Pratique, Yoga na Vida

Da saudade

Saudade: Lembrança triste e suave de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las; pesar, pela ausência de alguém que nos é querido; nostalgia...(Holanda, Aurélio B. Pequeno dicionário da língua portuguesa)

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Saudade: Lembrança triste e suave de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las; pesar, pela ausência de alguém que nos é querido; nostalgia…(Holanda, Aurélio B. Pequeno dicionário da língua portuguesa)

Qual é a medida da saudade de um yogi?

O que fazer quando você vê a pessoa que ama sair de viagem, mesmo que seja por pouco tempo, mesmo com data de volta marcada, e fica pateticamente andando pela casa sem saber o que fazer?

Guarda para sempre aquele ultimo olhar, quase sem querer, da janela do carro e as lágrimas que conseguiram ficar contidas até que ninguém pudesse ver.

Ao ficar só, desaba num choro infantil de criança que perdeu a mãe no meio da multidão e vai dormir de cansaço de tanto chorar e acorda no meio da madrugada pra chorar mais um pouco, perdendo o sono de vez porque a cama ficou grande demais…

E tudo o que construiu no caminho do auto conhecimento, parece desmoronar pela falta do outro.

Na busca do Ser aprendemos que a vida é jogo, os lugares são cenários e as pessoas, personagens de uma cena que é transitória e, portanto, não devemos nos apegar a ela…

Mas como fazer quando a falta é física e dói como ferida aberta debaixo da água?

Não é que as coisas percam o sentido, mas aquele ser que é tão livre, pleno e eterno quanto eu, desperta o que há de melhor em mim.

Desperta minha generosidade, disposição, coragem. Criatividade.

E a sua falta, leva-me a sentimentos de auto piedade e medo.

Nas Upanishads, aprendemos que ‘ Não é pelo amor ao esposo, que o esposo é amado. Ele é amado por amor ao Ser, que em sua verdadeira natureza, é uno com o ser amado.’

Assim, não é o outro que amamos… amamos o Ser que enxergamos no outro e que nos remete ao Ser que somos.

Parece projeção, mas se somos todos um, se o ser que vejo em você é igual a mim, então o que amamos é o amor.

O amor que deveria ser universal e incondicional como é o amor dos mahatmas.

O amor que deveria ser regra, moda, fetiche, profissão…

O Ser que amamos parte e sentimos a dor da primeira separação. O corte do cordão. Choramos como no dia em que nascemos. Perdidos, sem saber por onde começar, pra onde ir, o que fazer. Nada alivia o aperto no coração.

Nem mesmo o consolo seguro dos livros. Nem os mantras que sempre acalmam os momentos aflitivos, nem pranayamas, asanas nada…

Apenas o vazio. Um buraco chamado saudade.

    ‘O tempo não para! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo.’ (Mario Quintana)

Tentar aliviar a falta com barulho, conversas, e distrações seria macular um momento tão verdadeiro. Seria sabotar uma possibildade de auto conhecimento.

Aproveito para escutar o meu silêncio que tantas vezes se cala porque não lhe dou a devida atenção. Deixo-me livre para alterar a rotina, trocar a noite pelo dia, comer frugalmente, escrever, ler até cansar mas, principamente, calar…

Pouca música, nenhuma TV aberta ou fechada, um ou outro filme, alguns livros. A tela do computador sempre a espera de uma inspiração, que não vem porque o momento é de pausa para contemplação. Não adianta forçar, é preciso entregar-se e deixar que o texto escreva-se por inércia.

A cidade corre apressada lá embaixo. No fim do dia, as buzinas insistentes refletem o cansaço e o desespero para se chegar em casa. Aqui em cima, tudo é silêncio. Estado de meditação constante. Então esta deve ser a medida da saudade de um yogi.

Saber que o Ser percorre um caminho solitário, em busca de auto realização. No entanto, este percurso é povoado de pessoas e situações, como uma cena de teatro, com as quais nos envolvemos, jogamos o que deve ser jogado, cumprimos os tratos que devemos cumprir, sem nos apegarmos a nada.

Sabemos que o ser que amamos , assim como nossa família, amigos e mestres, fazem parte deste jogo, mas a regra é que cada um saia na hora que deve sair. A única certeza é que não podemos ficar.

Assim, a saudade é parte desta lilah. Devemos reconhecê-la, e não nos identificarmos com ela, assim como fazemos com os pensamentos que perturbam a nossa meditação. Aprendemos a deixá-los passar, a não dar a eles uma importância maior do que eles realmente tem: a de pensamentos.

Quanto ao amor que nos leva a dividir a vida com alguém, devemos aprender a vê-lo como o amor incondicional que somos, que enxerga no outro a sua própria liberdade, que não vê diferença entre eu, ele e os outros.

Muitas vezes somos tentados a jogar em quem está mais próximo as nossas frustrações e traumas, abusando do conforto que a intimidade nos dá. Devemos tratar quem está do lado com mais cuidado ainda, porque são estas pessoas que mais nos ensinam.

Então, concluo que a medida da saudade de um yogi, assim como a de todas as suas ações, deve ser o amor! Enquanto tivermos um ego que age mais rápido do que o Ser que ainda não conhecemos, nossa medida deve ser a retidão que ensina Krishna a Arjuna:

‘Não abalado pela adversidade,
Não procurando a felicidade ardentemente,
Livre do medo, livre da raiva,
Livre das coisas do desejo:
Eu o chamo um vidente, um iluminado.
Os vínculos de sua carne estão quebrados.
Ele é feliz e não se rejubila.
Ele é infeliz e não chora.
Eu o chamo iluminado.
Obedecer ao Atman
É sua alegria tranqüila:
A tristeza se dissolve
Nesta paz transparente.
Sua mente se aquieta
Logo se estabelece na paz.’

Namaste!

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5 respostas para “Da saudade”

  1. Esse texto mexeu muito comigo, esse relato é uma expressao clara de como me sinto..

    Obrigado

  2. Tereza, muito profundo o seu artigo.
    Passo por um momento parecido, só que a saudade é de uma pessoa que decidiu partir, encerrar sua história junto a minha.
    O tempo passa e nem àsanas, meditação, pranayamas conseguem fechar essa ferida.
    A única coisa que peço ultimamente é a paz, a verdadeira e duradoura paz.
    Mais uma vez, obrigado por nos brindar com essa pérola.

  3. Ter tempo e espaço para olhar para dentro de si e escutar seu interior…. é tempo de aprendizagem e busca de sua existência plena. Aproveite esse tempo, ele é só seu.
    OM!

  4. Ao término da leitura senti em mim a alteração do sentimento de saudade como nostalgia para a sensação de simples aceitação do que é belo e bom. Namastê!

  5. Mas em relação aos sentimentos que decorrem das peculiaridades da pessoa (físicas, como o cheiro peculiar e mentais como o comportamento característico), do seu pequeno eu ou ego, q, afinal de contas, saum as q vemos e passamos a apreciar na individualidade de cada um? Como aceitar q nunca mais as veremos, q ficaram só nas nossas queridas lembranças…? Irmão X.

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