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A qualidade de vida é um ideal bastante difuso mas que, aparentemente, estamos todos precisando. Hoje em dia, é obrigatório termos qualidade de vida

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O paradoxo da qualidade de vida

A qualidade de vida é um ideal bastante difuso mas que, aparentemente, estamos todos precisando. Hoje em dia, é obrigatório termos qualidade de vida. O conceito de qualidade de vida é usado para vender desde seguros a laxantes.

A mídia nos sugere que, para ter qualidade de vida, é preciso ter. Ter alguma coisa, produtos, serviços ou o que o publicitário da hora quiser nos vender. Geralmente, anúncios ligados à qualidade de vida apresentam fotografias de crianças sorridentes, cães da raça labrador e jardins floridos.

Mais além da pressão pelo consumo que a sociedade possa nos impor, acredito que a qualidade de vida não esteja apenas em adquirir esses produtos ou serviços, nem apenas em respirar ar puro ou alimentar-se bem.

Qualidade de vida, num sentido mais amplo, é também ser dono do seu próprio destino, ser capaz de fazer da sua vida uma obra de arte.

Na perspectiva do Yoga, podemos distinguir três diferentes aspectos na qualidade de vida:
1) a qualidade da relação que mantemos com a natureza,
2) a qualidade da relação que mantemos com os demais, e
3) a qualidade da relação que mantemos com nós mesmos.

1) A relação com a natureza

A qualidade de vida, no primeiro aspecto, significa verificar se o ar que respiramos é o ar que gostaríamos de respirar, ver se a água que bebemos é a água que gostaríamos de beber, se o chão que pisamos é o que gostaríamos de pisar, etc. A sociedade urbana contemporânea organizaou a vida humana de tal maneira que há muito pouco espaço para o contato com a natureza.

Por exemplo, você lembra quado foi a última vez que sentou à frente de uma fogueira? Quando foi a última vez que viu ao vivo uma baleia ou um golfinho? Você consegue apontar para o norte desde a janela do seu quarto? Em que fase encontra-se a lua neste momento?

Dedicar alguns momento diários ao contato com a natureza, seja tomando sol, caminhando descalço ou apenas sentando embaixo de uma árvore, são pequenos atos que nos trazem calma e nos ajudam a harmonizar nossos ritmos interiores com o ritmo em que pulsa a força criativa do universo.

2) A relação com os demais

Todas as relações humanas, bem como aquelas que fazemos em direção à natureza, deveríam estar pautadas pela princípio áureo da reciprocidade: não faça aos demais aquilo que não gostaria que os demais fizessem consigo.

Esta afirmação é universal, e pode ser encontrada, com pequenas variações, em todos os códigos de convivência de todas as culturas e civilizações. Da mesma forma, deveríamos estender essa atitude a todas as criaturas vivas. Isso chama-se dharma. Ninguém devería questionar o direito do outro a viver.

Os humanos, diferentemente das plantas e dos animais, somos dotados de livre arbítrio. Todos damos muita importância à nossa liberdade mas, a bem da verdade, nem sempre sabemos o que fazer com ela.

Quando os atos nascidos do meu livre arbítrio ferem o direito dos demais, estou atropelando o dharma. Isto não produz desconforto imediato apenas para o outro, mas também para mim mesmo.

Nem sempre consigo perceber isso de maneira clara a conexão entre o desconforto do outro e o meu próprio desconforto.

Muitas vezes exigimos atitudes dos demais em relaç ão a nós mesmos, mas não estamos dispostos a sermos recíprocos fazendo a nossa parte.

boa vida

3) A relação consigo próprio

Este terceiro aspecto da qualidade de vida, acredito, é o mais importante de todos. Como podemos estabelecer alguma relação com nós mesmos, se não nos conhecemos?

Meu amigo Shane McCrudden, da Austrália, realizou um documentário muito interessante chamado The Burning Question, título que poderíamos traduzir livremente para o português como ‘a pergunta que não quer calar’.

Ele entrevistou muitas pessoas diferentes, fazendo a todas uma única pergunta: ‘quem é você, realmente?’ É incrível como as pessoas, defronte à pergunta, desviavam os olhos da lente e só respondiam com evasivas ou com um constrangedor silêncio recheado de expressões faciais muito eloqüentes.

A imensa maioria das pessoas não consegue relacionar-se corretamente consigo próprias por causa do analfabetismo existencial. Nós não sabemos quem somos.

Isto é mais grave do que não saber onde fica o Brasil no mapa-múndi. Se não tenho claro quem sou, como poderei me relacionar comigo mesmo e com os demais?

Resumidamente, o Yoga ensina que, para além das necessidades do meu corpo, das dúvidas da minha mente ou dos desejos do meu ego, eu sou uma pessoa simples e tranqüila, e que a matéria prima da qual estou fabricado é felicidade e plenitude, verdadeira e auto-consciente.

Nada mais. Tendo isso claro, percebo a minha qualidade de vida como um objetivo mais concreto e fácil de ser alcançado.

A boa vida é a vida feliz

A idéia de qualidade de vida nos lembra aquilo que na Grécia antiga, há mais de 2300 anos, o filósofo Aristóteles chamou a boa vida.

Boa vida não é exatamente o ‘vidão’ que está no imaginário de algumas pessoas e que consiste, basicamente, em viver deitado numa rede embaixo de um coqueiro, bebendo caipirinha ao som de axé music.

O resultado dessa boa vida é um estado de felicidade que está vinculado com a realização mais elevada do ser humano, que Aristóteles denominou eudaimonia. A boa vida, segundo ele, é uma condição na qual os indivíduos podem viver plenamente felizes e realizados. Não é apenas ter alegria, conforto, prazer ou segurança.

Este filósofo considerava a ética como uma ciência prática, na qual fazer era mais importante do que apenas refletir, e que ela que tinha um papel fundamental na realização da boa vida. Assim, ele ensinava que todas as ações humanas deviam estar em função desse bem maior que é a felicidade, que ao mesmo tempo permeia e resulta da boa vida. Aristóteles pensava que, para realizar a boa vida, devemos viver uma vida equilibrada, evitando os excessos, e que esse equilíbrio deve ser individualizado para cada pessoa.

O caminho do meio

Algo que caracteriza o pensamento deste grande filósofo é a busca do caminho do meio, que ele chamou de meio áureo. Esse meio áureo é o ponto de equilíbrio desejável entre o excesso e a deficiência.

Por exemplo, no caso do sentimento de coragem, é preciso encontrarmos o ponto de equilíbrio entre o medo e a confiança. Excesso de medo ou falta de confiança podem nos imobilizar.

Excesso de confiança ou ausência de medo podem nos levar a agir de modo torpe ou precipitado. O mesmo vale para os demais sentimentos vinculados com a tomada de decisões e a realização de ações.

O florescer da felicidade nada tem a ver com honra, riquezas ou poder, mas com a atividade racional dentro dos parâmetros da virtude.

Trocando em miúdos, com fazer a coisa certa. Tal atitude manifesta virtudes do carácter como a honestidade, a fraternidade, a temperança e a eqüanimidade.

Essa plenitude ativa foi chamada summun bonum, o bem supremo, aquele fim que não serve como meio para mais nada, mas que justifica todos os meios, pois é o fim definitivo.

A boa vida não é uma vida de busca de prazeres ou satisfação pessoal, mas é a vida mais prazerosa. A boa vida não é uma vida que busque a riqueza pela riqueza em si mesma, mas um fim ao qual a riqueza está subordinada.

A boa vida não alimenta a necessidade de reconhecimento por parte dos demais, pois a pessoa que a cultiva encontra a dignidade intrínseca a ela própria. A boa vida não busca a virtude, pois a virtude é uma conseqüência de cultivar a consciência, e não a causa dela.

Em suma, a vida de uma pessoa plena, satisfeita e feliz, é uma vida completa em si mesma. Concluíndo, podemos perceber que a filosofia grega, concorda com a visão do Yoga, na importância do auto-conhecimento para termos uma vida plena e feliz.

Sem esse autoconhecimento, de nada nos vale ter uma vida próspera e confortável, num lugar tranqüilo onde se respira ar puro, pois continuaremos sofrendo.

॥ हरिः ॐ ॥
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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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