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Paśu, Vīra e Divya: o condicionado, o corajoso e o divino

No contexto do Tantra, os termos paśu, vīra e divya representam diferentes níveis de desenvolvimento e qualificação dos praticantes (sādhakas). Esses três tipos descrevem estágios ou disposições internas de cada pessoa em relação à prática, à disciplina e à compreensão do ensinamento não-dual. 1. Paśu (ou paśa) – O Condicionado O paśu é o praticante que ainda vive preso aos condicionamentos sociais e […]

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No contexto do Tantra, os termos paśuvīra e divya representam diferentes níveis de desenvolvimento e qualificação dos praticantes (sādhakas). Esses três tipos descrevem estágios ou disposições internas de cada pessoa em relação à prática, à disciplina e à compreensão do ensinamento não-dual.

1. Paśu (ou paśa) – O Condicionado

paśu é o praticante que ainda vive preso aos condicionamentos sociais e aos desejos. Ele/ela segue regras rigidamente, com medo de errar, e tem alguma volubilidade em relação às convenções sociais. Está “atado” (pāśa significa “laço” ou “corrente”) pelas limitações do ego, da moral dualista e uma percepção limitada da realidade. Esse tipo de praticante requer uma orientação cuidadosa, práticas introdutórias purificatórias e bastante preparação.

2. Vīra – O Corajoso

vīra já superou o medo e a dependência de normas convencionais. Ele/ela encara a vida e a espiritualidade com coragem, disciplina e discernimento. Está pronto/a para práticas mais avançadas, incluindo o desafio de tabus sociais, sempre com consciência e intenção sagrada. O vīra compreende que o caminho envolve tanto desfrutar da luz quanto encarar a própria sombra.

3. Divya – O Divino

divya é o adepto plenamente realizado, cuja consciência transcende as dualidades. Ele/ela vive em constante percepção do sagrado em tudo e o reconhecimento do Ilimitado em todos os seres. As práticas externas tornam-se secundárias para essa pessoa, pois em todas as situações percebe a não-separação. Ele/ela atua no mundo com compaixão, sabedoria e desapego.

Essas três qualificações do adepto tântrico são mencionadas em diversos textos e linhagens do Tantra, especialmente no contexto do Śakta e das escolas Kaula e Trika do Tantra não-dual da Caxemira.

Uma das fontes clássicas que aborda esse tema é o Kularṇava Tantra. Este é um dos textos mais influentes do Tantra Kaula. No Kularṇava Tantra, especialmente nos capítulos iniciais, Śiva explica à Deusa que existem três tipos de praticantes:

त्रिविधो जन्तुलोलोऽयम् पशुवीरदिवातमाकाः
trividho jantuloko ’yam paśuvīradivātmakaḥ
“As pessoas são de três tipos: paśuvīra e divya.”
Kularnava Tantra, 2:9.

Além do Kularṇava Tantra, essa classificação aparece em outras tradições tântricas, como na literatura Trika Śaiva (por exemplo, nos comentários de Abhinavagupta), onde também é usada para descrever níveis de consciência e capacidade de prática.

Abhinavagupta refere-se ampla e implicitamente à ideia de capacidades diferenciadas dos praticantes (sādhakas), aos graus de aptidão espiritual (adhikāra) e aos estágios de purificação psíquica, desenvolvimento do discernimento e conhecimento direto de si mesmo.

Outras referências relevantes:

  • Tantrāloka de Abhinavagupta – trata das aptidões do sādhaka em diversos níveis.
  • Śiva Saṁhitā (embora não diretamente com os três termos, aborda graus de praticante).
  • Comentários tântricos medievais de sábios como Kṣemarāja também fazem referência a esses níveis.

Conclusão

Esses três termos, paśuvīra e divya, não são meros rótulos, mas indicativos da maturidade emocional de cada praticante no caminho do Tantra. No entanto, é preciso esclarecer que o Tantra reconhece e acolhe todos os tipos de disposição, oferecendo às diferentes pessoas métodos apropriados para cada uma, com o objetivo de guiar todos os praticantes em direção à liberdade, mokṣa.

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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