Começando, Pratique

O Yoga Autêntico

Uma carta, entre outras, trouxe-me uma indagação desafiadora - Que pensa você de tantas novidades, aos olhos de muitos como eu já cientes do que, desde há muitos milênios, o Yoga é?

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Yoga autêntico
Caro amigo, aqui estou para tentar responder bem a suas perguntas sobre o que é mesmo o Yoga autêntico.

Para evitar polêmicas, evito defender ortodoxamente um ponto de vista particularmente meu. Sem contestar nem protestar, vou simplesmente transcrever com fidelidade escrituras sagradas e grandes sábios, que há milênios ensinaram Yoga à Humanidade.

Se fossem minhas as explicações, poderia incorrer em erros e me sujeitaria a contestações e suspeitas, e, assim, não o ajudaria.

Peço ao leitor que afie a espada de seu discernimento, para que possa chegar a conclusões corretas. Tomara que tais autoridades sejam por nós entendidas e atendidas. Que falem as escrituras sagradas e os velhos Rishis. Que nos elucidem, para evitar opiniões aventureiras e, portanto, equivocadas.

Kṛṣṇa, o Verbo Divino, na Bhagavadgītā , o mais portentoso, completo e sábio evangelho do Yoga, explicou ao Príncipe Arjuna:

“Livre de orgulho e de ilusão, já tendo dominado o mal do apego, pensando constantemente no Ser Supremo, tendo minimizado todos seus desejos, tendo-se refugiado na solidão, liberto dos opostos da existência – tais como prazer e dor – aquele que já não está mais iludido, atinge a Meta Eterna”. Bhagavadgītā, 15.1.

“Permaneça firme em Yoga, Ó Dhanañjaya (Arjuna); pratique suas ações, isento de apegos e mantendo eqüanimidade tanto quando bem sucedido como no malogro. Essa eqüanimidade é chamada Yoga”. Bhagavadgītā, 2.48.

“Aquele que nem odeia nem deseja pode ser reconhecido como alguém que constantemente pratica a renúncia, porque, liberto dos pares de opostos (1), Ó poderoso Arjuna, pode ser facilmente libertado do cativeiro”. Bhagavadgītā, 5.2.

“Aquele que trabalha deve fazê-lo sem ansiar pelos frutos da ação. É chamado saṁnyāsin e é um yogi e não o é aquele que nem age nem mantém o fogo sagrado”.

“Fique sabendo que o que as escrituras e os sábios chamam renúncia é o mesmo que Yoga, Oh Pandava; porque ninguém que não tenha renunciado a seus desejos, pode tornar-se um yogi.

“Para um sábio que aspira atingir Yoga, agir é o meio adequado. No entanto, quando tenha atingido Yoga, o meio mais adequado passa a ser a serenidade.

“Quando um homem já não tenha apego aos objetos dos sentidos ou à atividade, e quando tenha totalmente renunciado a seus quereres, pode-se dizer ter alcançado Yoga.

“Que o homem se liberte de si próprio, que não se degrade, porque ele é seu próprio amigo e também seu próprio inimigo. Para quem venceu a si mesmo, por si mesmo, seu próprio ser é um amigo, mas, para aquele que não se venceu, seu próprio ser lhe é hostil.

“Aquele que se tenha vencido e, em sua mente, vive sereno, está permanentemente absorvido no Ser Supremo, não se altera tanto no calor como no frio, tanto no prazer como na dor, seja na honra, seja no opróbrio.

“Merece ser chamado yogi firme aquele cujo coração, através do conhecimento e do apercebimento, permanece satisfeito, que, tendo vencido a sensualidade, nunca vacila e considera de igual valor um torrão de barro, uma pedra e um pedaço de ouro.

“O homem que respeita igualmente os que lhe querem bem, os amigos e também os inimigos; os que são de suas relações ou os indiferentes, os imparciais e os maliciosos, e mesmo os virtuosos e pecadores ? é um yogi supremo.

“Um yogin deve sempre tentar concentrar sua mente, retirar-se para lugar solitário e viver só, tendo vencido sua mente e seu corpo e se libertado dos desejos e das posses”. Bhagavadgītā, 6.1-10.

Kṛṣṇa continua a descrever nos versículos seguintes o que é o Yoga, o yogin e a conduta ética e espiritual adequada a alcançar a difícil união libertadora com Deus, com o Ser.

A descrição acaba por quase desanimar seu interlocutor, o já muito virtuoso príncipe Arjuna. Imagine como me sinto eu, um simples mortal?! Arjuna manifestou então seu espanto e suas dificuldades, que também são nossas em maior grau:

“… a mente, Ó Kṛṣṇa, é inquieta, turbulenta, poderosa e obstinada. Controlá-la é tão difícil, me parece, como controlar o vento”. Bhagavadgītā, 2.34.

Kṛṣṇa responde:

“Sem dúvida, poderoso Arjuna, a mente é inquieta e difícil de controlar, mas pela prática e pelo desapego, pode vir a ser aquietada.

“Eu penso ser difícil alcançar Yoga para o homem que não conseguiu se controlar, mas Yoga pode ser atingido pelo que tenha conseguido se controlar e se empenha por obter meios apropriados”. Bhagavadgītā, 6.35-36.

Ainda não satisfeito, Arjuna volta a argumentar:

“Um homem dotado de fé, mas sem serenidade, e cuja mente tem vagado longe do Yoga, que fim alcança, Ó Kṛṣṇa, não tendo conseguido conquistar a perfeição em Yoga?

“Tendo fracassado na fé e no esforço para atingir o Yoga, desamparado de apoio e perdido no caminho para Brahman (o Ilimitado), ó poderoso Kṛṣṇa, ele não parece uma nuvem que se desfaz?

“Dissipe completamente esta minha dúvida, pois ninguém que não você pode extinguí-la. Bhagavadgītā, 6.38-39.

Kṛṣṇa dá uma resposta ainda mais tranqüilizante:

Ó Pārṭha (Arjuna), não há destruição para um homem assim, nem neste nem no mundo seguinte; nem mal algum, meu filho, atinge o homem que pratica o bem”. Bhagavadgītā, 6.40.

E, mais adiante, completa:

“Um yogi, se engajando diligentemente, é purificado de todos os pecados e, se tornando perfeito, através de muitos nascimentos, atinge a Meta Suprema.

“O yogi é maior que os homens que praticam árduas mortificações; é maior que os homens que agem indiferente aos frutos da ação. Torne-se, portanto, um yogi.

” E de todos os yogis, aquele que me adora com fé, seu ser mais interno, reside em Mim…”

Kṛṣṇa, o “divino cocheiro do carro de nossas vidas”, indiscutivelmente é a autoridade maior para prescrever o Yoga mais puro e apropriado a cada um.

“Fixe em Mim sua mente. Coloque em Mim seu intelecto. Então, daí por diante, portanto, você viverá, sem dúvida, somente em Mim”. Bhagavadgītā, 12.8.

Isso é ainda o que entendo como o “Yoga para quem pode”, portanto, para muito poucos. Não me atrevo a me ver entre eles. E você?

Kṛṣṇa, que está por dentro de nossas limitações e de nossos pensamentos, com muito amor fala diretamente para Árjuna e indiretamente para nós:

“Se você também é incapaz de fixar em Mim sua mente, então, pelo Yoga da constante prática (2), procure chegar a Mim…” Bhagavadgītā, 12.9.

E, obstinado e misericordioso, insiste em ajudar-nos:

“Se você é incapaz mesmo de praticar Abhyāsa Yoga (Yoga da constante prática), então pratique suas ações em Meu proveito. Mesmo pela prática de suas ações em Meu proveito, você atingirá a perfeição”. Bhagavadgītā, 12.10.

Yoga autêntico

De compaixão em compaixão, Kṛṣṇa segue sugerindo caminhos mais viáveis, embora sempre austeros como devem ser:

“Se ainda assim, você é incapaz de fazer mesmo isto, então busque refúgio em Mim. Autocontrolado, renuncie aos frutos de todas as ações. O conhecimento é deveras melhor que a prática.

“A meditação é melhor que o conhecimento. A renúncia aos frutos da ação é melhor que a meditação. A paz sucede imediatamente à renúncia”. Bhagavadgītā, 12.11-12.

Há outros métodos ainda menos árduos e menos elitistas para conquistarmos Meta Suprema de nossas vidas – aconchegar-nos nos braços amorosos do Pai.

O canto de músicas religiosas, o serviço devocional, a auto-entrega, a oração inteligente, a repetição permanente do Nome de Deus… são alguns procedimentos que nos ajudam na viagem que há de minimizar a grande distância e a grande diferença entre nós e Deus, distância e distinção que a ignorância impõe.

Como uma moderna disciplina do Yoga (Sādhana), Sai Baba nos aponta a Educação dos Valores Humanos (Educare), isto é, a cultura e o cultivo de cinco potenciais divinos que moram dentro de você, de mim, de todos. Os cinco valores, que a educação pode desenvolver, são:

1) Verdade ou veracidade (Satya);

2) Retidão (Dharma);

3) Paz (Śānti;

4) Amor (Prema); e

5) Não-violência (Ahiṁsā).

Esse é o Yoga mais adequado aos que vivem agora, nesta “era negra”, no Kali Yuga, dominada pela hipocrisia, pela desonestidade, pela guerra, pelo desamor e pela violência que parece insanável.

Felizmente, para a saúde física e mental, para nutrir-nos de bio-energia, e de tudo mais necessário ao bom condicionamento de nosso holos, contamos com a prática sistemática do Haṭha Yoga.

O Haṭha Yoga, que embora pareça ginástica, é infinitamente mais e melhor, funciona como um b-a-bá, um curso de alfabetização, capaz de amparar no nobre caminho da ação (Karma Yoga), no doce caminho da devoção-amor (Bhakti Yoga), no difícil caminho da sabedoria, da vitória sobre a ignorância (Jñåna Yoga), no problemático controle da mente (Råja Yoga) e de todos outras nobres formas de caminhar de volta a Deus, de libertar-nos das peias e penas do mundo material (3).

Infelizmente, quase todos o vêem como mera ginástica.

Que esta carta possa ajudar a um estudioso igual a você e também a todos quanto, empolgados pela onda, pelo modismo, desejem conhecer e praticar o verdadeiro Yoga de validade eterna, de alcance infinito.

Que todos abram os olhos, isto é, usem de discernimento para não vir a colher frustração.

Que não pratiquem āsanas equivocadamente como ginástica ou malhação a serviço da conquista de poder e de prazer materiais, transformando Yoga em Bhoga (4). Vitórias, aquisições, bens, prestígio e prazeres de Bhoga são inevitavelmente falsos e efêmeros, segundo as escrituras e os Mestres..

Minha homenagem a todos os sinceros professores, pesquisadores e praticantes que se dedicam ao estudo profundo dessa ciência divina.

Que Īśvara, o Deus dos yogins, abençoe seus nobres esforços e seus transcendentes ideais. नमस्ते Namaste.


(1) Dvandva são os opostos da existência: sim e não, alegria e tristeza, vitória e derrota, ganho e perda, nascimento e morte, dia e noite, subida e descida, prazer e dor, honra e opróbrio,…

(2) Abhyāsa Yoga é insistir praticando, repetir, repetir, sempre esperançoso. É repetir mentalmente o nome de Deus, sempre, sempre…

(3) “Assim como, pelo aprendizado do alfabeto, pode-se, através da prática, dominar todas as outras ciências, assim também, através de praticar inicialmente o Haṭha Yoga, pode-se ascender à posse da Verdade” (Gheraṇḍa Saṁhitā, 1.5).

(4) Bhoga é a viagem da alma saindo da casa paterna e mergulhando no mundo em busca do poder e do gozo materiais. Viagem pelo caminho largo e que termina em muitas dor. O bhogi (aquele que se entrega à alienação) é exatamente o contrário do yogi.

॥ हरिः ॐ ॥

Digitado por Cristiano Bezerra.
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Visite aqui o site do Professor Hermógenes.
Leia mais sobre o Yoga Clássico de Patañjali aqui.

॥ हरिः ॐ ॥

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