Sem qualquer pretensão de definir religião, e tendo como ponto de partida o meu respeito pelos diferentes credos, entendo-a como um sistema constituído por um conjunto de cânones, valores de ligação ao sagrado, de convicções de fé, base de explicação e entendimento da vida, no qual Deus Criador do Mundo, da Vida e dos Seres, é uma entidade independente da criação.
Pelo contrário e como afirma Feuerstein ‘o yoga não é uma religião no sentido convencional, mas uma espiritualidade”[1] no qual não há um Deus criador no sentido judaico-cristão, distinto da criação. O Mundo, a Vida e os Seres são entendidos como Bhraman ou Íshvara, a manifestação da inteligência superior criadora – Bhrama, o Ser, causa e razão de existência da totalidade da vida conhecida e intrinsecamente ligado a ela. A vida que conhecemos, na sua multiplicidade, é Brahman não diferente do criador, mas a sua manifestação. O Ser e a sua manifestação formam uma unidade essencial que permeia tudo e todos. Estes conceitos têm ligados a si princípios de respeito e compaixão pela multiplicidade das formas de vida. São valores da vida de yoga, valores que pela sua natureza são de espiritualidade.
A consciência de pertença a uma totalidade indivisível, a uma unidade, desperta para a compreensão de si próprio e a compaixão pelo outro como partes integrantes desse todo. O que nos remete para o conceito de Dharma, que enquanto lei universal que governa a vida, ordem e unidade, o que desenvolve o entendimento da necessidade da acção correcta, do respeito pela preservação da harmonia dessa unidade.
Esta é outra diferença crucial entre religião e yoga. Para as religiões a boa conduta durante a vida recebe compensação com a ideia de salvação no paraíso, post morte, para ser feliz.
No yoga a finalidade da vida Moksha ? a libertação do sofrimento (samsãra) pela compreensão do Ser pleno que somos e fruição da felicidade é para ser realizada em vida, através da acção. O importante é entender a pessoa que somos, porque razão aqui estamos, qual o propósito da existência e qual contributo que podemos dar, para que a vida seja a oportunidade de ser, de usufruir o Ser que somos.
As religiões distinguem-se do Yoga ainda ao nível institucional. Refiro-me genericamente às igrejas enquanto ‘braço’ secular do sagrado, entidades oficiais guardiãs e representantes dos cânones religiosos, muitas vezes distantes dos aspectos práticos da vivência da religiosidade no quotidiano, como a aceitação do conhecimento sem sentido crítico, sem questionamento, as normas de condutas que se afastam das emoções e do intelecto de quem busca aí conforto para ser feliz.
Nesse sentido, o Yoga poderá representar uma alternativa de paradigma na espiritualidade ocidental!
Yoga é uma herança espiritual da Índia, que significa união, sendo essa a sua essência. União do indivíduo com a verdade maior de compreensão da própria existência, com a consciência superior ou inteligência omnipresente ? Absoluto ou Brahma ? o Ser.
O Yoga tradicional, autêntico, enquanto uma das seis escolas filosóficas do hinduísmo (darshana), é um corpo de ensinamentos sobre o Ser, que tem como objectivo último Moksha – a libertação do sofrimento, através da compreensão de quem somos e do verdadeiro sentido da vida. O Yoga é uma filosofia prática de vida, que propõe através do estudo das suas escrituras ? os Vedas ? o conhecimento, a sabedoria para encarar as contingências da vida (samsara) e viver a felicidade. O estudo do conhecimento remete para a tomada de consciência do ser ilimitado e pleno que o homem é, integrado no ‘Todo indivisível e completo em si mesmo’[2] que em si é felicidade.
Enquanto ‘disciplina espiritual ou contemplativa’ que ‘nasce do fogo da experiência directa’[3], propõe pela sua metodologia o ‘esforço pela auto-compreensão e pelo crescimento psico-espiritual’ dependente exclusivamente da prática individual nessa procura.
Pela ‘sede de conhecer-se, no mais profundo e absoluto sentido da palavra’ e através de trabalho pessoal ‘o indivíduo consegue desenvolver o Yoga como metodologia sistematizada’ que permite ‘desvendar o estado interior, baseando-se na descoberta de si próprio e auto-superação através da prática.’[4]
Outro aspecto que distingue o Yoga da religião, é não obrigar a qualquer conversão, permitir o questionamento das suas ideias e práticas. Como afirma Feuerstein adverte para a necessidade imperiosa de adoptarmos um estilo de vida assimilado pelas emoções e pelo intelecto.
No Yoga os valores são acessíveis através da prática e a compensação resulta da prática. É um trabalho de estudo sobre si mesmo, de tomada de consciência de si, que pelas características específicas do Ser remete, inevitavelmente, para valores de espirituais, para a vivência de uma espiritualidade, quanto muito devocional relativamente ao Ser, indissociável de mim, o que é diferente de religião.
[1] Feuerstein, George, A Tradição do Yoga. História, Filosofia e Literatura, Editora Pensamento, São Paulo, 2006, pág. 125.
[2] Feuerstein, George, A Tradição do Yoga. História, Filosofia e Literatura, Editora Pensamento, São Paulo, 2006, pág. 26.
[3] Ken Wilker ‘ Prefácio’ in Feuerstein, George, A Tradição do Yoga. História, Filosofia e Literatura, Editora Pensamento, São Paulo, 2006, pág. 13.
[4] Kupfer, Pedro, História do Yoga, 2a edição, Fundação Dharma, Florianopolis, 2000, págs. 14 e 15.