Começando, Pratique

Deus Investe em Você

Todos somos investimentos de Deus, porque Ele nos gera e nos mantém com Seus recursos, Suas energias e Seus poderes infinitos. Como todo investidor inteligente, Deus espera lealdade e rentabilidade. Quanto à liquidez, é a morte que determina a data do resgate.

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Sabemos que investimento é a aplicação de recursos visando a uma renda. Só se investe quando se confia que se obterá lucro. Escolhe-se um investimento investigando três condições:

a) rentabilidade;
b) segurança;
c) liquidez.

Não há exagero em dizer que “Deus investe em você”. Todos somos investimentos de Deus, porque Ele nos gera e nos mantém com Seus recursos, Suas energias e Seus poderes infinitos. Como todo investidor inteligente, Deus espera lealdade e rentabilidade. Quanto à liquidez, é a morte que determina a data do resgate.

Não há novidade no que digo. Foi meu Guru – Jesus – que, numa parábola, mostrou que somos investimentos de Deus:

“… é como um homem que ia se ausentar do país, e chamou seus servos e lhes entregou seus bens, a um, cinco talentos, a outro, dois, e a outro, um, a cada qual segundo sua capacidade; e partiu.

“Imediatamente, o que recebera cinco talentos operou com eles e lucrou mais cinco. Igualmente, o de dois lucrou outros dois. Mas o que recebera um foi, cavou a terra e escondeu o dinheiro de seu senhor.

“Depois de muito tempo, vem o senhor daqueles servos e ajusta contas. E vindo o que recebera cinco talentos, trouxe outros cinco, dizendo: Senhor, entregaste-me cinco talentos; olha outros cinco que lucrei.

“Disse-lhe seu senhor: Muito bem, servo bom e fiel: foste fiel no pouco, confiar-te-ei o muito; entra na alegria do teu senhor. Chegando também o de dois talentos, disse: Senhor, entregaste-me dois talentos; olha outros dois talentos que lucrei.

“Falou-lhe o Senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, confiar-te-ei o muito; entra na alegria de teu senhor.

“Vindo também o que recebera um talento, disse: Senhor, conheço-te que és homem duro, colhendo onde não semeaste e recolhendo onde não distribuíste, e, amedrontado, escondi teu talento na terra; olha, aqui tens o teu.

“Respondendo, então, disse-lhe o senhor: Servo infeliz e tímido, sabias que colho onde não semeei e recolho onde não distribuí? Devias, então, ter confiado meu dinheiro aos banqueiros e, vindo eu, teria recuperado o meu com juros.

“Tomai-lhe, portanto, o talento e dai-o ao que tem dez talentos, pois a todo o que tem será dado e sobrará; mas de quem não tem ser-lhe-á tomado até o que tem. E o servo inútil lançai-o nas trevas exteriores; aí haverá choro e ranger de dentes.” (Mateus, 25:14 a 30).

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É ou não uma história de Deus como investidor?

Confiou os talentos (moeda da época) aos servos; exigiu rentabilidade; e a liquidez foi por ele imposta ao regressar sem ter marcado prazo.

Quando se diz que alguém é um artista (cientista, educador, administrador, sacerdote…) de talento, quer-se significar que Deus lhe confiou muitos dons, capacidades e potencialidades.

Ao contrário, quando se fala que alguém tem pouco talento, quer-se expressar que é carente de dons, capacidades e potencialidades.

Cada um de nós é um servo a quem o Senhor (Deus, a Vida Una) confiou, por algum tempo (que só Ele sabe), uma soma pequena ou grande de dons, capacidades, virtudes, poderes e energias. Dia virá em que Ele vai examinar a contabilidade.

A uns (os bons administradores), a benção de um investimento ainda maior. A outros (os maus administradores), a condenação – “choro e ranger de dentes”. Ao gerente eficiente, a “alegria do Senhor”. Ao mau gerente, “as trevas exteriores”.

Que são talentos?

O corpo, este instrumento primoroso, é talento. São talentos essenciais: a alento que move os pulmões, o sangue que circula e nutre; a capacidade de ver, ouvir, tocar, cheirar, degustar; os pés que o levam; as mãos que trabalham; a boca que fala; o sistema emunctorial que limpa o corpo de seus dejetos.

São talentos: o pensar, o imaginar, o atentar, o concentrar-se, o avaliar, o lembrar-se, o julgar, o conhecer.

São talentos todos os recursos para viver, conviver, decidir, ascender e evoluir. Os talentos são tantos que é impossível enumerar todos.

Quanto o Senhor investiu em você?

Você é dessas criaturas talentosas, criativas, inteligentes, fisicamente bem-dotadas, ricas de energia, com recursos econômicos fartos, bom status social, bem equipadas, bem nutridas, nascidas em família sadia e amorosa? Compare-se com a maioria.

Se, em confronto com a pobreza e a mediocridade, você se vê lá em cima, é porque recebeu os “cinco talentos”. Deus o tomou como seu mordomo, seu gerente, “conforme sua capacidade”.

Se você se sente pobre mas não tanto, isto é, remediado, é que o Senhor só investiu dois talentos em você.

Se, em última hipótese, suas condições físicas, psicológicas, sociais e econômicas são desafiadoras e precárias, é que lhe foi confiado apenas um talentinho.

Seja qual for o caso, o investimento foi feito

O que importa não é a quantidade de talentos investidos. O que decide é o resultado final, isto é, a rentabilidade proporcional.

O mordomo de uma só moeda foi castigado porque não apresentou rendimento, porque, acovardado pelo juízo errôneo que fazia do seu senhor (colheria onde não semeara e recolheria onde não teria distribuído), “enterrou os talentos”.

Há muita gente que só sabe temer Deus, do qual faz uma idéia equivocada (só espera a “ira de Deus”) e assim, acovardado, esconde os talentos (poucos ou muitos), o que, dessa forma, os torna improdutivos.

Pela lição da parábola, tendo pouco ou muito, é essencial que administremos, com a maior eficiência possível, tudo quanto Deus nos confiou.

E ficamos sabendo que, ignorantes sobre a magnanimidade de Deus, isto é, por medo, podemos ser levados a frustrar a confiança que Ele em nós deposita.

Imensamente pior do que não fazer render, por causa do medo, é, no entanto, perder os talentos ou perverter sua aplicação.

O mundo está padecendo, já padeceu e está ameaçado de padecer ainda mais por causa do emprego diabólico de grandes talentos.

A História está cheia de sangue e horror porque indivíduos muito talentosos traíram a confiança do Senhor e criminosamente utilizaram (muitos continuam utilizando) seus dons na promoção da desgraça individual e coletiva.

Homens prodigiosamente talentosos, ainda hoje, com a maior crueldade e frieza, promovem o sofrimento de populações inteiras.

Artistas, cientistas, estadistas, empresários, intelectuais, líderes de todas as áreas, ricamente dotados, verdadeiros gênios, ainda hoje, em seu proveito, em proveito de seus partidos ou de suas famílias, e em frontal detrimento do Senhor, continuam a utilizar seus dons e dotes para perturbar, explorar, esmagar e destruir a Paz, a Liberdade e a Saúde de milhões de seres humanos.

Intelectuais, publicitários, dramaturgos e artistas, ricos de talentos, estão, infelizmente, não construindo, mas destruindo valores morais, princípios éticos e até mesmo a saúde mental de multidões que se deixam manipular e conduzir.

É uma calamidade para ambos os lados: para os manipulados, que somem e se consomem na mediocridade imbecil, e para os manipuladores, que se comprometem, assumindo dívidas imensas como verdadeiro Dono dos talentos. Para estes, “choro e ranger de dentes” ainda são amenidades. Tenho pena de todos.

Os bons administradores são os líderes que usam seus talentos para a promoção do Bem, da Justiça, da Paz, da Sanidade, da Fartura, da Harmonia, da Segurança, mas, principalmente, do processo evolutivo daqueles sobre os quais têm influência. A esses: “Muito bem, servos bons e fiéis, que entrem na alegria do Senhor”.

A parábola termina com uma sentença paradoxal, que parece a proclamação de uma tremenda injustiça: “… a todo que tem será dado e sobrará; mas de quem não tem ser-lhe-á tomado até o (pouco) que tem”.

Essa de enriquecer ainda mais os ricos e empobrecer ainda mais os pobres não é nada divina. A injustiça social está aí mesmo, fazendo exatamente assim. Como o Senhor-de-Justiça-e-de-Misericórdia faria o mesmo que os perversos donos do poder no mundo?

Na parábola, aquele “que tem” (dez talentos) é porque administrou com eficiência os cinco talentos que lhe foram antes confiados.

Aquele “que não tem”, não tem porque, acovardado, frustrou a confiança e as esperanças do Investidor.

Não é justo que aquele “que tem” receba ainda maior soma de talentos?

Não é justo que o mau administrador, que perdeu a confiança do Investidor, seja destituído? Destituído não só, mas punido?

Quando uma dessas financeiras, que administram poupanças populares, dá um prejuízo fraudulento aos investidores, não merece a punição da Justiça?

O fato de um bom administrador receber ainda mais e um mau administrador sofrer punição é um cumprimento da divina Lei do Karma, isto é, a Lei de causa e efeito, associada à Lei da transmigração.

Em cada existência nascemos com os talentos de que, em nossa administração anterior, nos fizemos credores.

Há os que nascem com crédito.

Há os que nascem com débito.

Você compreendeu que seus talentos atuais lhe foram confiados pelo Divino Investidor para fazê-los render?

Tudo que você é e tem é investimento.

Cuidado com o que vai fazer deles. Evite frustrar a expectativa do Senhor, enterrando os talentos improdutivamente. Muito mais ainda, evite trair o Senhor, empregando na calamidade o que lhe foi entregue para promover o bem.

Aqui, neste livro, ofereço algumas sugestões visando a ajuda-lo a corresponder à esperança d’Aquele que investe em você.

Depois de ler e refletir, sua responsabilidade ainda mais se acentua. Mas é melhor estar alertado e ser prudente. Não é?

A prece do bom administrador

Senhor,

Fazei de mim um instrumento de Vossa PAZ.
Onde houver ódio, que eu leve o AMOR.
Onde houver ofensa, que eu leve o PERDÃO.
Onde houver discórdia, que eu leve a UNIÃO.

Onde houver dúvida, que eu leve a FÉ.
Onde houver erro, que eu leve a VERDADE.
Onde houver desespero, que eu leve a ESPERANÇA.
Onde houver tristeza, que eu leve a ALEGRIA.

Onde houver trevas, que eu leve a LUZ.
Ó Mestre,
Fazei que eu procure mais
consolar
que ser consolado.
Compreender
que ser compreendido.
Amar
que ser amado.
Porque é dando
que se recebe.
É perdoando
que se é perdoado.
E é morrendo
que se vive para a VIDA ETERNA.
AMÉM.
(Atribuída a S. Francisco de Assis)

O rendimento que o Grande Investidor espera de nossa administração dos talentos está aqui sintetizado de modo perfeito.

Ele quer que aumentemos no mundo e em cada pessoa a PAZ, o AMOR, o PERDÃO, a UNIÃO, a FÉ, a VERDADE, a ESPERANÇA, a ALEGRIA e a LUZ.

Será isto o que estamos realizando ao pensarmos, ao falarmos, ao curtimos e ao agirmos? Estamos ampliando e promovendo esses valores através de nosso atuar no mundo e em nós?

É muito difícil que a resposta (só vale se for sincera!) seja sim.

Promover PAZ, AMOR, PERDÃO, UNIÃO, FÉ, VERDADE, ESPERANÇA, ALEGRIA e LUZ é tarefa imensamente difícil. Quer saber por quê?

Porque há um obstáculo gigantesco a se opor. E o nome dele é egoísmo.

Cada um se sente como um eu personalístico, a pretender sempre subir, ganhar, acumular, vencer, dominar, firmar-se, afirmar-se, expandir-se e até imortalizar-se. Desejos, apegos, aversões e fobias mobilizam todos os talentos em favor do eu.

Se o eu é tão reivindicante, que lugar, tempo e talento nossos sobrarão para beneficiar os outros? Ou para servir a Deus?

Essa hipertrofia calamitosa do eu, a meu ver, é uma doença gravíssima que, por sua vez, é a causa de todas as injustiças e crimes, de toda falta de PAZ, AMOR, PERDÃO, UNIÃO, FÉ, VERDADE, ESPERANÇA, ALEGRIA e LUZ, que mantém o mundo em sofrimento permanente. Essa enfermidade não aparece (ainda) nos tratados de patologia dos médicos. Nagarika Govinda a denomina egosclerose.

O único tratamento válido para a egosclerose é ensinado por Cristo, e para o mesmo tenho proposto o nome de humildação. Consiste em reduzir a importância que nos damos, isto é, que damos, cada um de nós, a seu eu pessoal.

Essa humildação não é somente um remédio eficaz. É o único que existe.

Desculpem-me as escolas atuais de psicologia, psicoterapia e educação quando afirmo que o formar, fortalecer, aprimorar e expandir a personalidade (o eu pessoal), que têm sido objetivos de tais ciências, reclamam uma revisão, um reestudo.

Até agora, os tratamentos psicoterápicos e a pedagogia, que visam à afirmação e à consolidação do eu, têm predominado, têm se exercido. Mas, apesar disso, a Humanidade tem melhorado? E não será exatamente por isso – a hipertrofia do ego?

Indivíduos que foram formados e informados para nutrir, defender, exaltar, firmar e afirmar suas personalidades, que fizeram da Humanidade? Que estão fazendo do planeta?

Pessoas cujos egos foram formados pelos psicopedagogos e tratados pelos psicólogos estão aí, lutando, impondo e se impondo, crescendo, “progredindo”.

Ou, ao contrário, neuróticos amedrontados, submissos, mas sempre em defesa do eu, que aprenderam a amar.

Que tal essa sociedade, palco de conflitos, desamor, impiedade, desunião, descrença, hipocrisia, tristeza e treva?

Que tal essa civilização formada por pessoas educadas?!…. Que tem feito ao mundo a egolatria?!

Toda a primeira parte da prece de S. Francisco de Assis é um pedido, não em favor do eu, mas, ao contrário, em favor de uma minimização do eu, para chegar a se tornar (gloriosamente) um humilde “instrumento” de Deus.

O egoísta pede amor. O “bom administrador” acha importante amar. O egoísta pede consolo. O “bom administrador” consola. O egoísta mendiga ser compreendido.

O “servo bom e fiel” é compreensivo e misericordioso. O egoísta pede, pois quer receber sempre. O santo constantemente dá e se dá sem reclamar sequer reciprocidade.

Terapeutas, médicos, educadores, psicólogos e pedagogos não podem naturalmente considerar sensato o paradoxo contundente do Santo:

“É morrendo que se vive para a VIDA ETERNA”.

Os grandes mestres da Humanidade são unânimes em ensinar que a VIDA ETERNA, ou o REINO DE DEUS, ou o NIRVANA, ou a ILUMINAÇÃO, ou a REDENÇÃO, isto é, a META SUPREMA de nossas vidas, não tem lugar enquanto o eu pessoal continuar se impondo.

Só o vazio deixado pelo eu permite a Deus reinar. Enquanto sobreviver o eu, Deus não acontece. O verdadeiro sentido da evolução espiritual é o que Huberto Rohden chamou de egocídio, ou morte do ego.

Prefiro chamar de humildação, isto é, a minimização progressiva do ego, simultaneamente com a expansão de Deus.

Rigorosamente, à luz da ciência oficial e convencional do mundo, um S. Francisco, a querer morrer como ego, é um caso para tratamento psiquiátrico.

Rigorosamente, à LUZ da CIÊNCIA DIVINA e ETERNA, o homem egoísta que nós somos é um mísero padecente, um frágil, um primitivo, um pobre ignorante, que ainda não se conhece como potencialmente divino, como um Espírito Imortal e Livre.

Aquele que se tornou “instrumento”, sem ego, sem reivindicar amor, consolo e doação, para o mundo dos egoístas é um estranho, para não dizer anormal.

O homem normal aí está, a revolver-se nos opostos da existência, a neurotizar-se entre excessos de gozo fácil nas supostas vitórias e a cair em depressão nas pequenas quedas que a vida impõe.

Qual é a sua posição?

Você está mais para a “anormalidade” de S. Francisco ou para a “normalidade” da dor, depressão, apego, ira, ansiedade, fobia, ambição, falência, carência, instabilidade e insegurança dos homens medíocres, ainda vivendo somente para si e para os “seus”?

Chegou a hora da opção.

Faça-a você.

Castigos e prêmios

É próprio do ser humano considerado social e psicologicamente “normal” agir em proveito próprio, no interesse do “eu” e dos “meus”. Há sempre nele uma indagação engatilhada – “quanto é que eu levo nisso”?.

Motivação é o termo técnico com que os psicólogos nomeiam “um conjunto de fatores, intrínsecos e extrínsecos (instintos, necessidades, impulsos, apetências, homeostase, libido e outras variáveis intervenientes) que determina a atividade persistente e dirigida para uma finalidade ou recompensa.

Entre o fator variável e a finalidade (ou recompensa) situa-se o comportamento que a ela conduz…”.

O comportamento humano é sempre motivado, e a Ciência tem se empenhado em pesquisar sobre a motivação, procurando saber a natureza dessa fantástica força motriz que leva o homem a agir ou evitar agir.

Foi a partir da tese do determinismo evolucionário de Darwin que o estudo começou. Da doutrina darwiniana partiram W. James e S. Freud para concluírem que é o instinto a força maior. Em McDougall já se encontra a explicação em termos de propósitos…

Outras propostas de teoria para a motivação foram aparecendo: o impulso, o prazer, o ajustamento à realidade social… foram sendo apontados como os motivos predominantes.

Embora respeitáveis, nenhuma das teses conhecidas poderá, no entanto, explicar comportamentos como os de Sócrates de Atenas, São Francisco de Assis, São Vicente de Paulo, Madre Tereza de Calcutá, Joaquim José da Silva Xavier, Irmã Dulce de Salvador, Aurino Costa do Rio de Janeiro, Mahatma Gandhi da Índia, Albert Schweitzer da Alemanha, Bahá’U’Llah do Irã e outros apóstolos da Verdade e do Amor.

Como os cientistas materialistas explicariam, com suas teses sobre motivação, a conduta dos mártires cristãos na arena dos romanos?

Como poderão entender como aquele que é Onipotente se deixou torturar nas masmorras dos romanos, nos escárnios dos fariseus, na morte infame do Gólgota? Que faz um ser evoluído se deixar imolar? Instinto?!

Alguma necessidade biológica?! Impulso?! Alguma apetência?! Manutenção da estabilidade do meio interno orgânico (homeostase)?! Libido?! Inclinações “propositárias”?! Conveniências sociais?!

Será que os materialistas (e alguns racionalistas) ainda não tentaram encontrar, em suas “teses científicas”, uma resposta a tais questionamentos?

Ou pesquisaram, mas, concluindo que seriam forçados a contradizer suas famosas doutrinas, optaram por uma fuga ao desafio, no velho estilo: “deixa isso pra lá!”?

A ortodoxia científica não terá como contestar uma evidência que a experiência impõe e nos permite dizer: na alma há motivos sublimes, muito acima dos motivos próprios da horizontalidade dos homens “normais”.

Foram tais motivos que levaram sábios e santos a se conduzirem de modo tão discrepante e até mesmo contrário àquilo que os cientistas entendem como sendo a normalidade humana.

O instinto de conservação é normalmente humano, na medida em que só se vê no homem um animal.

Um santo ou um sábio, que se recusa a matar mesmo em “legítima defesa” e mesmo prefere morrer a matar, é tido por estranho (anormal?!), mas clamam veementemente aos teóricos: “Há valores e motivos bem mais altos que o instinto de conservação”.

O instinto de reprodução ou o princípio do prazer (Freud) é um forte e mesmo dominante motivo humano.

No entanto, quando um jovem brahmacharya, isto é, um estudioso da Realidade Divina, embora eroticamente válido, com sublimação e compreensão e, portanto, sem repressão, se mantém abstêmio de sexo, pode dizer, com autoridade, a Freud: “Eu sou movido por valores e motivos que estão muito além do princípio do prazer”.

O equívoco dos pesquisadores materialistas parece ter sido que seus estudos, predominantemente, foram feitos sobre pessoas primitivas ou (e) perturbadas ou (e) enfermas, e a partir de suas observações e experimentações (metodologicamente, até certo ponto, corretas), violentando um princípio epistemológico, estenderam suas conclusões ao ser humano em geral, ignorando os Sãos e os Santos.

É verdade – e eles efetivamente descobriram – que indivíduos primitivos, perturbados e enfermos ou, até certo ponto, indivíduos medíocres vivendo ainda quase no reino animal, agem por instinto; são impelidos por impulsos; se entregam ao império de suas necessidades; obedecem a apetências; curtem ou padecem a libido; ou, numa hipótese melhor, buscando “ajustar-se” à “realidade social de seu tempo”, se submetem ao processo massificante ou mesmificante do grupo no qual se enturmam.

Aos psicólogos Jung, Frankl, Fromm, e outros, lúcidos e não comprometidos com o dogma materialistas, nossa homenagem. A eles não cabem as observações acima propostas.

Eles não se ativeram às aparências; não reduziram o campo de suas pesquisas à mediocridade e à patologia humanas, mas mergulharam em realidades sublimes da alma, que nem a todos é dado vislumbrar.

Suas sábias teses servem de base a suas eficientes terapias, que estão aí, ajudando os seres humanos a superar as tristes fronteiras obsedantes da doença e da horizontalidade.

Nos meios científicos ocidentais, os estudos sobre a motivação humanas são recentes, isto é, do século passado. Na Índia, há milênios, os sábios (rishis) postularam que os seres humanos são almas (Jivas) empenhadas no processo da evolução.

Não da evolução conforme conceituada por Darwin, que a descreveu como mudanças que se processam na forma anátomo-fisiológica, mas nas mudanças que se passam na consciência.

O evolucionismo na consciência, que é destino e desafio às almas todas, é que determina o evolucionismo na forma.

À medida que a consciência se amplia, precisa de formas mais aprimoradas, que lhe permitam os movimentos para uma expansão maior; para expressar e gozar um grau maior de liberdade.

Dentro do que poderíamos chamar “reino humano”, almas há que estão à frente, no rumo do Objetivo Maior. Outras, atrasadas, com uma pobre consciência ainda cativa nas formas grosseiras, têm muito ainda que avançar.

Quem não vê diferenças profundas entre um sábio e um homem rude; entre um santo e um corrupto, um terrorista, um traficante de drogas?

Conforme a amplitude de sua consciência, isto é, conforme seu nível evolutivo, um homem pode ser motivado pelo amor e atraído para a Paz, para a Beleza, para a Verdade, para a Libertação; um outro, motivado pelo egoísmo, e seduzido pelo dinheiro, pelas altas posições sociais, pela curtição erótica…

Segundo os Mestres hindus, em sua evolução as almas atravessam duas fases bem nítidas:

1) Na primeira, enquanto primitiva e medíocre, as motivações predominantes na alma, parecidas com aquelas de que os cientistas se aproximaram de caracterizar, são três: poder, gozo e status social.

Elas impelem o indivíduo a sobreviver, se expandir, se impor, se gratificar a qualquer custo, mesmo em detrimento do mundo e de Deus.

É a fase em que a alma é presa de uma “doença”, que me acostumei a chamar “egosclerose” pois, com o ego pessoal hipertrofiado, todos os talentos são empenhados na promoção, no fortalecimento e no império do mesmo.

Assim se expressa um indivíduo “egosclerosado”: “Eu quero, eu posso, e vou tomar tudo para mim. Eu quero, eu posso e vou gozar prazeres ainda maiores e mais intensos.

Eu estou numa religião (partido, doutrina, nação, escola de samba, time de futebol…) que é o máximo e que é a (o) única (o) que merece prevalecer. Eu quero, eu posso, e vou explorar e dominar todos…

Eu sou o mais inteligente, mais bonito, mais forte, mais brilhante, mais merecedor… Eu ganho na corrida, na força, na esperteza…

Eu mereço e vou crescer cada vez mais…”. São tais pessoas que atraem a si grandes dores e geram os sofrimentos maiores da família humana.

Nessa primeira fase, quando a alma se auto-afirma, fase da conquista e crescimento ilusórios e neuróticos, os motivos segundo a lição dos sábios (ṛṣis) são, em resumo:

a. Kāma – desejo de prazer sensual, material, mundanal;

b. Ārtha – o desejo de poder, sob todas as suas formas (econômico, político, parapsíquico ou mental);

c. Dharma – o desejo de se manter e se sentir segura, mediante aceitar o dever (social e religioso) conforme proposto por homens do mundo para homens do mundo.

2) Em sua segunda fase, a alma, já amadurecida pela experiência e curtida pela dor, já plenamente convencida sobre a impermanência do prazer, do poder, das boas posições sociais, inspirada pela Sabedoria, tendo já escutado a sábia voz que clama no deserto, tendo já o vislumbre de sua unidade real com todos, com tudo, comungando com a Luz, consegue ver seu egoísmo (o sentir-se distante e diferente do Todo) como o obstáculo que a mantém exilada da Suprema Felicidade.

Nessa fase, a alma começa a com-doer-se do sofrimento mundanal, começa a com-padecer-se da dor do próximo, e vê que o ego-separatista, movido por suas motivações inferiores, é a causa do drama universal. Agora, só uma força a motiva: a libertação.

Essa dependerá de autonegação ou abnegação, que a levará a sacrificar a Deus e sacrificar-se pelos filhos de Deus.

A motivação da fase de renúncia (vairāgyaṁ), é, segundo os sábios (ṛṣis):

d. Mokṣa – libertação.

Libertação – de quê?!

Da ignorância, do sofrimento, da morte, e da “obrigatoriedade de renascer”.

Em sua primeira fase, a alma é um indefeso joguete atirado à voragem dos opostos existenciais. O prazer o fascina e ele é levado ao gozo quimérico. Cessado o gozo – e sempre cessa! – se sente infeliz.

Servidão e dor, orgasmos e lágrimas, pequenas conquistas e perdas dramáticas…

Enquanto egocentrados, isto é, alienados de Deus-Uno-Sem-Segundo, a alma é frágil e vacilante, iludida e padecente. Em seu cativeiro, a alma é levada a nascer, a morrer, a re-nascer, a re-morrer…

É renunciando e sacrificando que a alma pode retornar à sua origem e identificar-se com o Uno-Bem-Aventurado-Ser, libertando-se definitivamente.

O único meio de uma alma alcançar mokṣa (a libertação) é a abnegação ou humildação ou minimização do ego pessoal.

Quando um ser humano se deixa imolar e morre com um hino nos lábios, doçura na mente e paz no coração, é que, evoluindo na segunda fase, já não lhe importa a existência, pois já saboreia a Divina Essência.

Tudo isso continua um absurdo aos olhos dos egoístas. Continua estranho aos pesquisadores “cientistas”.

Ora, se estou aqui alertando você (e por quê não a mim também?!) sobre as responsabilidades que nos pesam como gerentes dos dons que Deus em nós investiu, não é pretendendo apelar para o medo ao “pranto e ranges de dentes”, castigo inevitável ao administrador negligente ou doloso. O medo não é uma motivação desejável, digna.

Também não desejo fazer apelo ao prêmio concedido ao “servo bom e fiel”, que consiste em receber mais talentos e maior confiança do Senhor. É, sem dúvida, uma nobre motivação.

Preferível, no entanto, a evitar castigo e ganhar prêmio, é a motivação da fase segunda – a libertação.

Conduzir-se como “servo bom e fiel” é condição a entrar na iniciação, isto é, na segunda fase da evolução.

A motivação predominante, numa alma evoluindo na segunda fase, é fazer render os bens confiados e corresponder, portanto, à confiança do Investidor. É assim que castigos não a amedrontam.

Nem prêmios a seduzem. E o resultado disso é Moksha, a libertação. É o ego-pessoal que, para se salvar, foge dos castigos e ambiciona prêmios.

Se uma onda do mar for verdadeiramente sábia, só terá por motivação seu retorno ao Mar, seu identificar-se com o Mar, seu libertador sumir no Mar.

Mas… que há um castigo certo para o “servo mau e infiel”, isso há mesmo. Se não, o Mestre não teria mencionado as “trevas exteriores”. Se assim não fosse, onde a Justiça?!

“Tudo o que o homem semear, isso também colherá” – disse São Paulo, expressando o que os hindus chamam “Lei-do-Karma”.

Conforme nosso karma (ação, comportamento, conduta) de agora, tal virá a ser nosso destino. Hoje, nosso destino é aquele que andamos programando mediante nosso agir no passado. Nossa conduta é um rígido decreto, que nos condena a penar ou nos permite curtir – tal é a Lei.

A Lei-do-Karma é tão válida e inexorável, tão precisa e certa como qualquer das leis da Biologia, Física ou Química. É tão lei quanto a da gravidade, por exemplo.

É habitual e fácil driblar as leis humanas. Há muitos truques que são manipulados pelos “espertos” deste mundo. Mas não se iludam eles. As penas kármicas os alcançarão e os farão pagar “até o último ceitil”.

As conseqüências do karma – agradáveis ou desagradáveis, isto é, prêmios e castigos – seguirão nossos atos tal qual, como disse Buddha, as rodas do carro perseguem as patas do boi que o puxa.

Segundo a Lei-do-Karma, ninguém sofre sem culpa e ninguém goza sem mérito. A sanção é rigorosamente justa e inevitável.

Embora consiga distrair-se com suas gratificações sensuais e com a ilusão de que é poderoso e importante na escala social (colunável, aplaudível, magistrável, reitorável, prefeitável…), o homem-ego realmente não sabe o que seja Felicidade.

Apenas distrai-se gozando, e se supõe feliz. Acredita ser proprietário, e assim se sente forte. Bem situado no society, se julga importante.

No entanto, quando sobrevém um desastre, quando só e desiludido sobre suas agradáveis quimeras, cai em depressão, se vê desamparado (derrubável, adoecível, fenecível, arruinável, miserável, defuntável…).

Em meu modo de ver, é isso que se pode chamar “trevas exteriores”em contraste com a “Luz interior”.

O homem só conseguirá saber o que seja “Luz interior” onde, em vez de “choro e ranger de dentes”, se desfruta a Paz, “no gozo do Senhor”, mediante dedicação, abnegação, autodoação, renúncia, humildação e boa gerência dos talentos.

E o Senhor tem ainda uma recomendação que nos convém cumprir: “Assim também vós, todas as vezes que tiverdes cumprido todas as ordens, dizei: somos servos inúteis, (pois) fizemos apenas o que devíamos fazer” (Lc 17:10).


॥ हरिः ॐ ॥

Extraído do livro Deus investe em você.
Digitado por Cristiano Bezerra.
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॥ हरिः ॐ ॥

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