A palavra saṃsāra até serve de nome para um perfume francês. Esta palavra define a sede por, ou a caçada de, experiências. Define a ideia de ir atrás de uma experiência, e mais uma, e mais uma, e mais uma, e mais uma, e mais uma, e mais uma… Buscar experiências nesta vida, buscar experiências depois da morte, buscar experiências noutras dimensões, onde for. Buscar experiências.
Sair do saṃsāra é parar de buscar experiências, ou parar de buscar a felicidade nelas. É também parar de ser afetado por memórias do passado daquelas que nos imobilizam, como complexos, culpas e outros. Até mesmo um macaco, se dotado de uma mente humana, irá sofrer.
Porém, como os macacos e outros animais não são dotados desse tipo de mente característica dos humanos, eles simplesmente vivem suas vidas sem sofrer com nada que não seja satisfazer suas necessidades essenciais. Cavalos não precisam ir ao cabeleireiro. Macacos não usam jeans. Noutras palavras, eles não têm complexos nem problemas de autojulgamento.
Eles buscam as experiências, programados pelos instintos e a genêtica. O paradoxo da condicionamento humana é que, mesmo dotados do livre arbítrio, que é o que nos diferencia dos demais animais, não sabemos bem ao certo o que fazer com ele. Embora nos incomode a imperfeição, ela faz parte das nossas vidas.
A vida de saṃsāra é uma vida, assim, de experiências incessantes, onde tentamos caçar novas experiências que acreditamos serem boas, e procuramos fugir das experiências que percebemos como negativas ou indesejáveis. Assim, fazemos planos, buscamos realizar metas e objetivos. Nem sempre nossos planos e projetos dão certo. Às vezes as coisas funcionam como o esperamos, mas às vezes as nossas expectativas não são preenchidas.
A pergunta é se existe alguma experiência que seja perfeita, mas tão perfeita e que nos ajude a parar com essa roda do saṃsāra, que nos ajude a deixar de buscar a felicidade nas experiências. Essa experiência deveria ser uma experiência infinita, ilimitada, onde o experienciador, a experiência e o ato de experienciar não tivessem nenhuma diferença. Chamemos esta experiência de nirvikalpa samādhi [samādhi sobre a ausência de construções mentais].
Essa experiência, por outro lado, não poderia nem deveria ter um fim, pois o que define as experiências é justamente que elas começam, acontecem e terminam. Porém, a experiência de que estamos falando deveria ser infinita. Na hipótese de você ter uma experiência de nirvikalpa samādhi, e retornar dela, você veria as coisas diferentes? Veria as pessoas de maneira diferente?
Ora, acontece que o samādhi é apenas uma experiência com início, meio e fim e que, depois que ela termina, a pessoa que teve essa experiência reconhece que o saṃsāra continua. Portanto, o samådhi não resolve o problema.
Há pérolas de plástico hoje em dia. Parecem reais, mas são falsas. Da mesma maneira, há promessas no mundo da espiritualidade que são falsas, como essas pérolas. Tal experiência, simplesmente não existe. Se ela fosse real, não poderia ser subjetiva. É assim que as pessoas são enganadas, pois elas precisam se agarrar a alguma coisa, precisam acreditar numa solução mágica.
O que motiva a pessoa a buscar experiências? O que a impulsiona? Qual é a força motivadora? Um problema existencial: o problema da pessoas que vive, e quer viver, através de experiências. Sem experiências, ela acredita que não há vida. E, a solução para elas parece ser a busca de um tipo de experiência apenas: as prazerosas.
Assim, o apego às experiências prazerosas é o que nos leva a agir no mundo. Desta maneira, a pessoa se torna uma manipuladora do mundo, justamente para ter essas experiências, para atraí-las para si. O problema é que a inteira Humanidade está buscando fazer o mesmo, e é assim que o mundo funciona.
Essa é a razão pela qual buscamos esse tipo de promessa, para sair de vez desta montanha russa. Assim, as pessoas compram essas passagens para o paraíso, ou por causa da sedução de viver no céu, ou pelo medo do inferno, ou por qualquer outro motivo. Não vamos discutir aqui o ilógico e absurdo dessas promessas. Porém é certo que muita gente engole essas aboborinhas.
Assim, temos as promessas das religiões atuais, e as promessas de pessoas que também tentam nos iludir com promessas da espiritualidade nova era. No meio dessa variedade de ofertas, como você faz para se esquivar e encontrar algo que realmente preste? Conhecer uma coisa como errada nos permite conhecer todos os erros similares. Devemos ser capazes de ver esses erros.
Isto não significa que devamos ficar o tempo todo julgando os demais ou o que eles fazem, mas manter o espírito crítico afiado para, como dizemos anteriormente, não engolir uma abobrinha inadvertidamente. Não precisamos descartar todas as crenças, mas podemos sim ver qual é a base delas e apreciar, mesmo quando não temos elementos para verificá-las, se fazem sentido à luz do contexto em que são feitas.
Assim, há dois tipos de crença: uma delas, iremos chamar de confiança. A outra, de crença mesmo. Você é mais do que você acredita ser. Digamos que isso seja verdadeiro. Você precisa de confiança nesta afirmação, enquanto não consegue verificá-lá por seus próprios meios.
Digamos que você queira aprender a adivinhar o futuro. Você busca um curso na internet, encontra, se inscreve e aguarda a hora do curso começar. Até esse ponto, é tudo uma questão de confiança. Aqui, no estudo de Vedānta, é a mesma coisa. O que nós propomos aqui não é uma crença não verificável, mas uma confiança verificável.
Como quando você aí atravessar a rua e aguarda o semáforo ficar verde para si. Você tem a confiança de que esse é o momento para atravessar, e que enquanto você vê o verde, os carros do outro lado do cruzamento estarao vendo o vermelho e irão parar.
Viver é uma questão de confiança, portanto. Você respira ar, na expectativa de que o que você respira seja mesmo ar. Se você pudesse ver os microorganismos que entram no seu nariz, não ia querer respirar mais. Além dos nossos meios de conhecimento, tudo é uma questão de crença. Você não deveria descartar as crenças, mas examiná-las.
Om tat sat.
Tradução de Pedro Kupfer.
Swāmi Dayānanda Saraswatī (1930-2015) ensinou a sabedoria tradicional do Vedanta por cinco décadas, na Índia e em todo o mundo. Seu sucesso como professor é evidente no sucesso dos seus alunos: mais de 100 deles são agora Swāmis, altamente respeitados como estudiosos e professores.
Dentro da comunidade hindu, ele trabalhou para criar harmonia, fundando o Hindu Dharma Acharya Sabha, onde chefes de diferentes seitas podem se reunir para aprender uns com os outros.
Na comunidade religiosa maior, ele também fez grandes progressos em direção à cooperação, convocando o primeiro Congresso Mundial para a Preservação da Diversidade Religiosa.
No entanto, o trabalho de Swāmi Dayānanda não se limitou à comunidade religiosa. Ele é o fundador e um membro executivo ativo doAll India Movement (AIM) for Seva.
Desde 2000, a AIM vem trazendo assistência médica, educação, alimentação e infraestrutura para as pessoas que vivem nas áreas mais remotas da Índia.
Havendo crescido em uma pequena vila rural, ele próprio entendeu os desafios particulares de acessar a ajuda enfrentada por pessoas de fora das cidades. Hoje, o AIM for Sevaestima ter ajudado mais de dois milhões de pessoas necessitadas em todo o território indiano.
Olá bom dia!
Gostei muito do texto sobre o assunto, mas, fiquei com dúvida em um “pedacinho” dele, e gostaria de que você, se possível, pudesse me ajudar a esclarecer.
“Na hipótese de você ter uma experiência de nirvikalpa samādhi, e retornar dela, você veria as coisas diferentes? Veria as pessoas de maneira diferente?”
A parte do “retornar dela”, dessa experiência, você poderia me dizer/explicar dessas possibilidades de volta? Em que consiste, e o porque desse “retornar”? Poderia me auxiliar a compreender por favor?
Eu agradeço desde de já quando possível sua resposta!
Olá Thiago,
नमस्ते Namaste. Obrigado pela mensagem.
Praticar a meditação do nirvikalpa samādhi, na qual você suspende a atividade mental por um período, tem exatamente o mesmo efeito que o sono profundo, no qual acontece o mesmo processo: você pára de pensar, pelo tempo de duração do seu sono profundo.
Assim, quando você acorda de manhã cedo, afora o fato de ter consolidado suas memórias de longo prazo (um dos efeitos do sono profundo), além de sentir-se revigorado depois de dormir, o que mais muda? Nada.
Você era uma pessoa antes do sono, e continua sendo a mesma pessoa depois de ter dormido. Com a meditação nirvikalpa acontece exatamente a mesma coisa: a mente congela seus conteúdos durante a prática e retoma tudo exatamente a partir do ponto em que estava antes, como acontece ao acordar.
Espero ter esclarecido o ponto.
Tudo de bom!
॥ हरिः ॐ ॥
Isso está incorreto!
“A palavra samsara… define a sede por, ou a caçada de, experiências. Define a ideia de ir atrás de uma experiência, e mais uma, e mais uma, e mais uma, e mais uma, e mais uma, e mais uma… Buscar experiências nesta vida, buscar experiências depois da morte, buscar experiências noutras dimensões, onde for. Buscar experiências. Sair do samsara é parar de buscar experiências, ou parar de buscar a felicidade nelas. É também parar de ser afetado por memórias do passado daquelas que nos imobilizam, como complexos, culpas e outros. Até mesmo um macaco, se dotado de uma mente humana, irá sofrer. ”
Este texto foi esclarecedor e aliviou muito do sofrimento que eu estava passando, liberdade, isso é o que o conhecimento pode nos oferecer.
Com gratidão.
Sat Chit Ananda.