Aconteceu, numa certa época que um monstro gigantesco engoliu toda a água da terra, de modo que houve uma terrível seca e o mundo se viu em péssimas condições. Indra levou algum tempo até se dar conta de que possuía uma caixa repleta de raios e tudo o que tinha de fazer era lançar um deles sobre o monstro, fazendo-o explodir. Quando ele fez isso, as águas jorraram e o mundo se refrescou. E Indra disse: “Que sujeito formidável eu sou!”
Assim, pensando no sujeito formidável que era, Indra se dirige à montanha cósmica, que é a montanha do centro do mundo, e decide construir um palácio à altura do seu valor. O melhor carpinteiro dos deuses põe-se a trabalhar e rapidamente o palácio está erguido e em excelentes condições. Mas cada vez que vai inspecioná-lo, Indra tem idéias mais ambiciosas a respeito de quão esplêndido e grandioso o palácio deveria ser. Por fim o carpinteiro exclama: “Meu Deus, ambos somos imortais, e não há limites para os desejos dele. Estou preso por toda a eternidade!”. Então decide dirigir-se a Brahma, o deus criador, para reclamar.
Brahma está sentado num lótus, o símbolo da divina energia e da divina graça. O lótus cresce no umbigo de Vishnu, o deus adormecido, cujo sonho é o universo. Assim, o carpinteiro se aproxima da borda da grande lagoa de lótus do universo e conta sua história a Brahma. Brahma diz: “Pode ir para casa, eu darei um jeito nisso”. Brahma deixa seu lótus e se ajoelha para se dirigir ao adormecido Vishnu. Vishnu apenas esboça um gesto e diz qualquer coisa como: “Ouça, fuja, alguma coisa vai acontecer”.
Na manhã seguinte, no portal do palácio que estava sendo construído, aparece um belo garoto negro-azulado, com um bando de crianças ao seu redor, admirando o esplendor da construção. O porteiro, que estava na entrada do novo palácio, corre até o Indra e este diz: “Bem, mande entrar o garoto”. O garoto é levado até o Indra, e o deus-rei, sentado em seu trono, diz: “Seja bem-vindo, jovem. O que o traz ao meu palácio?”
“Bem”, diz o garoto com uma voz que soa como um trovão rolando no horizonte, “ouvi dizer que você está construindo um palácio como nenhum Indra antes de você jamais construiu”.
E Indra diz: “Indras antes de mim… de que você está falando?”
O garoto diz: “Indras antes de você. Eu os tenho visto vir e desaparecer. Pense nisto, Vishnu dorme no oceano cósmico, e o lótus do universo cresce em seu umbigo. No lótus se assenta Brahma, o criador. Brahma abre os olhos e um mundo se cria, governado por um Indra. Brahma fecha os olhos e um mundo desaparece. A vida de um Brahma conta quatrocentos e trinta e dois mil anos. Quando ele morre, o lótus se desfaz e outro lótus se forma, e outro Brahma. Agora pense nas galáxias para além das galáxias, no espaço infinito, cada qual com um lótus, com um Brahma sentado nele abrindo e fechando os olhos. E Indras? Deve haver homens avisados em sua corte que se prestariam a contar as gotas de água dos oceanos ou os grãos de areia nas praias, mas nenhum contaria aqueles Brahmas, muito menos aqueles Indras”.
Enquanto o garoto fala, um exército de formigas desfila pelo chão. O garoto ri, ao vê-las; os cabelos de Indra ficam arrepiads, e ele pergunta ao garoto: “Por que você ri?”
O garoto responde: “Não pergunte, a menos que você queira ficar magoado”.
Indra diz: “Eu pergunto, ensina-me”. (Esta é, aliás, uma bela idéia oriental: não ensine, até ser instado a isso. Você não pode impor seu conhecimento goela abaixo das pessoas.)
Então o garoto aponta para as formigas e diz: “Todas antigos Indras. Através de muitas vidas, eles se elevam das mais baixas condições à mais alta iluminação. Aí eles lançam um raio sobre um monstro e pensam: ‘Que sujeito formidável eu sou!’ E voltam a despencar.”
Enquanto o garoto fala, um velho yogi extravagante adentra o palácio, com uma folha de bananeira servindo como pára-sol. Ele veste apenas uma tanga, e tem no peito um chumaço de cabelos formando um disco, no centro do qual metade dos pelos foram arrancados.
O garoto o saúda e pergunta-lhe exatamente o que o Indra ia perguntar: “Bom velho, qual é o seu nome? De onde você vem? Onde está sua família? Onde está sua casa? E qual o significado dessa curiosa constelação de cabelos em seu peito?”
“Bem”, disse o velho, “meu nome é Cabeludo. Eu não tenho casa, a vida é muito curta para isso. Só tenho este pára-sol. Não tenho família. Apenas medito nos pés de Vishnu e penso na eternidade, e em quão fugaz é o tempo. Você sabe, toda vez que morre um Indra um mundo desaparece – coisas assim somem como uma faísca. Cada vez que morre um Indra cai um fio de cabelo desse círculo em meu peito. Até agora, metade dos cabelos já se foram. Muito breve, todos terão ido. A vida é curta. Por que construir uma casa?”
Então os dois desapareceram. O garoto era Vishnu, o Senhor Protetor, e o velho yogi era Shiva, o criador e destruidor do mundo, que tinha vindo exatamente para a instrução de Indra, que é simplesmente um deus da história que pensa que é o espetáculo todo.
Indra continua sentado no trono, completamente desiludido, completamente abatido. Aí chama o carpinteiro e diz: “Estou suspendendo a construção do palácio. Você está dispensado”. Assim o carpinteiro conseguiu seu intento. É dispensado do trabalho e não há mais nenhuma casa a construir.
Indra decide se tornar um yogi, para apenas meditar aos pés do lótus de Vishnu. Mas ele tem uma bela rainha chamada Indrani. E quando Indrani ouve falar no plano de Indra, dirige-se ao sacerdote dos deuses e diz: “Agora ele pôs na cabeça essa idéia de largar tudo para se tornar um yogi“.
“Bem”, diz o sacerdote, “Venha comigo minha senhora e eu darei um jeito nisso”.
Então eles se sentam diante do trono do rei e o sacerdote diz: “Pois bem, eu escrevi um livro para você muitos anos atrás sobre a arte da política. Você ocupa a posição de rei dos deuses. Você é a manifestação do mistério de Brahma na esfera do tempo. Isso é um alto privilégio. Saiba apreciá-lo, honrá-lo e lide com a vida sendo quem você realmente é. Além disso, vou agora escrever um livro sobre a arte do amor, assim você e sua esposa saberão que, no maravilhoso mistério dos dois que são um, Brahma também está radiantemente presente”.
E com estas instruções Indra desiste da idéia de largar tudo para se tornar um yogi, e descobre que, na vida, ele pode representar o eterno como símbolo, pode-se dizer de Brahma.
Assim, cada um de nós é, de certo modo, o Indra de sua própria vida. Você pode escolher, ou se livrar de tudo e se isolar na floresta para meditar, ou permancer no mundo, tanto na vida de sua tarefa, que é a régia tarefa da política e da realização, quanto na vida do amor por sua mulher e família. Bem, esse é um mito muito atraente, assim me parece…
Entrevista de Joseph Campbell a Bill Moyers, transcrita no livro “O Poder do Mito”.
certidão wagner xavier
EU AMEI ESSE MITO. AMEI DE MAIS.
Fazia tempo que não lia algo tão significativo. Vou reler o livro, creio que agora tenha um novo sognificado para mim. Obg pelo excelente trabalho.
Parabéns pelo resumo. Essa é uma bela estória cujos ensinamentos poderão ser muito úteis a todo aquele que se fizer um esforço para compreender o significado real dos símbolos utilizados.