Começando, Pratique

Radiografia de uma prática

Antes de começar a prática é como se estivesse adormecida. Assim que fecho os olhos e respiro fundo, parece que me conecto com a parte de mim que está escondida, com o fundo do meu ser

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Antes de começar a prática, é como se estivesse adormecida. Assim que fecho os olhos e respiro fundo, parece que me conecto com a parte de mim que está escondida, com o fundo do meu ser? volto-me para uma escuridão mestra.

As mãos em añjali mudrá e o som da minha voz ao cantar o mantra trazem-me um conforto difícil de explicar, sinto a vibração da minha voz passar do peito para as mãos e aí, sei que existo. Então dedico a prática e a vida ao benefício de todos os seres.

Quando começam os shatkarmas (as purificações), a minha mente já está muito mais focada para o propósito do Yoga. Gosto especialmente do nauli (auto-massagem abdominal) ? mas talvez seja o meu ego que gosta, pois sei que nem toda a gente consegue e, como eu consigo mais ou menos, fico contente. O facto é que me dá prazer ver a barriga movimentar-se daquela maneira, parece que tem vida própria! A temperatura do corpo sobe e a sensação é que o abdómen, o plexo solar está pronto para praticar, está desbloqueado para o uddiyana bandha.(recolhimento do baixo ventre). O fogo interno acende-se.

A Saudação ao Sol. Os movimentos transmitem gratidão e admiração pela inteligência que cria o sol (sempre que a mente mo permite). Acredito que todos temos um sol que brilha cá dentro, que irradia luz? muitas vezes anda tapado pelas nuvens do medo e do apego, mas o Yoga é a chave para que esse sol interior brilhe. Durante a saudação ao sol, tento assim conectar os meus raios de luz com os do Universo e agradecer. Tento fluir os movimentos, coordená-los com a respiração e trazer a mente para o propósito do Yoga.

Procuro não me esquecer dos bandhas (fechos energéticos) e começo a notar os benefícios principalmente do uddiyana, pois aumenta efectivamente o espaço entre as costelas e o abdómen, permitindo-nos chegar mais além. De novo, aqui fico na dúvida se é o ego que fica orgulhoso por chegar mais além, ou se sou eu. Logo após o ego dizer: “boa Daniela, estás a fazer bem” ? relembro que sou o observador e que um progresso é só um progresso. E fico em paz?

Houve alturas em que prestava atenção aos que os outros faziam, pensando: “se ele/ela consegue, eu também tenho que conseguir”. Hoje sei que isso não é Yoga e sinto-me grata por ter partido à descoberta de quem sou.

Durante o resto dos ásanas, tento não me esquecer dos bandhas, ir corrigindo as posturas, manter o alinhamento e o equilíbrio, praticar ahimsa e tapas (não-violência e auto-esforço) e lembrar o propósito do Yoga ? Moksha. A mente interfere várias vezes dizendo: “gosto deste ásana, estou farta de estar nesta posição”, etc. Mas normalmente esses pensamentos vêm seguidos da consciência de que é a mente a falar e observo. Volto à postura, tento corrigir, observo o corpo, penso em Shiva.

Gosto das práticas puxadas fisicamente, faz-me sentir viva e acordada. Ver até onde posso ir, onde tapas deve passar a ahimsa. No final, vem a invertida sobre a cabeça. Esta postura traz-me um conforto que não consigo explicar. É como se o mundo ao avesso fizesse muito mais sentido. Tudo pára enquanto estou ali.

A primeira semana do curso de formação que estou fazendo abriu-me interiormente. Foi muito intenso, tive mesmo alguma dificuldade em lidar com as minhas emoções nos primeiros dias. Conseguir dar passos na invertida sobre a cabeça é um dos resultados práticos dos ensinamentos dessa semana.

Yoga Nidra (relaxamento). O corpo pára, mas torna-se mais complicado parar a mente. Tento prestar atenção aos sons da música, se houver, ou aos sons internos. Contudo, noto que nesta postura, se houver algo que não esteja no lugar dentro de mim, revela-se com mais intensidade. Noto que a mente ‘se aproveita’ do relaxamento do corpo!

Qualquer que seja o pranayama, reparo que a mente fica focalizada para o mesmo. Reparo também que as vias respiratórias ficam mais limpas. Procuro lembrar-me dos bhandas e observo também os seus benefícios. O pranayama limpa-me e foca-me.

Finalmente, a meditação. Só o facto de me sentar em padmasana já me leva àquele espacinho confortável do qual não queremos sair?

Começo por tentar acalmar a mente, trazer a atenção para o momento. Deixo abrir as portas do coração, acolhendo todos os seres e desejando que todos sejam felizes. E procuro desenvolver a compaixão durante uns minutos. Lembrar que todos procuramos o mesmo ? estar bem e ser livres do sofrimento. E assim aceitar todas as pessoas, principalmente as que magoam os outros. Os pensamentos vão e vêm, eu observo e deixo-os partir. Depois começo a focar a atenção na respiração. No ar que entra e que sai, na observação do acto de respirar. Por vezes, imagino-me sentada no globo, como se ele fosse pequenino, e eu estou ali sozinha a olhar para o céu estrelado à noite.

E, como se fizesse um clic, sensações novas invadem o meu corpo. Sinto-me grande, não caibo no quarto… a seguir sinto-me pequenina, como se o corpo de enfiasse dentro dele próprio, ficando só com cabeça. O corpo é só cabeça…. depois sinto-me a viajar a grande velocidade, com o vento a bater-me na cara… E, perante tantas sensações novas, a minha mente está ali, desperta e a captar. Não consigo explicar, mas sinto-me a mergulhar nas profundezas de mim. É o não haver emoções, contactos, sons? aprecio como tudo é ilusório.

Mas nem sempre tenho estas sensações. Na grande maioria das vezes, limito-me asentir-me voltar para casa. Deixa de existir vazio, pois eu sou o próprio vazio. Aprendo a escutar um silêncio cheio de sabedoria, a ouvir o som do meu ser, a ver no escuro. Sou invadida por uma paz que preenche todas as células, emano amor? Tudo o que nesse dia desagradou o ego, ali desfaz-se… Como se estivesse a fazer uma limpeza interior. Ali, eu sou.

E, antes de abrir a porta ao mundo exterior de novo, peço que todos os seres sejam felizes, que haja paz e agradeço aos meus guias?. Por tudo. Noto-me mais desperta, mais alegre e mais enérgica depois da prática ? corpo e mente estão alerta, mas estão em paz.

Quando vou tomar banho antes de ir trabalhar, vou motivada, pois estou em paz comigo, feliz por estar viva e com força para o dia que começa. Tudo está bem.

A prática termina, mas esforço-me por me manter presente durante todo o dia. Lembrar que existe uma inteligência universal permeando o todo.

Daniela, é praticante de Yoga no Porto, Portugal. Pepara-se atualmente para ser professora com Pedro Kupfer. Seu email é motadeni@hotmail.com.

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6 respostas para “Radiografia de uma prática”

  1. Daniela, lindo!
    Obrigada pela partilha destas palavras tão bonitas e verdadeiras. um beijo grande e continua a escrever.

  2. Querida amiga… é bom saber que o yoga,está a mudar a tua vida,e que te está ajudar a encontrar caminhos novos. Tudo aquilo que andavas a procura. fico feliz de ter feito um pouqinho parte desse inicio,ao te apresentar o “MESTRE”.. HEHEHEH. MIL BEIJOS…SAUDADES TUAS
    PAT

  3. Danielita querida, liiiinda amiga mía!!…acabo de leer tu escrito, y realmente me quedé muy emocionada con tus palabras, por saber con más profundidad lo que vivencias durante una práctica de Yoga. Agradezco que lo hayas compartido, asi podemos aprender más, todos los que estamos a aprender en este camino que nos une.

  4. Muito bom, Fupi…. continua a praticar e a partilhar… (um belo exemplo daquela frase do filme, lembras-te?). Beijo grande

  5. Olá Daniela! Você conseguiu traduzir em palavras a prática de Yoga, é um texto maravilhoso. Sou iniciante, mas já consigo perceber a mágica que é praticar Yoga. Seu texto foi simplesmente emocionante. Silce.

  6. Oi Daniela, Que lindo texto! Quando li ,me senti verdadeiramente dentro de uma pratica de Yoga. Parabéns!

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