Pratique, Yoga na Vida

Yoga e identificação no Ocidente

Nos últimos cem anos, o Yoga foi adotado por milhões de pessoas no Ocidente, sendo atualmente parte do cotidiano de cerca de trinta milhões de americanos

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Nos últimos cem anos o Yoga foi adotado por milhões de pessoas no Ocidente, sendo atualmente parte do cotidiano de cerca de trinta milhões de americanos. Segundo o instituto de estatística NAMASTA*, a profissão dos instrutores de Yoga é uma das que mais cresce nos Estados Unidos e estima-se que mais de 70 mil pessoas já tenham passado por cursos de formação na área. Sua difusão tem sido tão intensa que mesmo não praticantes conseguem, de alguma maneira, citar caracteristicas gerais do Yoga.

Segundo esse mesmo instituto, foi verificado ainda que a adoção da prática de Yoga tem influência direta no modo de pensar e agir do praticante, na sua relação com o mundo e consigo mesmo. Ao meu ver, a alta incidência da adoção da cultura yogika no Ocidente, e a consequente transformação no modo de viver do praticante, nos mostra uma abertura, uma pré-disposição do homem ocidental ao pensamento místico oriental. O praticante aprende a lidar com sua intuição e faz uso da confiança e da vivência para chegar à conclusão do que, individualmente, é bom ou não sem ficar preso somente às comprovações científicas.

Basicamente, a mística oriental tem uma forma monística de ver o universo, ou seja, tem em sua essência a consciência da inter-relação de todas as coisas como manifestações de uma unidade básica, ou realidade última que é única, indivisível e eterna (chamada Brahman no Hinduismo, Dharmakaya no Budismo, Tao no Taoismo). Cada indivívuo é manifestação dessa unidade básica, ilimitada, porém não a reconhece pois confunde a identificação de seu ser supremo com a identificação de seu ego. A pessoa ignora sua conexão com essa realidade última, e pressupõe que seu ser é somente aquilo que vê pelo espelho, um corpo físico que nasce e morre, uma mente com gostos e desgostos, ou seja, um ser limitado. A mística diz ainda que o indivíduo tem dentro de si os recursos para alcançar a felicidade, mas é devido a essa identificação com o ego e à ignorância que ele a procura em algo externo.

Aqui entra a relação do Yoga com essa mística, onde o Yoga atua em um plano intelectual na eliminação da ignorância, cultivando o questionamento e a libertação dos condicionamentos psíquicos e sociais; e no plano intuitivo, dá a capacidade da percepção do ilimitado através da meditação. Durante a meditação o praticante percebe o universo desintegrado, mostrando o observador e o observado como um só, a unidade da alma e matéria, indivíduo e ser supremo. A meditação contínua leva à percepção da realidade última, que não pode ser concluída, é inatingível ao intelecto. É uma vivência que traz um resultado palpável, uma mudança na consciência que permanece mesmo quando não estamos meditando.

Considerada por muitos como uma nova tendência, a entrada do Yoga no Ocidente tem sido frequentemente relacionada à necessidade de instrumentos para lidar com nosso modo de vida estressante, ou a uma carência de espiritualidade livre da culpa das religiões baseadas no Cristianismo, ou ainda a um modismo passageiro. No meu ponto de vista, o principal motivo da ascensão do Yoga no Ocidente ocorre por apresentar uma cultura que fornece meios para a busca da vinculação do indivíduo com o todo. E essa busca não é restrita ao homem oriental, ela está na essência humana, sem fronteiras geográficas e é atemporal.

Ao observarmos o homem ocidental se adequar tão fortemente à essa visão monística de universo, não deveríamos nos surpreender, já que o próprio Ocidente experimentou, de maneira predominante, essa visão de alma e matéria inseparáveis. Cerca de 2500 anos atrás, as raízes da física na filosofia grega antiga não priorizavam a razão em relação à intuição, e ciência e religião não se encontravam separadas. O estudo do espírito e da matéria era indistinguível. O surgimento do dualismo, separando a abordagem da matéria e do espírito, foi iniciado especialmente com a noção de um deus pessoal e inteligente, ocorrida no século V a.C. com a escola eleática, quando os filósofos passaram a dar mais importância aos assuntos referentes a alma e ética, em detrimento da investigação da matéria.

Esse dualismo teve seu apogeu na Idade Média, que pregava a contemplação de um deus perfeito, com a Igreja Cristã proibindo a pesquisa baseada no empirismo. A ampla investigação da natureza só foi retomada com o Renascimento no final do século XV, quando o homem começou a se libertar da influência da Igreja. A ciência, portanto, ressurgiu num contexto onde o estudo da natureza acontecia desvinculado dos assuntos da alma. Nesse período, Galileu Galilei combinou o conhecimento empírico à matemática, e nasceu a ciência moderna, onde a formulação de teorias passou a ter necessidade da confirmação experimental, dando ao Ocidente um modo de pensar racional e materialista.

Apesar do desenvolvimento do Ocidente ter ocorrido nesse contexto dualista, percebemos que a tempos países ocidentais abrigam religiões e filosofias monísticas originalmente orientais, como no caso do Budismo e do Taoísmo. Hoje encontramos integrados a diversos aspectos da nossa cultura pensamentos orientais através, por exemplo, do uso de técnicas de medicina alternativa, como a acupuntura, do-in, shiatsu, ou ainda a prática de artes marciais e arquitetura feng shui. Muitas vezes a completa compreensão dessas disciplinas não se faz obrigatória, contradizendo a necessidade ocidental da comprovação de tudo por métodos puramente científicos. Nota-se que o Ocidente aceita fazer uso de uma cultura onde a vivência e a confiança, por vezes, substituem o empirismo.

Dessa forma, verificamos que a entrada do Yoga no Ocidente segue uma tendência da busca de uma visão mais holística e ilimitada do indivíduo, contribuindo para questionamento da nossa visão predominantemente dualista de mundo. O Yoga encontra aqui um um solo fértil para seu estabelecimento, pois desperta uma consciência que já existe em qualquer indivíduo, quer seja oriental ou ocidental.

De uma forma enfática, o Yoga traz para o Ocidente um questionamento saudável, e pode nos ajudar com o nosso modo de lidar com a modernidade sem sucumbir ao excesso de materialismo. Abre uma porta inter-cultural que, uma vez escancarada, não pode ser fechada.

* NAMASTA: North American Studio Alliance: http://www.namasta.com/pressresources.php

Cris Rosauro é professora de Yoga em Florianópolis. Seu email é cris.rosauro@terra.com.br.

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2 respostas para “Yoga e identificação no Ocidente”

  1. Nossa, Cris! Não estava maduro ou com os ouvidos abertos quando li pela primeira vez seu artigo. Que lindo (não empírico)! Que hipótese mais bem fudamentada (empírica), hehehe.

    Você me lembrou o físico e filósofo Frijot Capra, tentando explicar essa unidade, inclusive dentro das áreas de conhecimento, e o método Pathwork, que anuncia que sua principal contribuição é que a demanda religiosa de nossa tempo são técnicas para nos elevarmos para além de nossos egocentrismos. Será que o caminho do Ocidente é Jnana Yoga e só se realizará quando a globalização assumir seu aspecto realmente essencial?

    Nossa, seu artigo merece ser mais divulgado. Tudo de Ommm! Que maravilha uníssona! Viva a unidade! Viva o Tantra! Viva a teia da vida! Viva todas as nossas interrelações! Viva o Yoga! Jaya!

  2. Quero conhecer e praticar Yoga. Quero adquirir livros ou manuais de aprendizagem sem mestre. Como fazer?

    Ajudem-me a ter o que tanto desejo. Aguardo informações urgentes.

    Obrigado.

    Jacinto Rebelo

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