harih Om!

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Humberto é professor de Yoga em Campinas.
Mantém o excelente blog Yoga em Voga.

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5 respostas para ““Contribuições” do Yoga americano?”

  1. Ola a todos!
    Moro nos Estados Unidos e pratico Ashtanga Vinyasa Yoga todos os dias há 6 meses. Sou apenas uma iniciante, que aprende um pouco a cada dia, e assim como eu, há muitas pessoas que sempre desejaram praticar Yôga, porem não têm tempo, ou experimentaram 1 aula na academia e não gostaram da experiencia. Yôga não é apenas movimentos, e acho que não é apenas respiração e àsanas.
    A experiência de poder praticar Yoga todos os dias (e gratuitamente) modela meu corpo e aos poucos minha alma e princípios. Os meus primeiros passos aprendidos foram os movimentos e agora estou aprendendo os diferentes àsanas (respirações), sutras, e estilo de vida.
    O que quero dizer com tudo isso é que aqueles que nunca praticaram, inspirem-se, pois o Yoga vai mudar a sua vida de uma maneira positiva, e se gostar da prática, leia muito, informe-se, entenda os diferente estilos. E para aqueles que praticam, não se limitem a falar os nomes diferentes e difíceis para aqueles que não estão acostumados e pensar que eles vão se apaixonar pela prática. Convide para uma aula, fale sobre o bem estar e como a cada dia você se conhece mais e dedica um tempo do seu dia só pra você!
    Yôga é vida, renovação e auto-conhecimento.
    Agradeço àqueles que leram e desejo muita sorte!
    Namastê!

  2. Não sou uma yogini. Ainda estou bem longe disso. E, embora, eu dê ênfase atualmente à prática de ásanas, tento o máximo que posso estar em consonância com o verdadeiro yoga, buscando sempre o divino e o autoaperfeiçoamento. Digo isso porque, quando eu digo para alguém que pratico yoga as reações não mudam muito. Todos sempre acham que é o meu tipo especial de ginástica porque eu quero ser “diferente”. Inclusive já até me perguntaram “qual a graça de fazer yoga?”, no que eu respondi simplesmente que o yoga é um sistema filosófico/religioso e não essa ginástica que se vê por aí. É muito complicado você difundir o yoga para os outros quando suas mentes estão repletas de preconceitos e não se abrem para coisas novas. Hoje mesmo eu estava na parada de ônibus e um rapaz protestante começou a falar sobre a Bíblia, fazendo proselitismo. Notei que ninguém ou quase ninguém prestava atenção a ele. E isso me fez pensar: assim é com o yoga. Não adianta você falar para quem não quer ouvir ou não se esforça em compreender. De modo que decidi que quando alguém me perguntasse sobre o yoga eu só diria o essencial e só continuaria a falar mais se fosse solicitada para tanto. No caso do rapaz que me perguntou qual é a graça do yoga, depois que eu respondi ele não quis mais saber. Não sei se estou sendo dura. Mas muitos mestres nos falam que não adianta você dar pérolas aos porcos. Desculpe se pareço uma pessoa má falando assim, mas é o modo como eu penso as coisas agora.

  3. É sempre bom contextualizar o yoga, sua prática e seus praticantes, pois apesar do conhecimento do yoga ser perene e único, o mundo, e tudo que é referente ao humano, é sempre marcado pela diversidade. O yoga é para todos sem excessão e para isso oferece diferentes métodos, técnicas e abordagens que ganham vida e poder transformador nas mãos sábias de diferentes mestres, cada qual com sua personalidade e jeito peculiar. O yoga como uma grande mãe acolhe a todos, fornece alimento a qualquer ser que lhe pedir refúgio. Mas o yoga também é como um grande pai e faz suas exigências. Ninguém trilha seus caminhos com sucesso sem uma boa dose de esforço, dedicação, renúncia, paciência, coragem… A empreitada é grande, pois o que se busca é valioso. E nesse ponto acho importante olhar para onde o yoga está inserido e como está sendo absorvido. Vivemos no mundo onde tudo é imediato, instantâneo, onde tudo é descartável, onde pode-se comprar de tudo, onde se vive diversas realidades virtuais, onde não há tempo para reflexão diante do turbilhão de estímulos que jorram de todos os lugares, onde tudo precisa ser pragmático, ( talvez uma descrição um pouco exagerada, mas um fato). Diante de tudo isso, talvez já seja um grande passo conseguir relaxar, respirar um pouco melhor e fazer alguns ásanas 2 ou 3 vezes por semana. Isto pode estar longe de ser um caminho de libertação, mas é um passo. Talvez até lance sementes para um futuro envolvimento com ahimsá, satya, tapas, svádhyáya, vairágya e outos príncípios éticos que sustentam as tão faladas técnicas em evidência. É preciso discriminar as adaptações das distorções, o yoga não deve ser distorcido mas precisa ser adaptado a esse mundo com pouco sattva. Que saibamos fazer isso, com, sem ou apesar das “contribuições” americanas. Realizações para todos.

  4. Parabéns Humberto! Suas palavras expressam bem a imagem equivocada que alguns podem fazer sobre a tradição que o Yoga é. Cada vez que começo uma aula me pergunto se de fato, as pessoas que ali estão compreendem que a prática vai muito além da repetição de posturas e outras técnicas, mas o que importa é a intenção para não confundirmos os “meios com fim”, não é verdade? Namastê!

  5. Excelente. Tão vasto conhecimento em diversas maneiras de se expressar. A tecnica do Yoga é puro deleite. Melhor ainda se for degustado por aqueles que têm consciência de que essa ferramenta é algo que se deve ser praticado para atingirmos o melhor à fim de que a possamos transmitir o melhor.

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