A liberdade sempre foi questionada enquanto livre arbítrio. Liberdade para se fazer o que se quer fazer. Liberdade de ir e vir.
Liberdade de escolha, de expressão, de opinião. Fazer o que se tem vontade, desejo intimamente ligado à autonomia, à independência e à espontaneidade.
Milhares de questionamentos foram tecidos desde o século XVII. Podemos começar com as reflexões filosóficas dizendo que tudo é o que é, menos “eu” (o Homem). Vemos nítida separação entre corpo e mente, alma e razão, homem e natureza. Um universo dualista.
Com Platão, há duas partes representadas pelo Mito da Caverna como mundo exterior, o dos arquétipos, moldes e formas e o mundo interior, que é o meu mundo sensível. O homem é corpo e alma.
O universo é o mundo e eu sou quem o percebe. E o que me torna livre é justamente aquilo que me difere da natureza: ter uma mente pensante que toma decisões que vão além dos estímulos recebidos pelo corpo.
Depois vem Descartes com o “penso logo existo”, me tornando livre para refletir sobre qualquer coisa.
Podemos ver com Kant a diferença entre vontade e desejo, em que desejos são as inclinações do Homem em meio à natureza através de seu corpo, e a vontade como a decisão consciente submetida ao desejo físico.
Com Sartre, “a existência precede a essência”, onde não somos tão livres assim, pois antes de “sermos”, “existimos” e o Ser não escolhe existir.
Com Demócrito, tudo no universo é matéria, átomo e vazio. Corpo e mente se unificam. Logo, o pensamento é intimamente relacionado ao que é sentido.
Já Espinosa vem dizer que o livre arbítrio é pura ignorância, por que de fato, não fazemos escolhas, somente nos protegemos de sofrimento e buscamos alegria, pois o mundo nos afeta de forma muito mais complexa do que podemos compreender.
Então somente cabe a nós proteger-nos do que nos aflige e inclinarmo-nos ao que nos faz bem.
E então Nietzsche afirma que livre arbítrio é uma busca covarde por um mundo perfeito somente encontrado na esperança e na transcendência exemplificadas pelo cristianismo.
O Homem que sofre neste mundo encontrará sua redenção e se sentirá livre eternamente em um paraíso, ao lado de Deus, após sua morte. O livre arbítrio é criado pelo e para o homem que sofre.
Já na sociologia de Durkheim, a liberdade é tolhida pela sociedade. Não há mais como crer na liberdade plena e absoluta, uma vez que vivemos em contextos sociais modernos onde os meios de comunicação, sob influência capitalista, definem os valores, as linguagens, as condutas, os caminhos ideais a serem seguidos.
Portanto temos aí uma restrição jamais vista no tema da Liberdade, uma vez que o leque de opções está muito diminuído. E aí podemos redefinir o tema transformando livre arbítrio em ação ou tomada de decisão.
E vamos ligar ação à felicidade e fazer a seguinte pergunta: Como agir da forma que nos faz felizes?
O Ser Humano sofre as conseqüências dessa redução de opções através da “pressão social” sendo, desde crianças, coagidos a agir de acordo com aquilo que se deve ser. Não com aquilo que desejam ser.
A Liberdade no Yoga
Neste jogo, o sofrimento é tão nítido quanto óbvio. “Perceber” esta condição já requer um passo para trás para visualizar quais são estas traves à nossa frente que limitam o espaço por onde queremos passar.
Este passo para trás é o autoconhecimento. Ele nos possibilita saber, primeiramente, aquilo que não nos agrada. E saber o que não quero já significa boa parte da decisão.
Significa identificar aquilo que me faz sofrer. Mas ainda assim, não é o que me faz feliz. O que eu quero? De quê é feito o “querer”? É uma ação ou o efeito dela? Como devo refletir sobre isto? Racionalmente ou emotivamente?
Como vimos anteriormente, desde o século XVII há essa divisão e até hoje a sociedade segue dividindo razão e emoção. Livros de auto-ajuda, palestras motivacionais, cursos e terapias mirabolantes existem para definir o que é agir com a razão e o que é agir com o coração.
Para a felicidade de muitos, escolher Yoga como meio de autoconhecimento é uma boa por que, em primeiro lugar, não separa razão da emoção. Corpo e mente estão intimamente conectados.
A relação “eu e o outro” é preservada como uma. A não dualidade é condição inicial. O Eu, o outro, a natureza e todos os seres que nela habitam, juntos, formamos Um.
Partindo dessa premissa, eliminamos as categorias do agir (aqui eu ajo de uma forma, ali ajo de outra) e tornamo-nos um só perante qualquer situação. E o Yoga sugere que sejamos: calmos, amorosos, equânimes, compreensivos, respeitosos e simples.
E sugere também evitarmos a violência, a desonestidade e uma série de outras atitudes em relação ao outro e ao mundo, afinal, se somos todos um, aquilo que sou para mim serve para aquele que sou para o outro.
Em segundo lugar, aquilo que o Yoga chama de Liberdade ou Libertação é totalmente diferente e ao mesmo tempo complementar a estas outras definições e me parece muito mais profunda, complexa e, de fato, libertadora.
Libertar-se quer dizer ver-se livre de condicionamentos sociais, psicológicos, fisiológicos, alimentares, familiares, religiosos e nos coloca em condição de observadores presentes, dando-nos a oportunidade de reverenciar a tudo exatamente como é e não sob uma perspectiva pré-definida pelas experiências passadas.
Do passado, retemos somente maturidade. Com os fatos presentes, damos respostas presentes.
Em terceiro lugar, o Yoga humildemente nos conduz a refletir sobre nossas ações apenas sob o ponto de vista do agir em si, e não do efeito da ação. Agir de olho no efeito é um desejo futuro que pode nos aprisionar, afinal de contas, não temos controle sobre ele.
O efeito de uma ação pode ser igual, menor, maior ou totalmente diferente daquilo que desejei. E, sim, devo vislumbrá-lo, mas sem prender-me a ele.
Devo prender-me somente ao presente e à intenção de minhas ações, para que sejam sempre calmas, amorosas, equânimes, compreensivas, respeitosas e simples. Assim como eu.
Desta forma, quebra-se a barreira entre razão e emoção, causa e efeito, desejo e vontade, eu e o mundo, e qualquer outro tipo de dualidade.
E isto sim, é liberdade. É uma presença. É uma consciência de atitude. É moksha, o objetivo primordial do Yoga.
Mokṣa é um reconhecimento. Mokṣa é reconhecer-se livre. É reconhecer-se além das percepções cognitivas que o corpo e a mente podem nos dar. Livre de condicionamentos que nos aprisionam no futuro ou no passado, mokṣa é presente.
Não existem problemas no presente. Problemas estão no futuro ou no passado. No presente somente existe ação. E agir de acordo com aquilo que somos capazes de realizar, sem nos violentar ou violentarmos o outro.
॥ हरिः ॐ ॥
Mais Yoga na Vida aqui.
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॥ हरिः ॐ ॥
Olá Thais,
belo texto!
Eu diria que nós, conhecedores de um pouco do Yoga, damos passos em outras direções, nos damos a chance da visão lúcida e coerente. Nos cabe “coerenciar” de fato 🙂 (novo verbo 🙂 )
Abraços Adriane
UAU!!!! UM PRESENTE ESSE TEXTO!!! grata
Muito grata, Namaste! =)
Belo texto thais, parabéns!!! Nos faz refletir sobre o real significado do yoga, como um meio de libertação de condicionamentos e ao mesmo tempo nos faz conscientes do nosso agir no mundo, de forma pacífica e amorosa, conosco e com os outros.
namaste.
Muito grata, Namaste! =)
texto perfeito!
Muito grata, Namaste! =)
simplis… e ao mesmo tempo desafiador!
que sejamos livres..
namastê!
Lindo texto, chará! 😉