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Perguntas e respostas sobre a tradição do Yoga

Novos valores planetários estão surgindo como resultado desse diálogo entre os dois grandes blocos culturais, e a globalização do Yoga é mais um sinal dos tempos que estamos vivendo.

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A Tradição do Yoga nos dias atuais

1. Ouvimos, certa vez, a colocação de um mestre espiritualista de que o Yoga não seria muito adequado para o homem ocidental contemporâneo, uma vez que não o levaria a libertar-se de seu ego, pelo contrário, o reforçaria, dificultando seu caminho espiritual. Você acha que essa colocação tem algum tipo de fundamento?

Em verdade, essa afirmação foi feita pelo psicanalista suíço C. G. Jung na década de 1930, num tempo em que os divisores de águas culturais estavam muito mais definidos que na atualidade [leia mais sobre o tema aqui].

Hoje em dia, nos tempos de globalização que correm, vemos as fronteiras culturais caindo (junto com as políticas e as econômicas), e uma nova consciência que Jung parece haver subestimado 70 anos atrás.

tradição

Creio que a afirmação desse brilhante pensador fazia total sentido no tempo em que foi formulada, ainda mais se formos pensar em adoção cultural como uma mera imitação. Adotar um estilo de vida ou valores culturais importados, sem efetivamente integrá-los no coração e na mente, pode levar o indivíduo a viver uma vida artificial, falsa, desconectada da realidade.

Não obstante, penso que a afirmação de Jung não valha mais para os dias de hoje, em que o intercâmbio cultural oriente-ocidente está muito mais acelerado, sendo um dos elementos mais significativos do nosso tempo.

Novos valores planetários estão surgindo como resultado desse diálogo entre os dois grandes blocos culturais, e a globalização do Yoga é mais um sinal dos tempos que estamos vivendo.

Outra coisa que se afirma em alguns círculos é que a alma oriental seria diferente da alma ocidental. Obviamente, diferenças psicológicas existem, mas essa afirmação é incorreta. As diferenças estão aí, mas não são intransponíveis, pois a humanidade inteira compartilha as mesmas estruturas da consciência.

2. Você fala que procura fazer conexões vitais entre a tradição e o presente. Poderia falar mais sobre como se processa essa conexão entre a tradição e o saber contemporâneo ocidental?

Vejo o Yoga aportando uma série de valores importantíssimos ao homem dos dias de hoje, mas não vejo integração do Yoga com o saber contemporâneo ocidental, no sentido de síntese oriente-ocidente.

A mensagem do Yoga continua a mesma de 5000 anos atrás, e para isso, embora possa integrar elementos de linguagem ou roupagens “ocidentais”, a essência continua inalterada e o resultado das práticas na alma humana continuará a ser o mesmo daqueles tempos.

Um yogi é alguém que, vivendo aqui ou na Índia, aprendeu a viver intensamente o momento presente, que não nega a realidade em que está imerso nem se isola dentro de uma bolha.

Por isso, embora muitas pessoas desconheçam esse fato, o Yoga inclui uma missão social, que se chama Karma Yoga, e que tem como objetivo trabalhar em prol da melhoria das condições em que todos vivemos, começando pelos mais necessitados.

O diálogo oriente-ocidente de que falamos acima é uma questão pessoal: acontece dentro do indivíduo, no coração e na mente de cada um. Isso significa que nós mesmos precisamos alimentá-lo.

Isso é uma tarefa titânica, um desafio imenso que o praticante se coloca, que lhe dá ao mesmo tempo a oportunidade de transcender o ego e a mente e perceber a realidade que está além dessas dimensões limitadas e limitantes.

Podemos ver que uma nova consciência está surgindo, ao menos em algumas partes do planeta. Esse movimento, que acarreta o nascimento de inúmeras entidades encarregadas de divulgá-lo, responde a uma demanda real da sociedade. Estamos com sede de nos conhecer. Queremos saber quem somos. Queremos tirar o véu.

Entretanto, em meio ao verdadeiro labirinto configurado pelo conjunto das entidades que se ocupam do ser, existem duas vertentes: por um lado, grupos ou pessoas realmente interessados e empenhados em achar um sentido verdadeiro para suas vidas. Por outro, aquilo que o professor Hermógenes definiu como “o mercado de falcatruas do Yoga”.

A sociedade ocidental oferece um caldo de cultivo muito propício para que isto aconteça: o ritmo de vida que impõe a cidade acaba nos impondo a necessidade de achar um refúgio seguro dentro de nós mesmos. Ou perdemos a razão ou perdemos a felicidade. Ou fazemos alguma coisa para tentar ficar com ambas.

Dentro desse labiríntico mercado há pessoas muito bem intencionadas, mas que são as menos visíveis, já que, não estando movidas pela sede de enriquecimento ou promoção pessoal, acabam sendo sepultadas pela publicidade enganosa dos falsos mestres e gurus, impostores, oportunistas e atravessadores de conhecimento de segunda mão.

3. O Yoga favorece ao resgate da idéia de unidade do ser humano e todas as coisas. De que forma? Como essa prática ajuda a transcender às barreiras da mente e a “pensar com o corpo”?

“Pensar com o corpo” é um paradoxo que escolhi para sacudir a mente, para convidar a pessoa (leitor ou praticante) a refletir sobre o fato que nós não somos apenas a mente, e que temos muitas potencialidades para despertar, tanto no plano físico como no espiritual.

Vivemos o tempo todo tão identificados com a mente que muito facilmente perdemos o pé da realidade e não percebemos a dimensão sagrada da realidade que nos rodeia.

Quando falo que pensar com o corpo traz enormes conseqüências metafísicas, estou querendo dizer que a pessoa que consegue transcender a mente, que é capaz de ter uma consciência plena de cada uma das células que compõem seu próprio corpo, está de fato expandindo a consciência, está transcendendo o ego e a mente.

Está se colocando num ponto de observação da realidade desde onde a vida se revela como uma unidade, um contínuo eterno cuja matéria prima é a Consciência Pura, a alma da criação, que em sânscrito se chama Paramâtman, e da qual não estamos separados a não ser pelos nossos próprios condicionamentos.

4. Os yogis da antiguidade faziam exercícios físicos de forma ritual. O que acontece com o homem contemporâneo quando prática Yoga? Ele consegue a integração real do corpo e do espírito ou se preocupa mais com o bem-estar físico, deixando de lado essa dimensão?

Embora todos tenhamos direito de praticar Yoga para usufruir benefícios a curto prazo como melhora na qualidade de vida, combate ao estresse, bem-estar físico, etc., essa é uma atitude um pouco tacanha em relação ao próprio Yoga, pois ela nos priva da dimensão sagrada da existência e nos fecha as portas da realidade que está alem do mundo das aparências. Não esqueça que o Yoga é um caminho para o auto-conhecimento e a transcendência.

5. O Yoga se constitui de posturas, respiração, concentração e mudrás. São essas as disciplinas que ajudam na integração mente-corpo?

Não é somente o grupo de técnicas que você menciona, mas muitas outras, como meditação, relaxamento, visualização, desintoxicação, jejum, prece, mantras e outras. Existem muitas formas de Yoga, e cada uma delas usa um leque bastante grande de ferramentas.

Mas Yoga não é unicamente a técnica. Yoga é a atitude que está por trás da técnica. E essa atitude, onde a consciência plena participa ativamente de qualquer processo, seja ele físico ou mental, é o que outorga a tal da integração mente-corpo-espírito, experiência da unidade.

6. Existe idade ou algum tipo de condicionamento físico como pré-requisito para a prática do Yoga?

O Yoga é para seres humanos. E está ao alcance de todos. O que se precisa para praticá-lo? Um bom par de pulmões e a cabeça no lugar. Todos temos mente e pulmões. O resto é acessório.

Há algo que é comum a todos os homens, e que por isso nos une, para além das diferenças raciais, religiosas, culturais, ou das características anatômicas dos indivíduos. Esse algo é a potencialidade de nos conhecer, de mergulhar no oceano da consciência.

O Yoga é o instrumento que usamos para dar esse mergulho: ao mesmo tempo o ato de mergulhar e o lugar aonde chegamos. Mas fazer Yoga não é mentalizar pensando em ganhar alguma coisa. Não é exercitar-se pensando em obter um corpo bonito.

Pelo simples motivo que, para fazer Yoga, você nem sequer precisa ter braços ou pernas. Só pulmões e cabeça. E não existe nenhuma condição especial de forma física, idade, sexo, cor ou condição social que você precise preencher para poder praticar. Só a vontade de transcender.

7. Como escolher a melhor prática e um mestre com um nível aceitável de experiência?

Antes de mais nada, é preciso levar em consideração a definição de mestre. Há uma diferença fundamental entre um professor de Yoga é um mestre iluminado, um guru. Às vezes pode acontecer que o professor queira ocupar o lugar do mestre, que não lhe corresponde. Humildade é essencial e não pode faltarão professor honesto.

Um falso mestre se apresenta em todos os casos como a única solução possível à charada da existência. Um mestre verdadeiro não precisa ficar dizendo que ele é um mestre verdadeiro. O mestre verdadeiro ensina que o verdadeiro mestre é o próprio coração do praticante.

O mestre verdadeiro é uma alma realizada, uma pessoa que transcendeu totalmente seu ego, que é 100% humilde, simples e respeitosa em suas atitudes, que não busca a autopromoção nem a publicidade, nem cobra taxas absurdas em troca de iluminação.

Como escolher um bom professor? Usando o bom senso e a capacidade de observação para escolher. Vendo se você se sente confortável na escola de Yoga que visitar. Perguntado ao professor onde ele aprendeu. Vendo se você se identifica com a proposta do trabalho do instrutor ou do tipo de Yoga.

A modalidade de Yoga escolhida deve estar em função das expectativas e necessidades do praticante. Diferentes formas de Yoga não dão os mesmos resultados com as mesmas pessoas e não há consenso sobre o que deveria ser ensinado em uma aula de Yoga.

Para encerrar, é preciso frisar que não existe um Yoga superior, mais completo ou melhor que os demais. Cada método se adapta melhor para objetivos diferentes. O melhor Yoga é aquele que funciona para você, que satisfaz suas necessidades e preenche suas expectativas, sejam elas quais forem. É questão de procurar até achar algo que lhe satisfaça.

॥ हरिः ॐ ॥


Entrevista concedida à jornalista Rose Bezerra, do suplemento Viva do jornal Diário do Nordeste, de Fortaleza, CE, em junho de 2001.

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