O Holi, conhecido como Festival das Cores, é uma das celebrações mais vibrantes e célebres do calendário hindu. Além de sinalizar a chegada da primavera e o triunfo da bondade sobre o mal, o Holi carrega também um profundo simbolismo, que nos convida a refletir sobre alguns ensinamentos fundamentais do dharma e do Yoga.
O mito de Prahlāda, Hiraṇyakaśipu e Holikā
O simbolismo de Holi remete-nos à história do menino príncipe Prahlāda, seu pai, o demônio Hiraṇyakaśipu, e a sua malvada tia, Holikā. Prahlāda era um devoto fervoroso de Viṣṇu, mas seu pai, tomado pela egolatria e ébrio de poder, pretendia ser adorado como um deus e ficava revoltado com a devoção do filho.
Hiraṇyakaśipu tentou matá-lo várias vezes sem sucesso. Um dia, ordenou que Holikā, sua irmã, levasse Prahlāda para uma gigantesca fogueira, pois ela possuía um manto mágico que a tornava imune ao fogo. No entanto, pela graça de Viṣṇu, o manto envolveu Prahlāda, que cantava incessantemente os nomes de Viṣṇu. Os mantras protegeram o devoto, enquanto Holikā foi consumida pelas chamas.
Prahlāda é lembrado na narração da Viṣṇu Purāṇa como um menino santo, encarnação da pureza, da inocência e da devoção, verdadeira antítese do seu pai, o demônio Hiraṇyakaśipu. Na Bhagavadgītā (X:30) Śrī Kṛṣṇa faz a seguinte declaração em relação ao menino bhakta, mostrando seu respeito em relação a ele:
prahlādaścāsmi daityānāṁ kālaḥ kalayatāmaham .
mṛgāṇāṁ ca mṛgēndrō’haṁ vainatēyaśca pakṣiṇām || X:30 ||
“Entre os Daityas, sou o devoto Prahlāda; entre as medidas, sou o Tempo;
entre as feras, sou o leão; e entre os pássaros, sou Garuda.”
O fim de Hiraṇyakaśipu
Hiraṇyakaśipu era filho do sábio-yogin Kaśyapa e da demônia Ditī, e irmão de Hiraṇyakṣa, que foi morto pela terceira encarnação de Viṣṇu na forma do javali, Varaha. Irritado com a morte de seu irmão, Hiraṇyakaśipu realizou uma prolongada e rigorosa prática de tapasya (austeridade) para ganhar o favor do deus demiurgo, Brahmā.
Atendendo ao seu pedido, o criador finalmente concedeu-lhe uma curiosa bênção: ele não poderia ser morto por nenhum homem nem animal, nem por nenhuma arma, nem dentro nem fora de algum lugar, nem durante o dia nem durante a noite, nem no céu nem na terra. Assim, o rei acreditava estar protegido de todos os perigos e, consequentemente, ser imortal.
Com o tempo, ele se tornou arrogante e tirânico, forçando todos a adorá-lo e perseguindo com sanha seu filho Prahlāda. Assim, o deus da preservação, para salvar o menino devoto, assume a forma do avatar Narasiṁha, o Homem-Leão.
Nessa forma terrível e feroz, Narasiṁha apareceu desde dentro de um pilar no portal (nem dentro, nem fora) do palácio de Hiraṇyakaśipu durante o crepúsculo (nem de dia, nem à noite), o colocou sobre suas coxas (nem na terra, nem no ar), e o matou com suas próprias garras (sem usar armas), respeitando assim as condições da bênção de deus criador mas fazendo justiça e protegendo o menino Prahlāda.

Qual é o Significado do Holi?
Esse mito simboliza a vitória da confiança, a entrega e a devoção sobre a arrogância e o egoísmo. A celebração do Holi começa quando se acende a fogueira de Holikā, que representa a queima das impurezas, da falta de visão clara e dos hábitos perniciosos, promovendo assim um renascimento para a dimensão da espiritualidade.
Holi não é apenas um festival de alegria, mas também um momento de reflexão sobre a impermanência da vida e a transcendência das diferenças sociais. Durante a celebração, as pessoas brincam de atirar água e pós coloridos de pétalas umas nas outras.
Essa troca de cores, bastante similar em seus significado às transgressões do carnaval ocidental, representa igualmente a dissolução das barreiras de casta, posição social ou identificação com o ego. Todos nos tornamos iguais perante as cores, refletindo o princípio fundamental hindu de unidade na diversidade.
No contexto do Yoga, a celebração do Holi aponta para a prática do desapego (vairāgyaṁ) e a busca pela purificação emocional e mental, chamada antaḥkaraṇaśuddhi. Assim como as cores desaparecem da pele após a celebração, devemos aprender a desapegar-nos das identificações externas e conectar-nos com Ātma, o Eu real, invariável e eterno.
Além disso, Holi está associado ao Bhakti Yoga, o caminho da devoção, especialmente através das histórias de Kṛṣṇa e Raddhā. O deus Kṛṣṇa, oitava encarnação de Viṣṇu, é conhecido por sua natureza lúdica e brincalhona. Ele toca a flauta, canta e dança com as cores como forma de expressar seu amor pelos devotos, simbolizando a entrega ao divino por meio da alegria e da celebração.
Esse aspecto lúdico da celebração do Holi reforça a ideia de que a espiritualidade pode ser vivida com leveza e entusiasmo, longe da rigidez e austeridade características de alguns movimentos religiosos.

A importância de Holi no caminho do Yoga
Para os praticantes de Yoga, o simbolismo do Holi reserva valiosas lições:
- Queima do ego: Assim como Holikā foi consumida pelo fogo, devemos permitir que o fogo do autoconhecimento destrua o orgulho e o apego e purifique o ego.
- Unidade e igualdade: A dissolução das diferenças através das cores reflete o ensinamento de que todos os seres somos essencialmente idênticos, manifestações do Ser Ilimitado, Brahman.
- Alegria e espontaneidade: O Yoga não é apenas disciplina e esforço, mas também um caminho de alegria e celebração.
Holi, portanto, não é apenas uma explosão de cores numa data determinada, mas um convite à transformação interior, ao desapego e à vivência da espiritualidade com leveza e amor. O festival nos lembra que a liberdade real acontece quando nos rendemos à dança cósmica da vida, sem medos e com o coração aberto. ॥ हरिः ॐ ॥
Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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