Meu nome é Lakshyan Schanzer. Pratico e ensino Yoga e meditação desde 1971. Também sou psicólogo e trabalho com uma abordagem meditativa na psicoterapia. Esta é a primeira vez em que escrevo algo sobre minhas experiências com Nisargadatta Maharaj.
Em 1978, já praticava e ensinava há pelo menos sete anos (principalmente, Yoga Integral) e havia alcançado um ‘muro’ em minha prática. Eu estava tendo maravilhosas experiências/resultados dia após dia. Contudo, para mim, estas experiências eram apenas isso: somente experiências. Sim, eram importantes e curativas, traziam revelações e idéias sobre minha história, liberavam profundos sentimentos, guiavam-me para o próximo dia, e refinavam premonições sobre o futuro.
Contudo? como me acostumara a ‘apertar os gatilhos’ que geravam essas experiências, comecei a me perguntar: ‘Há algum valor além destes efeitos condicionantes temporários, da prática regular?’ Isto é, se nos experimentamos como o resultado dos condicionamentos, e se a prática é somente para criar-se uma condição de corpo-mente sattviko, cultivar uma condição no lugar de outra dará alguma liberdade real?
Apesar de meu raciocínio pessimista, é claro que continuei a minha prática. Obviamente é melhor condicionar-se a ter experiências de vida positivas do que negativas. Mas por causa do meu senso de verdade ou, talvez, pela tendência científica, eu realmente não estava satisfeito em pensar que o resultado da prática era apenas um estado de condicionamento.
Comecei a fazer-me perguntas do tipo ‘era apenas mais sortudo do que aqueles que não praticavam?’, ‘O que aconteceria se minhas condições mudassem de forma que eu não pudesse continuar esta prática de sadhana (ou seja, se minha saúde ou meios de sobreviver mudassem)?’, ‘Como poderia meu estado sattviko realmente ser diferente do sofrimento não-sattviko de qualquer outro?’.
Comecei a fazer estas perguntas aos meus professores, questionando-os se algo estava faltando em minha prática. Muitos, realmente, não entendiam meu problema. Na melhor das hipóteses, a resposta era ‘apenas pratique mais’.
Eu acredito que foi este tipo de auto-examinação que me levou a Maharaj. Eu já havia começado uma carreira integrando prática meditativa com o mundo da saúde mental e psicológica.
Interessado em continuar meus estudos, especialmente sobre a integração do Yoga em ambientes médicos, e esperando levar estas questões para algum guru conhecido ou desconhecido, planejei uma viagem para a Índia em dezembro de 1978.
Organizei a visita para vários centros, ashrams, até mesmo hospitais, e, é claro, gurus. Eu nem sequer sabia que Nisargadatta existia, embora eu fosse direcionado a vê-lo. Assim, após dois dias da minha chegada a Bombaim, um dos monges-chefes (acho que seu nome era Pierre) no ashram de Svami Muktananda disse: ‘Como o meu guru não está aqui agora, você realmente deve conhecer um mestre completamente iluminado. Aqui está o endereço dele’.
O que segue neste texto são algumas das minhas primeiras impressões do meu primeiro encontro com Maharaj, que tomei como notas durante a viagem.
Maharaj dá-nos as boas-vindas.
‘… o motorista do táxi estava tendo problemas para localizar o endereço. O apartamento de Maharaj estava localizado na rua Ketwadi, uma humilde área residencial, não longe do distrito das prostitutas. Os vizinhos não sabiam dizer-me onde encontrar este jñana yogi, embora ele estivesse residindo e ensinando lá há vários anos.
Finalmente, após achar o apartamento, um dos devotos de Maharaj viu o táxi e estava direcionando as pessoas a subirem para uma minúscula sala, talvez de 3,5 x 3,5m. Havia em torno de dez pessoas já sentadas ao redor de um homem velho, pequeno e robusto.
Maharaj inspecionou cada pessoa à medida que subiam para o andar onde ele dava satsang. Assim que sentei, tive um tremendo sentimento de pressão em meu coração. Senti-me como se estivesse chorando. Decidi apenas sentar e ficar com esse sentimento.
Guruji e Mularpattan.
“Maharaj sentou conversando com Mularpattan, um tradutor. Era uma discussão livre e aberta com Maharaj, respondendo às questões feitas pelo grupo. O tópico era sobre como treinar a mente para que ela permanecesse não-identificada com as suas percepções. O assunto e a discussão estavam totalmente afinados com os meus pensamentos e os meus esforços para entender os efeitos da prática. Eu estava em casa. E, apesar da minha decisão de sentar e refletir, peguei-me apenas mergulhando, fazendo perguntas.
O grupo.
“Estar com Maharaj era uma alegria! Existia muita alegria e felicidade em seus gestos de expressão e nas respostas para o grupo. Eu estava cativado pela energia em torno dele. Ao final de uma das visitas, Maharaj perguntou: ‘Quantos de vocês entenderam o que eu disse?’. Uns poucos entre nós levantaram as mãos. Para estes, ele disse: ‘Então vocês não precisam mais voltar’. Então anunciou: ‘E aqueles dentre vocês que não entenderam, também não precisam mais voltar’. Finalmente levantou a questão: ‘E quem estará aqui amanhã?’ Todos levantaram as mãos!
Acendendo um bidi.
Existia algo sobre o lugar a partir do qual ele falava que era intelectualmente tão impressionante e atrativo, pela sua lucidez, franqueza e espontaneidade. Eu também havia lido Ramana Maharishi e me sentia atraído por seus ensinamentos. Minha própria prática era acompanhada desse jeito analítico. Contudo existia um homem que o estava experienciando constantemente.
“Está claro?”
Maharaj era o mais despretensioso guru que havia conhecido. Ele fumava constantemente bidis, cigarros indianos feitos de folhas enroladas. Vestia-se de maneira simples e, algumas vezes, roupas levemente manchadas (e então brincava como ele era conhecido por sua aparência elegante).
A cada manhã chegavam ao pequeno apartamento oferendas de frutas e flores. Eu observei Maharaj decorando seu altar para a meditação e conversando com a sua esposa. Ele saia para ir ao banheiro e conseguia ouvir os seus sons de lá… Ele era completamente normal e humano em seu comportamento.
Aparência.
Ainda assim, com a sua aparência de normalidade diária, era o guru que estava respondendo às minhas questões sobre ‘prática’ e ‘condicionamento’ com misteriosa precisão, mesmo que ele não falasse inglês. Aqui estão algumas das minhas percepções perto do fim dessas visitas:
1. A existência ‘corpo-mente’ não é uma realidade. Ou seja, qualquer experiência subjetiva ou pensamento ou objeto, é condicionado pelo tempo, mutável e, portanto, pela definição, não real.
2. Aquilo que é real, é permanente, imutável e incontaminável pelo irreal, ou seja, aquilo que é real, nunca pode combinar com o irreal.
3. A realidade é no sentido do ‘Ser”, e Isto é a realidade que procuramos na prática do Yoga.
4. O desapego começa com essa percepção. Este é um entendimento muito mais profundo de desapego do que a idéia de simplesmente privar-se de desejos. Isto é, as experiências subjetivas (percepções, pensamentos e sentimentos) também são objetos mutáveis e, por isso, também não são reais.
Estes apontamentos podem parecer com ‘pregação religiosa’. Mas, para mim, eles eram a resposta para as minhas idéias sobre condicionamento, e se tornaram a fundação de meu acesso ao Yoga. Isto é, ‘prática’ não é ‘condicionamento’. Ao invés de estar criando uma condição de corpo-mente, a prática remove os condicionamentos. Prática é realmente uma restauração, trazendo a pessoa ao original, pré-condicionado senso do ser.
Maharaj e o autor deste texto.
Minha experiência com Maharaj nem sempre foi serena. Um dia, um grupo de discípulos de um dos mais populares gurus da época veio para um satsang. Maharaj deleitou-se em desafiar esses estudantes. Maharaj ostentou quão boas eram suas conversas: ‘Vocês nunca acharão alguém que fale como eu!’ Também o observei dizendo a seus estudantes: ‘lembrem-se de mim como o Senhor Krishna’, como parte de suas práticas.
Tendo estado com um bom número de gurus, minha mente estava chocada. Desde quando um Jnani ensina buscadores a adorá-lo? Por que essa fascinação em derrotar estudantes de outros professores? Deixei o satsang sentindo-me desgostoso e perturbado.
Na próxima manhã eu resolvi confrontar Maharaj. Mesmo sendo maravilhoso o que senti sobre os apontamentos entre o real e o irreal, essas dúvidas precisavam ser esclarecidas! Perguntei a Maharaj por que ele disse essas coisas para os estudantes visitantes. Maharaj disse: ‘O que ensino aos outros não é para seu uso’. Contudo, Maharaj também mexeu com minha raiva. Ele disse que se tivesse tais dúvidas que eu deveria partir. As pessoas no grupo ficaram chocadas.
Ainda assim, algo em mim acendeu. Vi Maharaj atuando completamente como exemplo de desapego. Ele não estava realmente pedindo-me para ir (o que eu poderia fazer, se eu fosse apegado a ter raiva da hipocrisia percebida).
Ele estava me pedindo para não ficar à mercê de nenhum estado subjetivo. Agradeci-lhe, dizendo que meu falatório era para que eu me tornasse quieto (no silêncio do meu Ser). Maharaj parou, aparentemente pensando nisso, e então passou para a próxima pergunta.
Senti outra mudança em mim, de ‘deixar ir’ e sentindo completamente o espontâneo ‘agora’. Minha excitação inicial de estar com este guru voltou e ainda com mais força e claridade.
Esse senso de espontaneidade de presença resistiu. Senti que me havia conectado com algum senso de fonte no qual o homem que chamamos ‘Maharaj’ estava operando. Lembro-me de um outro incidente próximo ao fim da minha estadia com ele que ilustra isso. Em determinada ocasião, Maharaj incitava as pessoas a perguntarem.
Ele falou a um companheiro com barba: ‘Você tem uma barba. Você deve ser sábio. Faça algumas perguntas!’ Absorvido no senso da fonte espontânea, percebi minha boca abrindo-se e dizendo ‘a barba cresce por si mesma! A sabedoria está neste estado espontâneo!’ Maharaj apressou-se em meu comentário: ‘Exatamente isso! Tudo acontece dessa forma!’
Em tudo, desde o início de minha breve visita a Maharaj, senti-me aprovado como um buscador que encontrou algo que nunca foi perdido. E por isso serei sempre grato.
O Dr. Lakshyan Schanzer é psicólogo e ensina Yoga há mais de 30 anos, nos EUA. Seu website é www.bodymindri.com
Tradução por Rafael Kraisch: www.yogabhumi.blogspot.com
Este texto foi publicado originalmente nos Cadernos de Yoga: www.cadernosdeyoga.com.br
As fotografias que ilustram este texto foram feitas pelo autor.
Ótimo artigo, traz mesmo a vibe do mestre… Pedro, escrevi umas linhas sobre minha experiência pessoal com Tantra e Vedanta, na forma de reflexões… Fico imaginando se poderiam ser uteis a alguem. Voce deve ser muito atarefado e solicitado mas, se disporia a dar uma olhada e, caso julgue adequado, utilizar da maneira que bem entender? Agradeço!
Harih Om!
Link ok e testado Eu sou Aquilo” https://mega.nz/#!qqwlBKBD!a13kS2Mf5BpARkrUW75cabubcEaqHKJ1smr6s1DHsbQ?
Link ok e testado Eu sou Aquilo” https://mega.nz/#!qqwlBKBD!a13kS2Mf5BpARkrUW75cabubcEaqHKJ1smr6s1DHsbQ?
Gostei da tradução. É sua, Pedro?
A “Resenha do livro Eu Sou Aquilo” tambem achei muito legal. Será que eu podia publicar no meu blog? Para quem gosta de Nisargadatta e não-dualidade, alguns artigos e algumas conversações interessantes no blog da Editora Advaita: http://editoraadvaita.blogspot.com/
Um grande abraço a todos e Shanti Shanti Shanti.
André.
Sim, André,
é claro que pode citar/reproduzir esses textos no seu blog. Este artigo foi escrito pelo nosso querido amigo Lakshyan, que aprendeu a falar português por ter morado aqui no Brasil durante um bom tempo. Rafael Kraisch, professor de Yoga em Joinville, fez a tradução. A equipe editorial dos Cadernos de Yoga (www.cadernosdeyoga.com.br), onde este texto foi originalmente publicado, fez a revisão do texto. Por favor, não esqueça de dar os créditos para eles. Obrigado!
Namaste!
Pedro.
Obrigado pelo retorno, Pedro!
E pela costumeira generosidade… 🙂
Um grande abraço e Namastê!
André.
Caro Dr Lakshyan, fico feliz de saber que esteve com Shri Nisargadatta. Um dia gostaria de conhece-lo pessoalmente para poder compartilhar sua sua presença com Ele. Este ano espero ir a India conhecer o local onde dava os Satsangs e os devotos que estiveram em Sua presença.
Com gratidão pelo seu texto.
Namastê!
Vidroh
Muito interessantes os relatos sobre Maharaj. Só fiquei me questionando o motivo de o autor do texto deixar a impressão de “diminuir” a religiosidade. Num determinado momento o autor escreve ” Parece até pregação religiosa”, dando a entender que religião é algo negativo, ou algo para pessoas “inferiores”. Seria, sim, pela ótica de Karl Marx onde a religião é o ópio do povo ou dos capitalistas neoliberais que acreditam que todos os mulçumanos são sectários religiosos, fanáticos, intolerantes as diferênças naturais da sociedade humana. Porém não devemos nos esquecer que o caminho do yoga é Sanatana Dharma e que uma pessoa espiritualmente avançada é naturalmente piedosa e religiosa. A final religião vem de religare ou seja visa a nos religar a nos unir a causa de todas as causas.A verdadeira religiosidade uni e não dividi, portanto numa visão mais ampla e ecumênica um religioso espiritualmente avançado pode ser um grande yogi. Namaste!