Āsana, Pratique

Esforço e não-violência na prática de ásana

Em geral nós, praticantes de Yoga, estamos familiarizados com o conceito de ahimsa, a não-violência, atitude que permeia – ou deveria permear – toda a nossa prática. Sabemos que ahimsa abrange muito mais do que o âmbito da prática pessoal, estendendo-se a todos os relacionamentos e a todas as formas de vida (que têm direito à existência tanto quanto nós), dentre outros desdobramentos e aplicações desse yama.

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Em geral nós, praticantes de Yoga, estamos familiarizados com o conceito de ahimsa, a não-violência, atitude que permeia – ou deveria permear – toda a nossa prática. Sabemos que ahimsa abrange muito mais do que o âmbito da prática pessoal, estendendo-se a todos os relacionamentos e a todas as formas de vida (que têm direito à existência tanto quanto nós), dentre outros desdobramentos e aplicações desse yama.

No entanto, gostaria de discutir aqui a não-violência em relação a nós mesmos e às nossas possibilidades durante a prática de ásanas, bem como fazer uma reflexão acerca do limite – que por vezes pode ser sutil para alguns praticantes – entre tapah e ahimsa. É desejável que tapah, o esforço sobre si próprio, esteja presente durante a nossa prática. Precisamos de uma atitude interna de foco e de empenho quando praticamos. Não existe muita divergência a esse respeito.

O desacerto pode ocorrer quando deixamos de reconhecer a linha que determina o fim desse niyama e o início de uma prática em que o esforço exagerado nos leva a himsa, ou seja, dano ou violência – não somente dano ou violência físicos, mas também a cobrança e aflição a que podemos submeter nossa mente ao confundirmos esforço com sofrimento.

As considerações que faço neste texto decorrem exatamente dessa confusão: o desejo de realizar um ásana a qualquer custo (indo além das fronteiras de tapah e ignorando ahimsa) teve como consequência uma lesão no punho, o que me levou a refletir sobre o tema.

Passei a me observar mais e entender que meu corpo tem limites que não significam falta de perfeição, insuficiência ou defeito. O reconhecimento desses limites não é sinal de que não estamos nos esforçando ou de que somos pessoas limitadas, mas sim de que entendemos e respeitamos nosso
corpo como ele é e que devemos encontrar outras possibilidades de executar uma postura, com as adaptações que para nós sejam necessárias.

A auto-observação constante é de grande ajuda na identificação desses limites. Dor ou grande dificuldade em realizar algo pode indicar que nos aproximamos do ponto além do qual não desejamos ir e talvez devamos retroceder um pouco.

Cultivar o estado de contentamento (santosha) independentemente da situação, isto é, no caso de nossa prática pessoal, compreender que talvez não consigamos executar completamente alguns ásanas sem que isso nos aflija, também é importante para que fiquemos estabelecidos em ahimsa.

Fazer ou não fazer um ásana, seja por que motivo for, não nos torna yogis ou yoginis ‘melhores’ ou ‘piores’, tampouco facilita ou dificulta nosso caminho em direção à moksha, a libertação que é o objetivo do Yoga.

O Yoga vai muito além das posturas que conseguimos executar ou não, e esse é o entendimento que devemos alcançar para não nos esforçarmos além da conta, já que isso não faria o menor sentido dentro do que buscamos no Yoga nem nos auxiliaria nessa busca.

O propósito do Yoga não deve ser ignorado ou esquecido: segundo Patañjali, a única meta é “nos estabelecer em nossa própria natureza”, o que efetivamente não tem relação com a dificuldade dos ásanas que nosso corpo físico é capaz de fazer.

O ásana “avançado” é aquele em que estamos totalmente presentes e confortáveis. Essa compreensão é essencial para desenvolvermos não apenas uma prática pessoal sadia, mas também a equanimidade e o discernimento em nossas atitudes. Namaste!

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16 respostas para “Esforço e não-violência na prática de ásana”

  1. Daniela,
    belíssimo texto, e muito oportuno. apesar das considerações do ricardo – centrado de modo bem rigoroso nos textos e conceitos originais -, entendo como bastante útil e sábia a aproximação \\\’leve\\\’ que você faz entre esforço e violência.
    Quem de nós nunca presenciou/vivenciou a ocorrência de lesões (físicas, psicológicas) ocorridas pela não observância de alguns dos sentidos mais profundos e importantes da prática e do objetivo do yoga?
    São instrutores e praticantes constantemente entrando numa lógica \\\’competitiva\\\’ (consigo mesmo, com outros, até mesmo com ideais ou modelos) que está muito distante do desprendimento e auto-realização que a prática deve ter em vista e que, sim, termina por traduzir-se consequentemente em himsa.  
    A lógica da ginástica e do esporte, enfim, da cultura física ocidental, e suas relações com a ruptura de limites a todo custo, pouco tem a ver com a persistente e suave disciplina que o yoga impõe ao praticante. e qualquer texto ou debate que venha a recolocar as coisas em seus lugares é, pra mim, de grande importância. parabéns, querida! namastê!
    ===
    PS para Ricardo: outros já comentaram com muita propriedade a afirmação “você não é o corpo”, e eu gostaria apenas de meter mais uma colherzinha.
    A doutrina Advaita diz que você é o corpo E TAMBÉM isso E TAMBÉM aquilo e etc…
    Um (zen) budista diria que você não é o corpo NEM isso e NEM aquilo… essa discussão não teria fim 🙂 mas, sem nos referirmos aos grandes ascetas, praticamos yoga com o corpo.
    Com TODO o corpo (atenção plena, concentração, respiração, etc). meu antigo mestre disse que, quando executamos um asana de modo perfeito, TUDO O QUE SOMOS o executa.
    Sendo assim, tudo o que fomos também o executa, e tudo o que o seremos. sendo assim, tudo o que nos cerca o executa, todo o nosso mundo, todo o mundo o executa. assim, quando executamos um asana de modo perfeito, TUDO É O ASANA. então, onde está o cara que o \\\’executa\\\’? 🙂 o asana simplesmente é.

  2. Muito saudável este debate.
    O questionamento é fundamental para o aprendizado. Só um detalhe que gostaria de acrescentar, se me permitem. Sobre as afirmações de “você não é o corpo” existe um equívoco muito comum na interpretação dos shastra-s.
    O correto é: “você não é só o corpo”. Quando diz “você não é o corpo” acaba afirmando uma dualidade. Existe “o corpo” e existe “você”, o que não confere com a visão não-dual do Yoga.
    A experiência de dualidade é presente, mas é um adhyaasa, uma superimposição, que é eliminada através da metodologia do ensino tradicional que inclui shravanam, mananam e nidhidhyaasanam.
    Harih Om!

  3. Querida Dani,
    Adorei seu texto, concordo com tudo o que escreveu. Parabéns!
    Beijo grande,
    Flori.

  4. Oi Ricardo,
    Namaste!

    Tenho algumas colocações a fazer sobre suas observações: Por mais que você separe tapas de ahimsa, classificando-os em suas respectivas “classes”, ambos são valores e se correlacionam.
    Eu dou um nome especial a este meio-termo: bom-senso. Pessoalmente traduzo tapas não como esforço, mas com um empenho que coloco para alcançar um objetivo. Pode ser físico ou de qualquer outra natureza.
    Ahimsa é não-violência, mas como você mesmo disse, é um valor que se torna bem subjetivo, dependendo do ponto de vista. Então o bom-senso é aquele ponto de equilíbrio entre o empenho e aquilo que não me fere.
    Devo me esforçar, mas o objetivo não será alcançado por este esforço. Te pergunto: O que um nagababa conquista com o braço levantado por 20 anos? Tem formas e formas de austeridade: algumas são mais sutis que outras.
    Em um texto de Ramana Maharshi, chamado Sadarsanam, ele cita este esforço em um dos versos: “Como pode haver discussão sobre destino e esforço? Só existe para aqueles que não conhecem a raíz daqueles dois. Para aqueles que conhecem bem a raíz do destino e do esforço, não existe nem destino, nem esforço.”
    Esta raíz a ser conhecida o Ser,e a natureza do Ser não permite uma relação com o destino ou o esforço, pois estes são apenas para mente e para o corpo. O esforço ou empenho que um yogi emprega chama-se mumukstvam, ou o desejo por liberdade.
    Um purusartha, ou literalmente, o empenho de uma pessoa. E este empenho não me fere, pelo contrário constrói um corpo saudável e cultiva antahkaranashuddhi, ou seja, prepara a minha mente e intelecto.
    Voltando um pouco, neste mesmo texto, é dito: “O sábio e o ignorante são iguais na identificação de si mesmo com o corpo. Para um, o Ser está brilhando no corpo, no intelecto, o Ser completo, preenchendo o corpo e o mundo. Para o outro, o Ser é somente o corpo que é visto.”
    O sábio se identifica com o corpo também, pois ele sabe que é o corpo que age. Quando ele diz eu faço, eu vou, quem vai é o corpo, não o Ser, mas ele está naquele corpo. O sábio sabe que deve realizar ações para viver a vida.
    Para se manter (respirar, comer, pensar…). Mas ele entende que não é o corpo. Você não é o corpo, mas isso não significa que você deve abrir mão dele. E segundo a tradição do Hatha Yoga, esta austeridade também não fere ahimsa. Para os hatha yogis a intenção é que o corpo e mente se tornem tão puros e lapidados quanto um diamante.
    Um grande abraço!!

  5. Dani querida,
    Parabéns pelo texto! Sua reflexão é muito importante, ainda mais porque é fruto de algo que você experenciou no seu corpo e não apenas elucubrações teóricas.
    Mil beijocas,
    Dri.

  6. Minha querida,
    Fico muito feliz de te ver estudando, aprendendo, reconhecendo e vivendo esses aspectos tão fundamentais na vida… Que teu caminho seja iluminado!
    Namastê!

  7. Cara Daniela:
    Obrigado por escrever seu texto e levantar essa discussão. É engraçado mas eu realmente não vejo essa questão sob este mesmo prisma. Vou descrever rapidamente como eu a vejo e peço que vc avalie.
    a) Ahimsa é um Yama, ou seja, relação do Yogi com o meio… não com ele mesmo.
    b) Tapah é um Niyama, ou seja, relação do Yogi com ele mesmo.
    Portanto a idéia de “balancear” ahimsa com tapah não faz sentido. Em especial na Hatha Yoga onde a austeridade com o corpo físico faz parte da tradição. E dou o seguinte exemplo: um nagababa que levanta o braço e o mantém por 25 anos estendido, não conhece ahinsa? Não, não acho que seja isso.
    O que ocorre é que aquilo que vc realmente é, não é o corpo nem a mente, portanto não há “violência” na austeridade com o corpo. Nem com a mente. Acho que o problema que vc relatou, lesão devido a tentativa de superação, não tem a ver exatamente com a lesão, mas tem haver com o significado disso para vc.
    Se a superação for a superação do apego ao mundo material, então okay, isso pertence a Yoga, se a superação for a superação movida por sentimentos egóicos, ai então, sorry, mas não é ahimsa… Porque, nem é yoga. Bem, acho que a idéia de querer empregar a ahinsa em todo lugar é até uma idéia bonita, cool, porém, não.
    Sri Krshna recomenda que Arjuna mate o inimigo. Então sugiro que vc reflita sobre o motivo da sua tentativa de superação. Dependendo do motivo, vc pode até amputar seu braço, e não estará ferindo ahimsa.
    Vc pode até manter seu braço estendido por 20 anos e deixar suas unhas ficarem enroladas como um sacarolhas, e não estará ferindo ahinsa. Porque vc… não é o corpo.Eis aí  um tema para discussão. Apesar de não concordar com seu texto, agradeço a oportunidade de participar da discussão desta questão.
    _/_

  8. Dã, Super bacana!
    Realmente é um longo caminho para se alcançar o equilíbrio.
    Beijo grande e saudades.

  9. Dani,
    Interessante o alerta para a não-violência, na tentativa de superação de limites.
    Muito bom!
    Bjs.

  10. ADOREI seu texto Dani!
    Vem nos clarear! Que orgulho fazer parte disso tudo!
    Namastê!
    Eli.

  11. Dani,
    E é assim que a pratica de Yoga nos ensina e nos mostra como nos comportamos no dia-a-dia. Precisamos estar com plena atenção o tempo todo para tentarmos ao menos identinficar esses comportamentos e sentimentos (antes inconscientes) e daí sim buscar o verdadeiro caminho até moksha. Amei seu lindo texto.
    Beijos no coração.
    Lilli.

  12. Parabéns Daniela,
    Seu texto está ótimo.
    Abraço.
    Maurício.

  13. Dani,
    Muito legal…
    Realmente precisamos de muita atenção pra equilibrar tapah e ahimsa!
    Também foi importante para mim ler o seu texto!
    Parabéns!
    Beijos,
    Paty.

  14. Isso se aplica a todos os aspectos da nossa vida. Ótimo artigo!

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