Dez minutos atrás, meu colega de quarto no monastério entrou e sentou-se em silêncio. Senti uma certa tensão nele, apesar de seu silêncio. Ele percebe que eu percebi algo, me mostra o jornal tibetano que esta lendo e diz: “Estão matando pessoas em minha comunidade, no distrito de Dege Jodha, no Tibete”.
Lendo a matéria em língua tibetana, pude entender que em torno de 300 soldados chineses tomaram conta da região, na qual havia suspeitos de liderarem passeatas a favor de um Tibete Livre. Surge uma passeata incluindo muitos tibetanos, entre estes, crianças, jovens, e velhos, monges e laicos. O exército chinês simplesmente abre fogo contra a passeata.
Uma criança de 14 anos de idade chamada Kunga é atingida por uma bala e morre ali mesmo. Muitos outros são também atingidos, caindo indefesos… muitos feridos e alguns em estado grave.
Terminei de ler a matéria e entreguei de volta em silêncio o jornal para meu colega monge.
Ele manteve-se em silêncio por mais um momento, enquanto eu estudava nossos textos sagrados budistas. Novamente olhei para ele. Vi que permanecia em silêncio e percebi que a tensão ainda continuava. Percebi que não tirava os olhos do jornal.
Perguntei se estava tudo bem. Ele olhou para mim e seus olhos se encheram de lágrimas. Ele tentou dizer algo, mas sua voz não saiu, enquanto as lágrimas saltavam dos seus olhos. Conseguiu dizer em voz baixa e tremida: “deixa para lá”.
Olhando nos olhos dele, percebi que ele não conseguiu compartilhar comigo seu sofrimento e tensão, por talvez achar que eu não entenderia, por achar que não sou tibetano, que não tenho família no Tibete, que este povo que está sendo brutalmente assassinado não é o meu povo.
Me senti impotente, sem palavras, sem nada que pudesse fazer para ajudar. Alguns minutos depois, ele diz: “Meu irmão (um khenpo formado em nosso monastério que foi visitar a família no Tibete pouco antes do início destes acontecimentos) que está lá em nossa comunidade ligou e disse que a situação não está boa para ficar lá”. E voltou a ficar em silêncio, com os olhos em lágrimas.
Senti que ele temia de alguma forma que acontecesse algo com seu irmão, com seu pai, mãe e família que vivem lá. São nômades humildes, que vivem a vida cuidando do seus animais, que lhes proporcionam o que precisam para a sobrevivência. Neste momento pensei comigo: a mãe, pai, irmãos e família de meu colega estão em perigo de vida. Ele está tenso, temendo por sua família e sem poder fazer nada desde aqui, além de suas preces.
Pensei em minha mãe, meu pai e irmãos. Todos estão bem no Brasil. Mas e se não estivessem? E se eles estivessem correndo perigo de vida? E se eles estivessem sendo ameaçados de morte simplesmente por manter a aspiração de serem livres novamente, de terem seus direitos de cidadãos, seus direitos humanos?
Talvez eu me movimentasse mais em prol de fazer algo se fosse minha própria família que estivesse nesta situação. Caso fosse minha mãe, pai ou irmãos talvez eu fosse capaz de proteger a vida deles mesmo que a minha própria estivesse em jogo. Pensei no Dharma, pensei nos grandes mestres, pensei no Buddha.
Será que eles assistiriam um filho, seu pai ou sua mãe serem assassinados sem mover-se em direção a evitar tal desgraça, tanto para com aqueles que serão privados de seu nascimento humano precioso, como também daqueles que estão cessando por completo tais vidas?
Percebi que provavelmente por sua profunda compaixão, amor e compreensão provalvemente seu coração e mente moveriam-se em direção a engajar-se em algum tipo de meio hábil para que tal situação não acontecesse.
Tenho ouvido e percebido uma maior manifestação de apoio a S.S., o Dalai Lama e ao povo tibetano por parte de organizações de ONGs que defendem valores humanos e até mesmo de indivíduos não-budistas, do que aqueles que tiveram a felicidade e a boa fortuna de receber o Dharma através do que foi preservado pela tradição tibetana e por seus grandes mestres, que mantiveram não só o conhecimento teórico do Dharma, mas o conhecimento empírico, a realização das palavras de Buddha. Tais dois tipos de conhecimento vêm sendo compassivamente transmitidos para o ocidente, para os ocidentais, por estes mestres. Hoje não é somente seu país que foi tomado, mas são suas famílias que estão sendo assassinadas.
Há grupos tentando manifestar-se em prol desta causa. Esta pressão internacional fez hoje, com que a China, esta grande potência, cedesse à possibilidade de conversar com S.S., o Dalai Lama. Mesmo que esta conversa seja somente para acalmar as críticas e pressão internacional, percebo que o pouco que fizemos já teve algum respaldo.
Aqui fica meu apelo para que aqueles que vêm se esforçando, mesmo que sozinhos, a dar apoio a esta causa, não desestimulem. E para aqueles que ainda não se manifestaram, que coloquem sua mãe, pai, filho e família nesta situação, e por favor apoiem aqueles que estão trabalhando na direção de apoiar S.S., o Dalai Lama para com esta causa.
Fiquei pensando, nossa, como consegui ‘eu’, fazer com que esta potência que é a china, cedesse sua teimosia de não dialogar com S.S., o Dalai Lama? Me senti poderoso, mesmo que o que tenha feita seja principalmente circular informações. Percebi que sozinhos temos a capacidade de dar alguns poucos passos. Juntos temos a capacidade de mover montanhas, abrindo estradas positivas que levem a paz, liberdade e direitos humanos iguais a todos.
Silêncio diário espiritual do interio
Os tibetanos têm todo direito de ganhar essa batalha. Precisamos ser livres em qualquer estágio da vida. Seja ele material ou espiritual. Torço para que o Tibet se torne livre novamente, e vamos orar a Deus que protega os que lá estão diretamente nesta luta. Deus é fiel.