Estágios: Fundamentado na prática (abhyasa) e no não-apego (vairagya) (1.12-1.16), o meditador se move sistematicamente para o seu próprio interior, através dos quatro níveis, ou estágios, de concentração em um objeto (1.17) e depois avança para o estágio de concentração sem objeto (1.18).
Discriminação: O propósito dos oito braços do Yoga (2.26-2.29) é desenvolver, a partir de tais concentrações, uma discriminação aguçada, que é uma ferramenta refinada para a introspecção (3.4-3.6).
Todos os objetos de concentração estão em um de quatro estágios: Todos os objetos, tipos, estilos ou métodos de meditação estão virtualmente incluídos em um de quatro estágios, níveis ou categorias de concentração (1.17). Os objetos específicos incluídos nestes quatro estágios são discutidos em sutras posteriores.
1- Savitarka / Denso: É relacionado com a concentração em qualquer objeto denso, enquanto ainda acompanhado de outras atividades na mente, como a meditação na consciência sensorial, em objetos visualizados, no nível denso da respiração, em atitudes, em sílabas de mantras ou fluxos de pensamentos conscientes.
2- Savichara / Sutil: É relativo a objetos sutis, após deixar para traz o nível denso. Aqui, as sutileza da matéria, da energia, dos sentidos e da mente são os objetos da meditação, investigação e não-apego.
3- Sananda / Bem-aventurança: Enfatiza o estado ainda mais sutil de bem-aventurança na meditação. Neste estado, a concentração é livre de impressões tanto densas quanto sutis, impressões estas que existiam nos níveis anteriores.
4- Sasmita / Senso de “eu”: Focar no senso de “eu”, que é até mais sutil, quando se refere ao Eu que está além e que testemunha todas as experiências.
Concentração sem objeto: Os quatro estágios acima possuem um objeto para o qual a atenção é direcionada (samprajnata). Além destes quatro estágios, está a concentração sem objeto (1.18), onde as quatro categorias de objetos foram liberadas da atenção (asamprajnata).
1.17 – São quatro os tipos de absorção profunda da atenção em um objeto: 1-denso (vitarka), 2-sutil (vichara), 3- acompanhado de bem-aventurança (ananda), 4- com o senso de “eu” (asmita), denominado samprajnata samadhi.
vitarka vichara ananda asmita rupa anugamat samprajnatah
* vitarka = pensamentos densos ou raciocínio
* vichara = pensamento sutil
* ananda = bem-aventurança, êxtase
* asmita = senso de “eu”, individualidade
* rupa = aparência, natureza, forma
* anugamat = acompanhado de, associado com
* samprajnatah = absorção cognitiva, baixo samadhi
Estágios da atenção: A atenção se desenvolve em estágios.
1- A atenção pode vaguear tanto externamente, observando através do sentidos, quanto internamente, observando o material da mente. Aparentemente existem incontáveis objetos que podem ser observados por “eu” como observador. Este “eu” na verdade é uma falsa identidade, que é sistematicamente investigada para assim descobrir o Eu verdadeiro.
2- A concentração (3.1) é originada pela atenção. Concentração significa que a atenção está focada em um objeto. Ela é temporária pois pode ser interrompida. Ainda existe um observador, que está fazendo o ato de observar, e um objeto, que está sendo observado.
3- A meditação (3.2) é um estado de atenção constante, onde a concentração não é interrompida por alguma distração. Ainda continua a existir um observador observando e um objeto sendo observado. Não há um limite de tempo preciso que separe a concentração da meditação.
4- Samadhi (3.3) é a absorção que acontece quando os três (o observador, o processo de observação e o objeto observado) se fundem em um, de forma que parece existir somente o objeto.
Pense na atenção: Como pode ser difícil conceitualizar o samadhi, talvez seja útil pensar neste sutra e nos quatros estágios em termos de atenção e concentração. Pensando em termos da atenção, fica mais fácil entender a praticidade deste princípio, enquanto tornamos possível que a profundidade da experiência venha com o tempo.
Todos os objetos estão em um de quatro estágios: Todos os objetos, tipos, estilos ou métodos de meditação estão virtualmente incluídos em um de quatro estágios, ou níveis, descritos neste sutra. Neste ponto do Yoga Sutras não está sendo sugerido um objeto específico. O que está sendo apresentado são as quatro categorias possíveis de todo e qualquer objeto de meditação.
1- Savitarka / Denso: Está relacionado com a concentração em um objeto denso, ao mesmo tempo que acontecem outras atividades na mente. Aqui se enquadram as meditações sobre objetos mundanos, o corpo, a percepção sensorial, objetos visualizados, o nível denso da mente, atitudes, sílabas de mantras e fluxos de pensamentos conscientes.
2- Savichara / Sutil: Está relacionado com a concentração em objetos sutis, ao deixar para traz o nível denso. As sutileza da matéria, a sutileza dos dez sentidos e a sutileza da mente são objetos de meditação, investigação e não-apego.
3- Sananda / Bem-aventurança: Está relacionado ao estado ainda mais sutil de bem-aventurança na meditação. Neste estado a concentração é livre de impressões densas e sutis que existiam nos níveis anteriores.
4- Sasmita / Senso de “eu”: Esta relacionado ao senso de “eu”, que é até mais sutil, ao se referir ao Eu que está além e que testemunha todas as experiências.
Meditação no sutil: É muito importante refletir sobre os princípios da meditação nos elementos sutis. A meditação neste estágio significa que estamos lidando com os blocos de construção de todos os objetos sobre os quais podemos meditar na forma densa. Não focamos apenas em objetos vistos normalmente como externos (as coisas do mundo exterior armazenadas como memórias na mente), mas também nos diversos instrumentos (como os sentidos e a mente) pelos quais estes objetos são experimentados. Desta maneira, gradativamente se torna possível alcançar o não-apego para com todo o domínio da matéria densa, suas versões mais sutis e a própria mente.
Como passar por cidades ao dirigir em uma rodovia: Quando dirigimos por uma área rural costuma ser um local tranqüilo. Mas a medida que nos aproximamos de uma cidade, a atividade vai aumentando, cada vez com mais pessoas. O centro da cidade está repleto de sinais, sons, pessoas e objetos de vários tipos. Ao atravessarmos o centro da cidade, o processo se reverte e a atividade vai diminuindo gradativamente, a medida que nos afastamos do centro da cidade. Na jornada pela rodovia em direção ao nosso destino, nos aproximamos de cidades, temos experiências ali e depois nos afastamos delas.
Na jornada interior é semelhante. Quando nos aproximamos de um nível de atividade interior, experimentamos estas atividades e seguimos para o próximo nível. O objetivo é a realização ou experiência direta da realidade absoluta, o centro de consciência sem objetos, cuja natureza é paz, felicidade e bem-aventurança e que não pode ser descrito. Na jornada para dentro, muito poucos estão preparados para ir diretamente para tal realização. A maioria de nós deve se mover gradativamente para o interior, ter a experiência e depois transcender cada nível de realidade interior, ou mente, que estão ao longo do caminho. Este é o processo descrito neste sutra 1.17.
O processo inteiro está nos 18 primeiros sutras: Os sutras 1.17 e 1.18 descrevem o processo de samadhi, a elevada ferramenta da meditação. Assim, o processo inteiro do Yoga está resumido nos 18 primeiros sutras. Os demais sutras fornecem explicações mais detalhadas, incluindo o processo de estabilização da mente (1.33-1.39), meios mais específicos de alcançar o samadhi (2.26-2.29) e como usar o samadhi como uma ferramenta refinada (3.4-3.6) para a Auto-realização.
Simples, como uma caneta esferográfica: O Yoga Sutras possui uma simplicidade muito bonita para com a Auto-realização, incluindo os quatro estágios do sutra 1.17, pelo qual a atenção pode se absorver em objetos densos ou sutis. Semelhante ao pressionar de uma caneta esferográfica de ponta retrátil, a atenção pode vir para fora, como o pequeno depósito de tinta. Quando a atenção está no exterior, os níveis mais sutis ainda existem em um nível abaixo ou interior, fazendo seu trabalho para prover a consciência com a experiência do mundo denso. Com outro clique, a ponta da caneta volta para dentro.
De modo semelhante, a atenção se retrai do denso. Assim, não acontecem experiências densas. Então, tem-se a experiência do sutil. Quanto a atenção se retraia mais ainda para dentro, as experiência sutis diminuem. Então, acontece a experiência da felicidade ou bem-aventurança, onde nenhuma atividade, distração, atração ou aversão, sejam densas ou sutis, são experimentadas. Mesmo assim, ainda existe uma individualidade fazendo algo chamado experimentar. Existe um “experimentador” experimentando alguma “coisa”. Retraindo-se ainda mais para dentro, a atenção abandona até mesmo a bem-aventurança, de tal forma que tudo o que existe é a individualidade. A consciência ainda está operando através da individuação, mas isto é outra história.
Belamente simples. Não erudito, mas prático. A tradição oral diz que o “estudo” do Yoga Sutras é oral, e não somente textual. A simplicidade esboçada no Yoga Sutras precisa de elucidação, seja na forma escrita ou, preferencialmente, de forma oral. Para alguns, esta simplicidade no Yoga Sutras é um sinal de que ele está incompleto. Para outros, é um sinal de que o Yoga Sutras é sucinto. Para estes, o Yoga Sutras é um sopro de ar fresco no meio de tomos de debate.
1.18 Outro tipo de samadhi é o asamprajnata samadhi. Nele não há objeto no qual a atenção é absorvida, de maneira que somente as impressões latentes permanecem. A prática constante de deixar todas as flutuações densas e sutis da mente retrocederem para o campo do qual emergiram precede este estado.
virama pratyaya abhyasa purvah samskara shesha anyah
* virama = cessar, parar, recuar
* pratyaya = causa, princípio cognitivo, conteúdo da mente, cognição
* abhyasa = prática
* purvah = preceder, vir antes
* samskara = impressões profundas, impressões no inconsciente, hábitos profundos, ativador subliminar, sinal
* shesha = residual, subliminar
* anyah = o outro (o outro samadhi)
Com objeto e sem objeto: Os quatro estágios de concentração descritos no sutra anterior (1.17) são tipos de concentração em algum objeto, chamada de samprajnata samadhi. Neste sutra 1.18 está sendo descrita a concentração sem qualquer objeto, denominada asamprajnata samadhi. Neste estado, os pensamentos densos, os pensamentos sutis e os instrumentos da mente (sentidos e pensamento) estão na forma latente. Este é um estado de conhecimento muito elevado, e com freqüência é dito que é impossível de ser descrito em palavras.
Os samskaras estão na forma latente: Os samskaras são as impressões profundas que são a força motriz por traz do karma (ações). No samadhi sem objeto, todos os samskaras estão na forma latente, embora estejamos bastante conscientes. Isto significa que os samskaras não estão ativos no nível do sonho, ou no nível inconsciente ou no nível consciente da mente. Ao refletir sobre a natureza do samadhi sem objeto, fica fácil entender porque as fundações da prática e do não-apego (1.12-1.16) são tão importantes para descolorir estas impressões profundas (1.5, 2.1-2.9, 2.10-2.11). (Nota do tradutor: para entender a retração de samskaras para a forma latente, leia o artigo “Yoga Nidra: sono profundo consciente do Yoga”, disponível neste site www.yoga.pro.br)
Abandone intencionalmente: Existe um paradoxo nas práticas que levam a concentração sem objeto. Ao abandonar todas as impressões, até mesmo a intenção é perdida. Entretanto, para fazer isto, primeiro é preciso existir força de vontade para abandonar as impressões profundas. Estando ciente deste ato paradoxal de equilíbrio, fica mais fácil praticar gentilmente a intencionalidade do abandono, sem suprimir impressões ou exceder a força de vontade. Então, aparentemente em um instante, o abandono pode acontecer. Embora o samadhi sem objeto seja um estado profundo, este balanço gentil entre intenção e abandono pode ser praticado nos primeiros estágios da mediação. Então, quando chegar o momento de fazer isto no nível mais profundo, será algo com que estaremos familiarizados.
Não é apenas silêncio: É importante entender que a ausência de objetos descrita aqui não é o simples silenciar da mente consciente, como nas meditações iniciais. Permitir que uma mente barulhenta gradualmente se estabilize, é um passo importante. Entretanto, é somente um passo no caminho para abrir o véu do inconsciente. Então, as impressões que normalmente não são vistas podem vir para a superfície, juntando-se com a atenção nos instrumentos do pensamento e dos sentidos, com a energia sutil e com os sutis blocos de construção da mente e da matéria. Tudo isto, e não somente a superfície do nível dos pensamentos, são sujeitos a “desobjetificação”.
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Próximo sutra: 1.19-1.22: Esforços e Compromissos
Sutra Anterior: 1.12-1.16: Prática e Não-apego
Traduzido pelo yogi Rogério Maniezi, de Florianópolis, a partir do original “Yoga Sutra 1.17-1.18: Types of Concentration”, de autoria de Swami Jnaneshvara Bharati, disponível em SwamiJ.com.
Muito Agradecido! Minha jornada em Meditação, é longa & profunda, por Toda vida. Estou com 52, e este texto está conSoante com o que aprendi, nesses anos 💚 introspectivos.
Valeu!
Muita paz para todos!
Om Shanti!
Obrigado, Swami Jnanaeswara, pelo belo trabalho de interpretação e pelo esclarecedor comentário, e obrigado também ao Rogério pela tradução, e por nos possibilitar o acesso a este conhecimento.
Namaste!