Começando, Pratique

Yoga e Autotransformação

Apesar do Yoga estar avançando pelo mundo e se desdobrando em novas ramificações e versões em seu percurso, pouco se fala sobre seu poder transformador. E no entanto, desde sua origem, e mesmo atualmente, é a energia do pensamento concentrado, ou o poder do Yoga, que o torna a base sobre a qual uma grande transformação interior pode acontecer.

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Apesar do Yoga estar avançando pelo mundo e se desdobrando em novas ramificações e versões em seu percurso, pouco se fala sobre seu poder transformador. E no entanto, desde sua origem, e mesmo atualmente, é a energia do pensamento concentrado, ou o poder do Yoga, que o torna a base sobre a qual uma grande transformação interior pode acontecer.

Podemos dizer que um yogi é aquele que olha para dentro, e desde esse ponto interno pode perceber as múltiplas implicações na expressão de sua energia – seja em pensamentos, palavras ou ações. Além de conhecer sua natureza mais profunda, o yogi também sabe como conectar-se a uma fonte divina externa e mais elevada do que ele, de onde extrai sua força e clareza. Yoga é, portanto, a união com o Divino, um estado meditativo que dá acesso privilegiado ao amor em sua forma mais pura e ao conhecimento em sua forma mais refinada.

Num primeiro momento, a autopercepção tem como meta levar ao reconhecimento de minhas qualidades inerentes. É uma investigação sobre quem sou de fato, sobre quais são as virtudes e princípios que me guiam, que são minha força interior. Há qualidades originais – svadharma – que fazem parte da estrutura da alma.

O estado de introspecção consciente vai gradualmente resgatando a auto-estima e dando um impulso de coragem que me ajudam imensamente na hora de detectar minhas fraquezas – as únicas pedras que realmente existem em meu caminho. Quando olhadas em profundidade e transformadas seu oposto virtuoso, essas imperfeições não apenas cessam de me obstruir, mas revelam potenciais imensos de energia disponível antes bloqueada.

A partir desse estado de auto-respeito, é possível uma checagem sem grandes dramas ou emocionalismos. Afinal, a dança dos yogis, assim como a dança de Siva, é sempre sobre seus próprios demônios. A idéia é massacrar o ego!

Somados a isso, há um método e grande força de vontade. Sankalpa é uma palavra recorrente no caminho do Yoga. Tem que haver determinação, pois você vai enfrentar a correnteza.

Tudo então começa com o eu. Esse é um dos aspectos que fazem com que jñana – o conhecimento espiritual – seja considerado o primeiro dos quatro pilares do caminho do Yoga. Há jñana (conhecimento), Yoga (meditação), dharna (assimilação) e seva (serviço). Um sentido de responsabilidade e prazer, mesmo nas ações mais rotineiras, são como um termômetro indicando o quanto a teoria (jñana) foi absorvida (dharna) na prática. Só então o compartilhar com outros pode ter alguma repercussão, pode ser reconhecida como sabedoria. Percebemos que as palavras vindas de uma pessoa íntegra reverberam justamente porque são preenchidas de verdade. E verdade é a manifestação da alma no seu estado puro.

“O primeiro esforço é tornar-se verdadeiro consigo. Isso porque quando existe honestidade espiritual, fica fácil receber ajuda de Deus. Tomar ajuda de Deus é o empenho maravilhoso dessa época. Contudo, somente uma alma experiente saberá como fazer isso realmente. Você tem de saber como pegar a mão Dele e colocá-la no seu coração e cabeça. Isso significa prestar atenção completa à qualidade de seus pensamentos e sentimentos, e fundamentar-se na sua identidade como um ser espiritual eterno. Isso o preenche com as qualidades de seu estado divino original: paz, amor, bem-aventurança e força. Sentir a mão de Deus em sua cabeça e coração desse modo faz com que você fique completamente centrado e alinhado com seu eu mais elevado. Mesmo em meio ao caos total – interno ou externo – você consegue permanecer responsável por cada pensamento, palavra e ação…”
Dadi Janki

O jñana é muito amplo e, na medida que avançamos, torna-se cada vez mais ilimitado e profundo. Sempre há novas descobertas, novas fronteiras, a serem exploradas. Alguns aspectos têm relação com o entendimento básico das leis naturais – como o karma e o dharma – e também com uma visão diferente de tempo, que entende a trajetória da alma e coloca o destino futuro em nossas mãos.

Na tradição espiritual mais antiga da humanidade – o Sanatana Dharma, hoje conhecido como Hinduísmo – existe o memorial de uma época em que seres humanos divinizados e perfeitos habitavam este mundo. Eles são lembrados como devatas – seres que irradiam luz – e mostrados com um halo ao redor da cabeça, um símbolo para o estado iluminado do saber. Muitos também são retratados segurando um disco e chamados de svadarsanchakradharis – aqueles que giram “o disco de auto-realização”.

A maior parte dessas imagens traz um olhar internalizado e doce, emoldurado por um rosto sereno ou transcendente. É uma beleza singular, que mostra o olho interior como ponto de apoio e poder, e revela que o corpo é temporário e o atman – a alma – é, na verdade, o ser eterno. É com quem podemos nos identificar. O poder espiritual vem portanto de nos sintonizarmos com essa essência virtuosa que somos e investirmos nela nossa energia. Todo o resto é bagagem extra, os acessórios no caminho. E existe uma parafernália deles!

Dessa perspectiva mais ampla de vida, surge o olhar que percebe as ligações entre o externo e o interno, que sabe que nossa rotina está sempre refletindo dimensões e questões internas do ser. Perceber essa sincronia é uma especialidade que podemos desenvolver, já que muitas de nossas posturas e hábitos mentais tornaram-se inconscientes. Desde a antiguidade, algumas ciências se dedicaram a revelar as conexões sutis entre o externo e o interno. A astrologia é uma delas. Se formos espertos, há sempre lições a serem aprendidas, há revelações em cada cena. E há leveza, muita leveza, quando a vida passa a ser encarada como uma peça ou lila – o drama divino que é.

Desvendar certos mistérios e resgatar segredos traz um tipo de liberdade do ego, uma “intoxicação espiritual”, expressa por muitos yogis desde a antiguidade.

Tornar a vida yogue um caminho de auto-transformação é um desafio prazeroso. É sentir-se como a jóia no meio do pó, a lótus que brota da lama, pois há sempre tanto trabalho a ser feito. Mas há também força e luz, há o poder que vem da meditação. Sem isso, uma transformação real seria praticamente impossível.

Novamente cito Dadi Janki, uma de minhas professoras, com 70 anos de prática de Raja Yoga:

“É o intelecto – buddhi – que é responsável por formar a ligação com Deus. Mas ele não será capaz de fazer isso se a mente não o deixar. Em outras palavras, primeiro a mente tem de se tornar pacífica e cooperar. Para que a alma se ligue a Deus, o intelecto e a mente têm de trabalhar juntos. Só quando já um tipo de harmonia assim entre os dois, pode haver esse elo com Deus. Na realidade, é isso que chamamos de Yoga.”
Dadi Janki


Simone Boger ensina Raja Yoga e é jornalista.

Publicado originalmente na revista trimestral Cadernos de Yoga, volume 04, da Primavera de 2004.

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