A Katha Upanishad e “O Sétimo Selo”
O filme clássico “O Sétimo Selo” de 1956, do diretor sueco Ingmar Bergman guarda alguns paralelos com esta narração. Nesse filme, Antonius Block, um nobre que volta das Cruzadas na Terra Santa para seu castelo na Escandinávia, em meio a uma séria crise existencial, vê-se na contingência de jogar xadrez com a Morte para salvar a própria vida. Ele busca algum sinal de confirmação de sua fé, da presença divina na vida dos homens e do sentido profundo da existência, enquanto atravessa uma Europa assolada pela peste, a fome e a miséria. Durante a viagem, encontra artistas, fanáticos religiosos, patifes de toda espécie e, em toda parte, a Morte, empenhada em ganhar-lhe o jogo de qualquer jeito. Nachiketas, o jovem protagonista desta escritura hindu, vê-se numa situação similar, ao defrontar-se com Yama, o deus da Morte. Não obstante, há diferenças importantes entre as duas personagens, posto que, enquanto que o nobre perdeu totalmente a confiança em Deus e em si próprio, Nachiketas mergulha com plena confiança e destemidamente, ao encontro da Morte. Há diferenças importantes também em quanto à postura frente à vida: o nobre é totalmente pessimista e não vê motivos para alegria em nada, enquanto que o jovem yogin encarna a avidez, a curiosidade, a resolução firme de realizar-se espiritualmente e a sede de conhecimento que definem o praticante ideal. Por outro lado, seu sacrifício é voluntário: ele não hesita em oferecer a própria vida para auxiliar seu pai a cumprir a própria obrigação dhármica. No fim do filme de Bergman, Antonius e todas as pessoas com as quais ele cruza em sua jornada, acabam dançando a dança da Morte. ‘Dançam rumo a escuridão e a chuva cai em seus rostos’, diz um trovador que testemunha a cena. No fim da Katha Upanishad, o jovem yogin, havendo superado as provações e tentações que a Morte lhe coloca, volta para o mundo dos vivos transformado pela experiência e conhecendo o secreto da vida além da morte. As Upanishads constituem uma das fontes mais profusas de sabedoria reveladas à Humanidade. É normal que, ao ouvirmos isto, saiamos correndo procurar alguma tradução destes śāstras (escrituras sagradas) para mergulhar na leitura. É igualmente comum que fiquemos frustrados por não entender a linguagem, e que concluamos que as Upanishads são “pura filosofia”, acabando por irmos procurar esse conhecimento em algum outro lugar. Isto acontece porque muitos dos textos hindus estão escritos em uma linguagem mítica e simbólica, cujas chaves de decifração se encontram numa cultura antiqüíssima e radicalmente diferente da nossa. Portanto, sentir-se frustrado ao não entender uma leitura dessas é um fato normal embora infeliz, pois as Upanishads nos oferecem dicas precisas e muito práticas para realizar o propósito supremo da existência. Elas respondem às duas principais perguntas que um homem pode fazer-se: 1) Qual é o propósito supremo da vida? 2) Como posso realiza-lo? A Katha Upanishad responde essas duas perguntas colocando o questionador frente a frente com as realidades da vida, opondo o real ao irreal e mostrando claramente o caminho a ser percorrido. Narra o encontro entre Nachiketas e o Senhor da Morte, Yama.॥ हरिः ॐ ॥
Leia a tradução da Kaṭha Upaniṣad aqui.
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Pedro nasceu no Uruguai, 56 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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