Da terra à mesa, os alimentos que comemos passam por uma verdadeira “via crucis“, onde quem sofre são, principalmente, a Natureza, os agricultores e os consumidores.
A Natureza, pela péssima forma como o solo é manejado e pelo sem-número de venenos químicos que são utilizados nas diversas fases do processo de produção; os agricultores, pela constante falta de política agrícola num tratamento que nunca favorece o pequeno produtor, e pelo monte de agrotóxicos que são induzidos a usar, sem qualquer assistência ou esclarecimento; e os consumidores, que sofrem com os altos preços advindos do alto custo de produção em função do delírio químico à que a agricultura é submetida, e com os resíduos tóxicos que esse delírio proporciona.
Vamos trilhar aqui, passo a passo, o trajeto pelo qual os alimentos passam desde o preparo do solo para o plantio, até o prato que colocamos em nossa frente na mesa, na hora da refeição. O problema já começa na própria concepção de agricultura, que geralmente oscila entre o modelo predatório que era utilizado pelos indígenas antes de Cabral (e ainda o é, pela maioria dos pequenos produtores), onde o agricultor chega, desmata, queima, planta por alguns poucos anos, e depois que já não dá mais grande coisa, deixa a mata se recompor ou faz pasto; e o modelo da agro-indústria onde imperam as grandes monoculturas, geralmente para exportação.
Ambos os modelos são ecologicamente nefastos. O primeiro não causava dano maior ao ambiente, pois eram poucos os índios em relação ao tamanho do território. Mas, de lá para cá, milhões tem sido os agricultores que têm utilizado a fórmula “desmata-queima-planta-abandona”, promovendo intensamente a devastação e a erosão, pois os desmatamentos e as queimadas degradam o solo deixando-o exposto à ação do sol, dos ventos e da chuva.
O segundo modelo trouxe intenso desmatamento, mecanizações pesadas que pulverizam e compactam o solo (também acarretando sua erosão e conseqüente esterilização), uso maciço e abusivo dos adubos químicos e dos agrotóxicos que envenenam a terra, seus frutos e os seres vivos, e as grandes monoculturas que tornam os sistemas ecológicos estéreis, favorecendo principalmente o aparecimento de pragas e doenças e criando condições sociais injustas e miseráveis.
Diversos locais no Brasil, onde outrora existiram terras férteis, hoje são verdadeiros desertos, frutos de um modelo de manejo do solo absolutamente inadequado ao nosso clima tropical. Pois assim foi no Sul, e será também no Cerrado, se este modelo continuar dominando.
Arações profundas, solo descoberto e exposto e capinas freqüentes são técnicas apropriadas para países de clima temperado, e não para países como o nosso, com alta insolação e fortes chuvas.
Dado esse triste passo, temos agora a questão das sementes. Atualmente, o que existe é uma verdadeira guerra pelo controle genético das sementes. Mais ou menos como está acontecendo com a informação: quem tiver o controle sobre o capital genético terá um poder quase ilimitado sobre a humanidade.
O mais novo “avanço” são as sementes transgênicas, desenvolvidas por multinacionais fabricantes de produtos químicos para agricultura, e de conseqüências ecológicas imprevisíveis.
Os países de Terceiro Mundo têm sido os que mais sofrem, pois, apesar de possuírem a maior diversidade de variedades, por falta de verbas e de interesse político não dão o devido valor às pesquisas, e por isso tornam-se um “prato” para as poderosas multinacionais que influem até nos governos dos países sub-desenvolvidos para poderem obter controle sobre o banco genético dessas nações mais pobres.
A “Revolução Verde”, que deu o Prêmio Nobel ao Dr. Norman Borlaugh, em 1970, foi concebida sob o bondoso discurso de que se objetivava propiciar aos países pobres melhores condições de alimentar sua população. Na verdade, o que se conseguiu foi torná-los quase que completamente dependentes das multinacionais que vendem a sua panacéia em pacotes (sementes híbridas/adubos sintéticos/agrotóxicos) e destruir boa parte do seu capital genético.
Países tradicionalmente agrícolas, como a Índia, que possuía milhares de variedades de arroz, hoje está reduzida a algumas centenas, em função da introdução das sementes híbridas.
A China, que há 5000 anos faz sua tradicional rotação soja/arroz e possui uma invejável tecnologia de aproveitamento de matéria orgânica (fezes humanas, esgotos de cidades e lixo, pois nada é perdido) está hoje em plena “lua-de-mel” com a parafernália química que lhes foi imposta sob a capa de “agricultura moderna”.
O trágico é que as tais sementes híbridas de alta produtividade, sozinhas, não fazem verão. Então é necessário que se as superalimente com adubos químicos, que por sua vez, tornam as culturas suscetíveis ao ataque de pragas e doenças, sendo então necessário o uso do que as indústrias hipocritamente chamam de “defensivos”.
No Paquistão, o arroz milagroso da Revolução Verde acarretou numa praga nunca vista de gafanhotos, enquanto que na Indonésia o uso desvairado de agrotóxicos contaminou rios e lagos, matando os peixes e criando uma onda de fome sem precedentes.
Dado mais esse passo, não é preciso dizer que a nossa lavoura já está devidamente “calibrada” com todos os adubos químicos de praxe.
Esses adubos, entre outros males, produzem frutos enormes, porém insossos (veja a diferença de sabor entre o cenourão do mercado e a cenoura da horta caseira), mais pobres em nutrientes e mais perecíveis.
As multinacionais dos venenos souberam fazer um bom marketing subliminar, manipulando os critérios de qualidade do consumidor: bom é o que é enorme, e tudo igualzinho.
Isso sem falar em certos conceitos errôneos, mas infelizmente ainda bastante em voga, que procuram vender a idéia de que agricultura sem química não é viável em larga escala e que a agricultura ecológica produz frutos feios e caros.
Além disso – exatamente por produzirem frutos enormes, que na verdade são produtos com mais água -, o uso dos adubos químicos torna as plantas mais sensíveis ao ataque de pragas e doenças, e aí é que entram os agrotóxicos envenenando tudo: a terra, as culturas, as pragas, os insetos que se alimentam das pragas (que só são pragas porque seus predadores também são exterminados pelos venenos), os rios e lagos, os animais e o homem.
No meio desse arsenal também se inserem os herbicidas, que são usados antes e durante o ciclo das culturas para fazer a “capina química “, ajudando ainda mais a esterilizar e envenenar o solo. Sim, porque em todo o processo de plantio, desde os venenos à base de mercúrio que envolvem as sementes, passando pelos adubos sintéticos, pesticidas, fungicidas e herbicidas, todos são altamente biocidas e contaminadores. Muitos permanecem décadas no solo e têm alto poder cancerígeno. Uma variedade de soja transgênica foi desenvolvida por uma fábrica de herbicidas, e tem a característica de não ser afetada por esse herbicida.
O baixíssimo nível de informação da maioria dos agricultores faz com que estes usem produtos sem o menor critério, seja na aplicação ou na observância dos prazos de carência.
Continuando nossa jornada, se nosso agricultor ainda estiver vivo (porque milhares de pessoas morrem ou se intoxicam por ano no Brasil e no mundo), poderá colher e vender sua safra. Isso se, apesar dos venenos, as pragas e doenças não tiverem impossibilitado a produção (o prof. Chaboussou, em sua teoria da Trofobiose, mostra que, ao contrário do que se poderia pensar, veneno chama praga), se o banco não obrigar o agricultor a vender suas terras para pagar os juros escorchantes do empréstimo para compra de insumos, e se as gangs de atravessadores não comerem quase todo o seu lucro.
Se a produção tiver que passar por armazenamento, ela ainda levará mais um banho de veneno para “protegê-la” dos carunchos e gorgulhos, e o agricultor ainda sofrerá a ação de outra máfia: a dos armazenadores, que muitas vezes é o próprio governo. E estamos cansados de ver toneladas e toneladas de alimentos apodrecerem nos armazéns por causa da política dos preços, da política de abastecimento, da política agrícola, e da política de políticas…
No caso das frutas, esses insípidos produtos da agricultura convencional, são em sua maior parte pré-amadurecidos artificialmente (o que mata mais ainda o seu sabor) em câmaras de maturação que utilizam gases (geralmente acetileno). Muitas vezes, ficam meses em frigoríficos, aguardando a entresafra.
E o consumidor acaba tendo que ingerir um alimento contaminado.
Para ilustrar: em 1978, o Instituto Biológico de SP, juntamente com a CEAGESP e o CATI, fez um monitoramento de resíduos de agrotóxicos nos produtos hortícolas. Na época, o trabalho indicou que 7% das frutas e 13% das hortaliças apresentavam teor de resíduos acima do permitido. Em 1985, outro estudo mostrou que, nas frutas, o teor havia aumentado para 13%. Em 1984, o ITAL de Campinas (SP) comprovou que 41% das amostras utilizadas em uma pesquisa apresentaram teor de resíduos acima do permitido.
Atualmente, o panorama não deve ter melhorado muito, inclusive porque novos personagens foram incluídos no drama, como, por exemplo, os produtos utilizados diretamente nas verduras, frutas e legumes, para que tenham maior durabilidade no transporte e na comercialização.
Mas, infelizmente, a coisa não fica só por aí: muitos alimentos, como, por exemplo, os cereais, vão para a indústria para serem “beneficiados”. Um eufemismo tragicômico que, na verdade, deveria chamar-se “maleficiamento”, do momento em que se tiram dos grãos o que eles têm de mais nobre e mais nutritivo: a película que os recobre, rica em fibras, proteínas e vitaminas. Aí, quem acaba comendo a melhor parte dos cereais são os animais em suas rações, enquanto que o consumidor come alguma coisa pouco melhor que isopor. E esse isopor é, muitas vezes ironicamente, acrescido de vitaminas sintéticas colocadas para repor as naturais que se perderam no refino!?
No caso do açúcar, o esquema ainda é pior, pois transformam a cana (que pode virar rapadura, açúcar mascavo e melado ricos em ferro e cálcio) em um sal de sacarose altamente nocivo e desmineralizador. Obviamente, essa transformação se dá às custas da utilização de venenosos solventes químicos. Sob a afirmativa de que “açúcar é energia”, o que se obtém, na verdade, é um violento choque hiperglicêmico que vai roubar do organismo vários nutrientes (especialmente o cálcio), acarretando ainda suscetibilidade a várias doenças (principalmente o diabetes).
O sal de cozinha sofre um absurdo parecido: o bom e velho sal marinho, rico em dezenas de sais minerais e oligoelementos (principalmente o Iodo – natural -, que é perdido no refino, tendo que ser reposto sob forma sintética), é refinado, gerando um sal de cloreto de sódio, extremamente retentor de líqüido no organismo, e cujo subproduto industrial é a água sanitária.
Ainda na área da industrialização, é preciso não esquecer dos aditivos, conservantes, espessantes, flavorizantes, corantes e aromatizantes, muitos deles causadores de doenças e proibidos em países de primeiro mundo. Exatamente como acontece com os agrotóxicos e com muitos remédios de farmácia, são vetados em países desenvolvidos e são descaradamente vendidos por aqui.
Como grande parte da classe médica – assim como a dos agrônomos – segue a cartilha das multinacionais, tudo isso passa desapercebido pelo consumidor comum.
Como também passa desapercebido um seríssimo problema que provavelmente ameaça a sobrevivência da própria espécie humana: os níveis altíssimos de estrogênio (sintético) no ambiente, fruto de diversas combinações químicas (entre elas os agrotóxicos, resíduos industriais, certos produtos presentes nos plásticos, nos detergentes, e em outras tantas coisas), estão fazendo cair vertiginosamente a taxa de espermatozóides não só nos seres humanos, como em todas as espécies animais.
Para se ter uma idéia, segundo cientistas que estudaram esse fenômeno, o homem nascido nos anos 80 tem menos da metade dos espermatozóides do que o nascido nos anos 50. Abaixo de 20% será a esterilidade…
O estrogênio também fez aumentar enormemente a incidência de câncer de mama nas mulheres e de testículos nos homens (além do aumento dos casos de hermafroditismo e deformaçõs genitais).
Até agora falamos apenas dos alimentos de origem vegetal. Se o assunto for alimentos de origem animal, o panorama não é lá muito melhor.
Afora o fato de que comer carne é um hábito que facilita o aparecimento de diversas doenças, como o câncer do aparelho digestivo e os problemas cárdio-vasculares, geralmente as criações são tratadas com rações industriais “enriquecidas” com antibióticos e hormônios que vão chegar ao consumidor através da carne, do leite e dos ovos (e mais estrogênio…).
Tais aditivos podem causar câncer e danos no sistema imunológico e reprodutor de quem consome esses alimentos contaminados.
Isso sem falar que, muitas vezes, os animais são abatidos em matadouros clandestinos sem as menores condições de higiene e de humanidade (fazendo com que o consumidor engula juntamente com a carne a adrenalina e a energia de pavor que o boi liberou ao ser morto cruelmente).
O vegetarianismo, além de mais saudável e mais ético, é também economicamente mais rentável e ecologicamente mais correto. Segundo o IBGE, um boi precisa de 3 a 4 hectares de terra para produzir cerca de 200 kg de carne no período de 4 a 5 anos. Nesse mesmo espaço, pode-se colher 19 toneladas de arroz, ou 32 de soja, ou 34 de milho, 23 de trigo ou ainda 8 de feijão, sendo que pode-se plantar de 2 a 3 safras por ano de alimentos muito mais puros, saudáveis e equilibrados. Sem falar nas imensas áreas de floresta que são derrubadas para a formação dos pastos.
Visite o site do professor Ernani Fornari em www.geocities.com/yogaterapia
Visite o Sítio Vegetariano em www.vegetarianismo.com.br
Olá, Eduardo. Quanto a essa questão que você levantou, sobre o por quê da comida dita “orgânica” ser mais cara, imagino que isso se deva ao fato dela ainda ser produzida em menor escala, em função de ainda ter pouca procura…
Olá, Ernani. Conciso e bem recheado esse seu artigo sobre o perigoso circuito do comer. Compilou bem várias facetas do nosso absurdo dia-a-dia alimentar. Mas tem uma questão que não consigo resposta, embora tenha pesquisado e perguntado aos entendidos por aí. Se a carga de venenos é menor, porquê a comida dita “orgânica” é mais cara? Parece que alimento bom é só para quem pode pagar. Acho meio fascista essa maneira de comercializar. Obrigado pela atenção. Eduardo, ambientalista de coração, pediatra por necessidade, desencantado, quase largando o aríete. Namastê!