Pratique, Yoga na Vida

Você está ajudando a enterrar o Haṭha Yoga?

Afirma-se em alguns círculos de Yoga que o Hatha seria um método incompleto, incapaz de conduzir seus praticantes ao estado de iluminação, por utilizar apenas técnicas limitadas como a prática física (ásana) ou os exercícios respiratórios (pranayama). Há estudiosos e mestres de outras linhas que apresentam o Hatha como o mais básico e "materialista" dos Yogas existentes.

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Afirma-se em alguns círculos de Yoga que o Hatha seria um método incompleto, incapaz de conduzir seus praticantes ao estado de iluminação, por utilizar apenas técnicas limitadas como a prática física (ásana) ou os exercícios respiratórios (pranayama). Há estudiosos e mestres de outras linhas que apresentam o Hatha como o mais básico e “materialista” dos Yogas existentes.

De fato, existem muitas deformações e até caricaturizações desta ciência sagrada, fruto de ensinamentos descontextualizados e sem uma conexão direta com a corrente tradicional da Índia de hoje. Essas deturpações, fruto do despreparo de alguns, da popularização e até da banalização do Yoga em certos contextos, ocultam a verdadeira face desta disciplina.

O Hatha Yoga, chamado igualmente Hathavidya (ciência do Hatha), é um ramo da soteriologia indiana. A palavra soteriologia deriva do grego, soterios, que significa salvação. Não está falando-se aqui de salvação no sentido religioso, de vida além da vida, ou de conquistar algum paraíso. Salvação, no contexto do Yoga, significa realização espiritual, libertação dos condicionamentos.

Portanto, o Hatha Yoga é um sistema técnico que tem como propósito dar ao praticante a experiência da liberdade plena. Liberdade dos condicionamentos, da escravidão sensorial, das misérias existenciais, dos karmas passados, entre outros.

Existem muitos termos sânscritos para definir esse estado, que é ao mesmo tempo o objetivo do Yoga: nirvana, moksha, samadhi, kaivalya, etc. Da mesma forma, existem muitos meios diferentes para realizar essa meta, assim como muitas visões diferentes sobre os caminhos a serem percorridos. O Hatha Yoga é um desses caminos.

A proposta que o Hatha Yoga nos faz é que seria desejável a gente dedicar boa parte dos nossos esforços à realização da mais importante das tarefas. Essa tarefa é tríplice:

1) Em primeiro lugar, o Hatha Yoga propõe o desenvolvimento de uma apreciação ética da existência e de uma vida de virtude, orientada para o desenvolvimento e a auto-descoberta interior.

2) Em segundo lugar, o Hatha Yoga nos propõe o cultivo da saúde psicofísica em seu sentido mais amplo.

3) Finalmente, como objetivo mais importante (muito embora não exclua os anteriores), o Hatha Yoga busca a realização do potencial espiritual do praticante, o estado de moksha.

Portanto, o Hatha Yoga vai muito além dos seus aspectos visíveis, como os execícios de alongamento, força e flexibilidade, que são os mais conhecidos e populares hoje em dia.
Atualmente, em parte graças à crescente popularização do Yoga, em parte devido a uma silenciosa campanha de manipulação dos meios de comunicação que tem o objetivo de confundir Yoga com ginástica, a palavra Hatha, assim como a própria palavra Yoga, é sinônima de exercício físico não muito forte, adequado para combater o estresse e outras mazelas da vida nas cidades.

Quando a revista Veja publicou uma matéria intitulada “Ioga vira malhação” (maio de 2003), prestou um desserviço lamentável a seus leitores, pois confundiu ao invés de informar. Essa situação acontece porque o background filosófico desta antiga disciplina é freqüentemente negligenciado, ignorado, esquecido ou simplificado.

O Hatha faz parte de uma corrente cultural ininterrompida, que tem suas raízes na Índia vêdica e que postula uma visão do ser humano no qual este faz parte de uma rede sutil e invisível que secretamente determina as formas do mundo manifestado.

Essa rede, invisível e onipresente, chama-se prana. A palavra prana significa vida, ar, alento vital, respiração, e define o campo da consciência-energia. Esse campo da consciência-energia está presente tanto no macrocosmos quanto no plano humano e no microcosmos.

O Hatha estuda os aspectos dessa rede sutil dentro do homem (como os princípios sutis chamados nadis, chakras, pranas, kundalini, etc), e ainda suas interrelações com a natureza e as outras formas de consciência presentes na criação.

Nesse sentido, o Hatha não está separado nem é diferente de outros métodos como Kundalini, Laya, Mantra ou Raja Yoga, etc. Todas essas formas de Yoga (e muitas outras não mencionadas), se entremeam e interpenetram num grau tão profundo que é quase impossível diferenciá-las.

Por exemplo, os mantras, entendidos como náda (vibração super-sutil), são intrínsecos ao Hatha, assim como o pranayama é essencial nas práticas de Kundalini Yoga.

Portanto, faríamos muito bem em parar de falar no Hatha como “Yoga físico” apenas, e passar a apreciá-lo em seu devido contexto. De outra forma, repetindo os erros de visão e interpretação esgrimidos pela mídia, estaremos apenas contribuíndo para sepultar o Yoga na vala comum da comercialização e da banalização.

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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2 respostas para “Você está ajudando a enterrar o Haṭha Yoga?”

  1. Oi Pedro, eu sou um jovem instrutor de Hatha e escolhi este ramo pelo simples prazer do sádhana, porque sinto que muitas coisas não podem ser compreendidas com o raciocínio, e sim com a observação constante no sádhana.
    Bem, estou constantemente estudando e praticando, meu sádhana é composto por ásana, mudrá, kriyá, pránáyáma é bandhas, já yama e niyama tento praticá-los e aprimorá-los no decorrer dos dias, e a meu entender, são os que estruturarão nosso ser. Agora bem, o que acho mais dificil é fazer com que os alunos se identifiquem 100% com o hatha e que não o busquem somente porque está em moda ou por seus beneficios. Resumindo, ainda não estou mergulhando nas águas do Raja Yoga, pois acredito que devemos vivenciar e dominar as amplas técnicas do Hatha, para depois sim começar aos poucos a senda do Raja, você o que acha? Acredita que estou desvirtuando o Hatha? Bom, um grande abraço de um conterrânio seu, que mora em Florianópolis… ah e parabéns pelo site está ótimo, mas ótimo mesmo!

  2. Olá! Somente pessoas que desconhecem profundamente o Hatha Yoga podem dizer que ele seja apenas físico. Não devemos sempre nos lembrar que Yoga não é apenas a postura psicofísica, mas sim o estado que se atinge ao praticá-la? Para mim, os asanas são como as portas que se abrem, nos convidando para irmos além e explorarmos cada vez mais o nosso universo interno. E o yoganidra e os pranayamas complementam esse trabalho iniciado com os asanas. A linha que pratico, o Hatha Yoga Integral, considero-a completa, pois me permite atingir um estado indescritível! Sem me esquecer dos mantras e da meditação, que pode ser praticada logo após os pranayamas! Posso dizer que realmente me encontrei no Hatha Yoga, e sinto vontade de, cada vez mais, mergulhar de cabeça nesse universo. A todos que buscam apenas a malhação no Hatha Yoga, espero que possam algum dia ir além do corpo físico, e vivenciar algo muito maior e maravilhoso como eu vivencio, pois acho que pelo menos já deram o primeiro passo. Na Paz e na Luz que o Yoga nos proporciona, Daniela.

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