Swāmi Dayānanda Saraswati é um professor de Vedānta reconhecido internacionalmente e um eminente perito em sânscrito.
Ele ensina há mais de 40 anos na Índia e extensivamente por todo o mundo.
Dotado com uma sensibilidade para com a diversidade cultural, ele compreende os problemas sociais, domésticos e psicológicos que as pessoas enfrentam e oferece ajuda pragmática e fundamental para a resolução destes. Excertos da entrevista concedida ao jornal Mauritius Times seguem aqui:
Mauritius Times: Existe a ideia de que os Swamis renunciam ao mundo e passam os seus dias nos Himalayas em meditação. Porquê que está longe dos Himalayas?
Swāmi Dayānanda: Essa é, infelizmente, uma ideia muito comum, mas está errada: os Swamis estão por toda a Índia, e renunciam onde estão.
Não é necessário ir para os Himalayas para fazer isso. Pensar que os Swamis deverão ficar quietos num lugar também é incorreta.
É suposto os Swamis movimentarem-se para que não ganhem raízes num local; antigamente, eles passavam três noites num lugar antes de se deslocarem para um outro sítio.
Mas também existiam outros sadhus que ficavam quietos apenas num lugar. Ainda é possível achar essa tendência hoje em dia na Índia.
MT: A sua presença aqui e noutros lugares revela que você também se importa com os assuntos são lidados na vida mundana. Pode, sucitamente, explicar-nos como uma vida de renúncia acontece na vida do dia-a-dia?
SD: A renúncia é, de facto, uma coisa mental; é sobre crescer em maturidade. Pode-se ir de lugar em lugar ou ficar quieto num lugar apenas, no entanto, pode-se ser livre.
Eu vou a lugares, como este, porque sou convidado; eu nunca vou a algum lugar sem ser convidado. E ensino.
MT: O que é que você ensina?
SD: Eu ensino aquilo que é suposto eu ensinar, nomeadamente sabedoria espiritual e os ensinamento espirituais que estão consagrados nos nossos Vedas, na Gītā, etc.
Essencialmente, eles são acerca de como viver a vida de forma significativa.
Usando termos simples para um leigo, eu diria que eu ensino sobre como tornar a vida mais significativa e como enfrentar situações com uma certa maturidade, compostura, isto é, com a mesma equanimidade de mente perante situações agradáveis e desagradáveis.
Para aqueles que vêm até mim e desejam investigar mais profundamente os domínios da espiritualidade, eu ensino-lhes uma variedade de assuntos, durante três ou quatro anos, incluindo Sânscrito, Gītā, Vedānta, etc.
MT: Uma pessoa na sua posição pode não ter quaisquer preocupações sobre a forma como alguém ganha a sua vida.
Como explica que aqueles que diariamente fazem tudo ao seu alcance para aumentarem os seus rendimentos recorram a pessoas espiritualmente avançadas como você para aumentarem o seu quinhão? O que é que exatamente você lhes dá?
SD: Eu penso que não muitas pessoas compreenderam o que é necessário para ser espiritual. Porém, a sociedade de hoje requer que se tenha uma base espiritual mais profunda.
É muito importante que as pessoas tenham um espaço sagrado em si mesmas. Muitas pessoas desconhecem isso e não parecem estar interessadas.
MT: Como é que se cria esse espaço sagrado?
SD: É isso que estamos a ensinar. Para descobrirmos esse espaço sagrado no nosso interior, a nossa estrutura de valores deverá mudar. Isso requer uma mudança nas prioridades.
As suas prioridades não mudam a não ser que a estrutura dos seus valores mude. Quando a sua estrutura dos seus valores muda, então você já deixou de colocar aquilo que você percepciona em primeiro lugar para algo que é muito mais importante.
Esse espaço sagrado é atingido se você adotar uma atitude objetiva em relação ao valor do dinheiro, o valor do poder, o valor do nome. Qual é o seu valor real?
Nós sobrepomos muito valor a um valor que não o tem inerentemente. Eu não quero que aqueles que vêm até mim abdiquem de alguma coisa; eu quero que sejam objetivos.
Que o dinheiro é tudo não é verdade; é uma falácia. Dinheiro compra um livro, nunca fará você lê-lo. Dinheiro compra uma casa mas nunca o seu lar; demora muito criar um lar.
Necessitamos de mudar a nossa escala de valores, mas é preciso muito autoquestionamento para fazer isso.
MT: A prioridade de uma pessoa pobre que tem de alimentar as suas crianças é tal que ela pode não ter inclinação para o questionamento espiritual, não é?
A sua prioridade em determinado momento pode ser acerca das suas necessidades materiais, não espirituais…
SD: Isso não é verdade. Nenhum pai quer que o seu filho seja toxicodependente ou viciado no jogo, nem agitado, furioso, inquieto ou ciumento o tempo todo.
Os pais estão interessados no bem estar dos seus filhos e que eles sejam mais compassivos, mais objetivos.
Mas estar bem, de acordo com eles, implica ganharem muito dinheiro, terem uma boa casa e casar.
Mas quer os seus filhos sejam bem sucedidos no casamento, tenham casa própria, quer eles consigam gerir bem o dinheiro ou quer o dinheiro os comande a eles – na realidade, às vezes, o dinheiro comanda-os mal – é outro assunto.
Requer de todos nós uma mudança na nossa escala de valores para atingirmos esse espaço sagrado que eu mencionei antes.
MT: A sua ideia de felicidade e a ideia de outra pessoa acerca da felicidade pode ser muito diferente.
Você concede àquela pessoa a liberdade de decidir acerca daquilo que a faz feliz e como ela quer ser feliz, não é?
SD: Vejamos o exemplo de um rei: ele pode ser feliz ou infeliz; assim é para um homem rico ou pobre.
Existe alguma diferença na infelicidade do homem rico/pobre e na do rei? Todos eles são infelizes.
Qual é a diferença na (sua respetiva) infelicidade? Apenas que a infelicidade do homem rico virá nas primeiras páginas dos jornais.
Aquilo que estou a dizer é: infelicidade é infelicidade; felicidade é felicidade; não faz qualquer diferença o tipo de pessoa em causa.
O que faz a diferença é a estrutura dos valores de cada um de nós: alguém pode optar por aquilo que julga que lhe trará felicidade; outra pessoa pessoa opta por outra coisa ou ideia de felicidade.
O rei pensa em termos de ter um outro reino para si. Saddam Hussein pensou nesses termos embora ele já fosse bem sucedido; ele tinha que conquistar o Kuwait para que pudesse satisfazer a sua ânsia por felicidade.
A felicidade não se encontra em nenhum objeto, nem nenhum objeto lhe pode privar da felicidade.
O seu estatuto ou o seu casamento não lhe irão pivar da felicidade: o mundo não lhe irá privar da felicidade, mas também não lhe podem dar felicidade.
A felicidade está consigo, você tem que a possuir, e é por isso que quando você está feliz você não pode vê-la como um objeto.
Quando você vê uma pessoa e torna-se feliz, a pessoa é objetificada, mas a pessoa não pode ser objetificada. Você não pode dizer: isto é felicidade.
MT: É um estado de espírito?
SDS: É você. E a mente desfruta disso. Mas a mente, objeto e você mesmo… todos tornam-se um.
MT: Você diria que o mesmo aplica-se à pessoa que está a sofrer para ganhar a vida?
SDS: A pessoa que não tem poder ou dinheiro pensará que essas coisas a farão feliz. Dinheiro e poder podem trazer conforto, mas é possível estar confortavelmente infeliz.
E, por isso, é preciso mudar a escala de visão, a sua própria escala de valores para conseguir achar a felicidade.
Caso contrário, andaremos à deriva de um lado para o outro a vida toda sem nunca encontrar a felicidade.
MT: Um sem número de gurus inspiradores – os filósofos New Age como Deepak Chopra e outros – emergiram e comandam uma série respeitável de seguidores em todo o mundo.
Existem também os grupos de autoajuda, etc. Qual é a sua opinião acerca deste fenómeno?
SDS: Os grupos de apoio de autoajuda como os Alcoólicos Anónimos, e muitos outros, que são muito ativos nos Estados Unidos, e não só, estão a fazer um trabalho maravilhoso.
Eles são uma verdadeira benção para as pessoas que estão realmente a precisar de ajuda. Eu não tenho quais reservas em recomendar esse tipo de grupos às pessoas que necessitam desse tipo de apoio.
Também é possível encontrar algumas pessoas que se tornaram populares graças às técnicas disponibilizadas por eles que ajudam as pessoas a ultrapassarem as suas dificuldades.
Estas técnicas são úteis e é por isso que as pessoas recorrem a elas. Do mesmo modo, o yoga está a provar-se útil.
Deveremos portanto apreciar todas estas contribuições que eventualmente colocam as pessoas no caminho espiritual. Mas não direi que o Hinduísmo é apenas isso… talvez eles digam isso.
Quanto a Deepak Chopra, ele não lhe dá nenhuma técnica; ele ajuda-o a pensar e isso é muito mais eficaz em trazer uma mudança no seu pensamento – isso é que é realmente importante.
MT: O que acha acerca da forma como os homens, as mulheres, os jovens e os idosos da atualidade estão a evoluir?
SDS: Eu não tenho uma resposta categórica, desta ou daquela forma; eu não faço julgamentos.
Mas diria que todos estão à procura de algumas respostas, especialmente os jovens que agora se ligam a redes numa escala global e estão expostos a um certo tipo de pensamento.
O facto de procurarem respostas significa que estão a questionar e isso, por si só, é um sinal saudável.
No entanto, o que é importante saber não é quem está a providenciar as respostas mas que respostas estão a ser dadas.
O questionamento é muito importante, mas a profundidade na abordagem é significativamente importante.
Eu vejo que alguns se satisfazem facilmente com respostas frívolas e isso, mais tarde, lamentavelmente, traz-lhes desilusão.
MT: Está a dizer que também é importante escolher corretamente um guru?
SDS: É necessário escolher o professor que enfatiza a clareza, que não quer que você compre técnicas ou ideias mas que quer que você explore, e que ajuda a explorar até ao final. Esse é o tipo de professor que você deve escolher.
MT: Pode-nos falar acerca de Vedanta, e da sua relevância na atualidade?
SDS: Vedanta é e tem sido o mesmo; não muda. A ânsia humana de ser livre da pequenez, de estar sujeito a todas as limitações: isto não mudou.
O ser humano ainda é autocrítico e autoconsciente, ao contrário dos animais.
Nenhuma vaca pensa que é uma vaca preta ou branca, pequena ou feia; uma vaca não tem problema em ser autocrítica ou autoconsciente, ao contrário de um ser humano.
Assim, temos que nos ver como não tão insignificantes. Eu tenho que me ver assim: eu não sou insignificante.
E isso não é baseado numa ideia ou num pensamento; isso tem que ser uma realidade. Vedanta pode ser demasiado para você entender ou mesmo visualizar, mas essa é a verdade.
Não é uma verdade para se acreditar, tem de ser entendida. Nós temos uma tradição de ensinamento – ensinamento sofisticado – para permitir que você entenda isso.
MT: Você diria que Vedanta é uma religião ou um modo de vida?
SDS: É uma visão sobre a vida assim como uma visão da realidade. Falamos inicialmente sobre atitudes e valores – sobre um modo de vida preconizado por Vedānta para você viver uma vida que lhe ajude a apreciar o facto: eu sou a resposta porque eu sou o problema.
Quando eu sou autoconsciente e autocrítico, eu torno-me o problema. Se eu sou o problema, mais ninguém é a solução, eu sou a solução.
Nenhum messias é a solução, nenhum deus é a solução, nenhuma outra pessoa é a solução – eu sou a solução… e Deus é isso mesmo.
MT: Mas não é necessário um guru que nos guie nessa direção?
SDS: Há sempre um guru disponível; apenas os śiṣyas (estudantes) não estão disponíveis.
MT: O Vedānta pode engrandecer os pobres bem como os ricos da mesma forma?
SDS: Uma pessoa rica não é uma pessoa pecadora; nem uma pessoa pobre o é. Aquilo que é necessário é uma pessoa madura.
Uma pessoa pobre não deverá pensar que é pobre. Ela deverá pensar que é uma pessoa e o mesmo para a pessoa rica.
Não existe pessoa pobre ou rica; existe apenas uma pessoa. Isso é muito importante em Vedānta; apenas então fará sentido e servirá para si porque lhe dirá que você é a resposta e a guiará a apreciar isso.
Voltando ao exemplo anterior, nenhuma vaca pensa que é pobre. É uma estrtura de valores confusa que faz uma pessoa pensar que ela é pobre.
As pessoas estão confundidas, toda a humanidade está confundida. Não é um problema moderno mas um problema antigo, um problema humano.
Um ser humano nasce para ser confundido e cresce para resolver a confusão ? é preciso crescer para resolver a confusão.
MT: É um processo para a vida toda?
SDS: Porque deveria ser para a vida toda? É um processo. E basta.
Uma pessoa pode resolvê-lo rapidamente, outra poderá demorar mais tempo, e outra poderá resolvê-lo na próxima vida. É um processo, e é um processo agradável.
MT: Os jovens e mesmo alguns adultos criticam o Hinduísmo pela sua pletora de rituais religiosos que não compreendem e com os quais não estão sintonizados.
Cada vez mais, a juventude confunde-se quando confrontada com críticas como o Hinduísmo possuir muitos Deuses, especialmente pelos crentes do monoteísmo. Como lidar com esse problema?
SDS: Nós encontramos este problema até na Índia. Necessitamos de educar as pessoas, especialmente Hindus, onde quer que se encontrem, que são os herdeiros de riquezas que desconhecem.
A educação é, muitas vezes, dada pelos pais, e os próprios pais sabem muito pouco acerca desta grande herança.
Necessitamos assim de professores especiais. Noutro dia, sugeri que precisamos ter pequenos centros independentes de educação espiritual e religiosa Hindu nas Maurícias, por exemplo, que não necessitam de estarem ligadas a nenhuma organização central.
É mais simples de montar esse tipo de centros aqui, e assim as Maurícias serão pioneiras nesse ponto.
Necessitam apenas de 2.000m2 para este centro que será gerido por um professor indiano que seja fluente em Hindi, Inglês e Sânscrito, ou Hindi, Tamil e Inglês ou Telugu, Sânscrito e Inglês.
Esse professor não tem de ser um swami, mas um chefe de família, que não pertença a nenhuma organização.
A sua função aqui será ensinar as crianças e adolescentes sobre Hinduísmo, sobre literatura Tamil que é predominantemente espiritual.
Podemos ajudar a Maurícia auxiliando no programa de educação e identificando o tipo certo de professores.
Ajudarei de bom grado, mas isto, no entanto, deverá ser uma iniciativa da Maurícia, conduzida e tratada por pessoas daqui. Não quero que pareça algum tipo de autopromoção.
MT: Qual é a sua impressão sobre o estado do Hinduísmo neste país? Qual é o seu estado?
SDS: Eu admiro as pessoas que o preservaram, e preservaram-nos muito bem. Mas aquilo que receberam foram formas e temos que incutir o espírito.
Aqui o Hinduísmo necessita de um estímulo. É muito importante. As pessoas precisam de religião e espiritualidade e, portanto, deverão saber os significados das formas.
Isto é especialmente importante já que não estão mais isoladas, estão em contacto com o mundo inteiro e têm assim mais possibilidades.
Por esse motivo, é necessário saber o significado e a importância de templos, ídolos, rituais. É necessário ter as respostas às questões que as crianças e os adultos irão colocar.
MT: Tem a sensação que aqui falta o espírito?
SDS: Eu não irei fazer qualquer julgamento. Eu apenas digo que é importante que toda a forma seja compreendida devidamente.
Isto também tem que ser feito na Índia. Todos recebemos formas, e temos que preencher as formas com o espírito.
E preencher com o espírito não é nada mais que ensinamento. Sem o espírito, a forma está morta; sem a forma, o espírito é um fantasma.
A herança indiana é muito rica e profunda. Tem uma mensagem para a humanidade, nomeadamente, que cada ser humano é pureza, é toda a felicidade, toda a plenitude… é essa a mensagem.
Não dizemos: Deus é um, ou Deus são muitos. Não dizemos que há um Deus, dizemos que apenas há Deus.
Tudo o que você encontra é Deus, e quem quer que encontra é Deus. Tanto o sujeito como o objeto são Deus. Apenas há Deus. Isto é Hinduísmo.
॥ हरिः ॐ ॥
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Traduzido por Gustavo Cunha e publicada com a autorização do autor para www.yogavaidika.blogspot.com.
Originalmente publicado no Mauritius Times. Copyright © Mauritius Times. Todos os Direitos Reservados. Website www.mauritiustimes.com.
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