Mudrā, Pratique

Mahāmudrā – As Mudrās nas Escrituras Clássicas do Haṭhayoga

Para fazer mahāmudrā, deve-se pressionar o calcanhar esquerdo no períneo e, mantendo esticada a perna direita, segurar os dedos do pé direito com as mãos.

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O que é mahāmudrā?

Diz a Haṭhayoga Pradīpikā (III, 10-15):

“Para fazer mahāmudrā, deve-se pressionar o calcanhar esquerdo no períneo e, mantendo esticada a perna direita, segurar os dedos do pé direito com as mãos.

“Depois contrai-se a garganta (em jalāṇḍhārabandha) e conduz-se o prana para cima (por suṣumṇā). Desta forma, kuṇḍalinī move-se para cima como uma serpente cutucada por uma vara.

“Então, as outras nāḍīs ficam (geladas) sem vida (porque o prana já não as percorre. Exala-se depois muito lentamente, nunca depressa; os sábios denominam esta prática mahāmudrā, o grande selo.

“Com esta prática destroem-se os kleśas (aflições) e vence-se a morte; é por isso que os homens mais sábios a chamam mahāmudrā.

“Depois de praticar com o (calcanhar) esquerdo (no períneo) deve-se repetir com o direito, finalizando a prática quando se houver executado igual número de vezes para cada lado”.

O texto é já por si bastante explícito, mas analisemos alguns pormenores.Svātmarāma Yogendra, o autor, refere aqui à contracção da garganta (kaṇṭhebandham), o que claramente significa jalāṇḍhārabandha.

Em seguida menciona a condução do prāṇa “para cima”, o que sugere o mūlabandha associado a uma visualização característica.

prāṇa  genérico (ou vāyu) sub-divide-se em cinco prāṇas ou vāyus principais: prāṇa, apāna, udāna, samāna e vyāna.

mahāmudrā

prāṇa fica situado no alto do tórax, na região do coração, e o seu percurso começa no umbigo e vai até à garganta.

Este vāyu, associado à respiração, é activado pela inspiração e é responsável pela captação da energia do meio ambiente, para vitalizar o corpo. A sua polaridade é positiva.

Já o apāna está situado abaixo do tórax, na região coccígea. É o vayu responsável pelos processos de excreção e expulsão no corpo e é activado pela expiração. O apana é de polaridade negativa.

Esta conjugação do jalāṇḍhārabandha com o mūlabandha associada ao prāṇāyāma procura sobretudo unir estes dois vāyus (prāṇa apāna), através da inversão das suas direcções naturais, no maṇipūracakra.

Quando prāṇa apāna se unem é estimulado o despertar da kuṇḍalinī e isso ‘proporciona resultados de particular importância para a experiência definitiva do Yoga[1].

Segundo a Haṭhayoga Pradīpikā,
Com a prática constante de mūlabandha alcança-se a união de prāṇa e apāna, reduzem-se consideravelmente as secreções (de urina e excrementos) e até os mais velhos rejuvenescem. III-65.

Quando apāna e o fogo se unem ao prana, quente por natureza, um clarão intensamente abrasador brota no corpo. Kuṇḍalinī, adormecida, aquecida por esse abrasamento, desperta.

Tal como uma serpente tocada por uma vara, ela se levanta sibilando; e, como se entrasse em sua toca, entra na brahmānāḍī (suṣumṇā, o canal central). III-67 – 69.

Desta forma se poderá explicar porque o prāṇa abandona as nāḍīs laterais, ida (respiração lunar associada à narina esquerda) e piṅgalā (respiração solar associada à narina direita), e penetra sushumṇā causando a cessação da respiração pelas duas narinas.

Outras técnicas podem ainda ser associadas à mahāmudrā. Theos Bernard[2], testemunhando a sua aprendizagem e experiência na Índia, complementava a retenção (kūṁbhaka) com o uḍḍīyanabandha e a fixação do olhar no intercílio.

Faz-se ainda referência à destruição dos kleśas. Os kleśas são as misérias existenciais, as causas do sofrimento humano, e foram enumerados e definidos por Patañjali nos sūtras II-3 e seguintes.

Eles são: avidyā, ignorância, asmitā, egoísmo, rāga, paixão, apego, dveśa, aversão e abhiniveśa, o medo da morte. Sendo que todos eles surgem de avidyā, a ignorância existencial.

O sūtra II:3, diz assim: avidyāsmitārāgadveṣābhiniveśāḥ kleśāḥ ||

“Os [cinco] sofrimentos (kleśas) são: ignorância (avidyā), falso conceito do eu (asmitā), gosto (rāga), aversão (dveṣa) e medo da morte (abhiniveśa).

E, por fim, surge a indicação para se fazer para ambos os lados, e não apenas para um. Indicação esta que falha no texto seguinte, mas que preferencialmente será seguida.

Vejamos agora a Gheraṇḍa Saṁhitā, que acrescenta mais uma indicação:

‘Pressionando cuidadosamente o períneo com o calcanhar esquerdo, estique a perna direita e segure o dedo grande do pé com a mão.

Contraia a garganta (sem soltar a respiração), e fixe o olhar entre as sobrancelhas. Isto é chamado de mahāmudrā pelos sábios.’ (III, 6-7).

A fixação do olhar entre as sobrancelhas corresponde ao bhrūmādhya dṛṣṭi, também conhecido como śambhavīmudrā, e pode ser feito tanto com as pálpebras abertas como fechadas.

No entanto, o antarāṅgadṛṣṭi (com as pálpebras fechadas) só deve ser executado depois de dominado o primeiro, com as pálpebras abertas.

O bhrūmādhyadṛṣṭi, ou śambhavīmudrā, permite aumentar a concentração na técnica do mahamudra e ajuda a estabilizar a psiquê.

E, por conseguinte, a manter estáveis e firmes o āsanaprāṇāyāma e visualização de suporte.

De uma forma genérica o dṛṣṭi ajuda a manter a concentração, uma vez que ‘fecha’ uma das portas de dispersão para o exterior.

Ao mantermos o olhar fixo não nos deixamos permear pela visão, um dos jñānendrīyas (órgãos do conhecimento) que nos apresenta o mundo exterior e que incessantemente alimenta manas, o pensamento.

Com menos uma fonte de distracção, mais fácil é a percepção e vivência do momento no mudra.

Śiva Saṁhitā fará a referência explícita a estas ‘portas’:

‘Minha querida, vou agora descrever-te o mahamudra, através de cujo conhecimento os sábios antigos como Kapila e outros obtiveram sucesso no Yoga.’ (IV, 13-15).

O sábio Kapila é o lendário criador do sistema Sāṅkhya.

“De acordo com as instruções do guru, pressiona gentilmente o períneo com o calcanhar do pé esquerdo. Estendendo o pé direito para fora, segura-o bem entre as duas mãos.

“Tendo fechado as nove entradas (do corpo), coloca o queixo no peito. Então concentra as vibrações da mente, inspira ar e retém-no pelo kūṁbhaka (pelo tempo que for confortável mantê-lo).

“Esta é a mahāmudrā mantida secreta em todos os Tantras.

“O yogin de mente serena, tendo-a praticado do lado esquerdo deve, depois, praticá-la do lado direito; e em todos os casos deve ser firme no prāṇāyāma, a regulação do seu alento.’ (IV, 13-15).

O que a Gheraṇḍa Saṁhitā sugeria com a indicação do śāmbhāvīmudrā, abstracção sensorial, a Śiva Saṁhitā afirma: fechar as nove entradas do corpo.

Estas nove entradas são os ouvidos, olhos, narinas, boca, ânus e órgão sexual.

As primeiras sete portas correspondem a quatro dos cinco jñanendriyas, os sentidos do conhecimento, a saber: audição, olfacto, visão, tacto e paladar.

E as duas últimas portas correspondem a duas das cinco faculdades da acção, karmendriyas, que são: palavra, gozo, preensão, locomoção e excreção.

Aliás a boca é uma das portas que, se fechada, anula rāsana (o jñānendriya do paladar) e vāk (o karmendriya da palavra).

Ora, valendo-nos aqui dos elementos (tattvas) das cosmogonias Sāṅkhya e Tantra, sabemos que são os indrīyas (jñānendrīyas e karmendrīyas) que apresentam ao manas o mundo exterior para que aquele retire as impressões deste.

Na relação com o mundo exterior manas (pensamento) percebe e apresenta, ahaṅkāra  (ego) arroga-se, e buddhi (o intelecto superior) descrimina e decide, vindo assim a dar origem à acção.

Estes três tattvas são conjuntamente denominados citta, o complexo mente-personalidade, com que geralmente nos identificamos. Claro que o fechar das nove portas não deve ser entendido em sentido literal.

Citta (a psiquê) é constantemente estimulada por objectos externos e o fechar das nove portas não é mais do que uma referência ao estado de pratyahara (indriya pratyāhāra), de abstracção sensorial.

Na abstracção sensorial desempenham um papel essencial os bandhas e dṛṣṭis utilizados.

Pretende-se que o praticante feche aquele circuito de alimentação constante de citta com objectos externos?

‘Quando os sentidos já não estão em contacto com os seus próprios objectos e assumem a natureza de chitta, isto é pratyahara.’ (Yogasūtra, II:54).

O objectivo é que o praticante esteja presente e observante. O texto faz ainda referência à importância do pranayama na execução do mudra.

Técnica de mahāmudrā

Eis a mahāmudrā, como me foi ensinada pelo Prof. Pedro Kupfer.

1. Sente-se pressionando o calcanhar esquerdo no períneo;

2. estenda a perna direita em frente ao corpo;

3. segure o pé direito com ambas as mãos e faça uma tracção da coluna para cima e para a frente, inspirando longamente;

4. faça khecarīmudrā e, retendo o ar, jalāṇḍhārabandha e śāmbhavīmudrā com os olhos fechados;

5. acrescente o mūlabandha ao kūṁbhaka (retenção com os pulmões cheios);

6. repita mentalmente ājña, viśuddha, mūlādhāra, durante a retenção com ar, visualizando o circuito descendente;

7. faça cinco ciclos e mude de lado, repetindo tudo com a outra perna esticada;

8. termine com cinco ciclos sobre ambas as pernas, juntas e esticadas em paścimottānāsana.

9. Esta prática faz-se depois dos āsanas, o ṣaṭkarma e o prāṇāyāma e antes da meditação.

É esta, aliás, a ordem prescrita nos śāstras.

O Dada Dhyanānanda, que me ensinou a mahāmudrā de acordo com os ensinamentos de Śrī Śrī Ānandamīrti, seu guru, aconselha a retenção na mudrā durante cerca de meio minuto e depois desfazer, sentar com a coluna recta e expirar.

॥ हरिः ॐ ॥

A citações da Haṭhayoga Pradīpikā são extraídas da tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópolis, Brasil.

As da Gheraṇḍa Saṁhitā e Śiva Saṁhitā são a tradução para o português de The Forceful Yoga, Being the Translation of Hahayoga-Pradipika, Gheranda-Samhita and Shiva-Samhita,

Essas são duas traduções para o inglês, respectivamente de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu, 1a Edição, Motilal Banarsidas Publishers, 2004, Delhi, Índia.

[1] André Van Lysebeth, Prāṇāyāma, A la Serenidad por el Yoga, Ediciones Urano, 1985, Barcelona, pag. 250.

[2]  Haṭha Yoga, The Report of a Personal Experience, 4a Impressão, Essence of Health Publishing, 2001, África do Sul, pag. 62.

॥ हरिः ॐ ॥

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Pedro Kupfer em Pratique, Yoga na Vida
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