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Os Sutras da Recuperação: Yoga, Hábito e a Libertação do Vício

O vício tem sido denominado de uma praga, um flagelo, e a doença da nossa era. Estatísticas mostram que, atualmente, pelo menos um em cada 10 americanos é viciado em álcool ou drogas

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O Desconforto Diário

O vício tem sido denominado de ‘praga, flagelo’, e ‘doença da nossa era’. Estatísticas mostram que, atualmente, pelo menos 1 em cada 10 americanos é viciado em álcool ou drogas (prescritas ou não), e que cada viciado/alcoólatra tem um impacto negativo para pelo menos outras 10 pessoas. Seja lá o que estes números indicarem (quantidade, na verdade), está muito claro que a tendência a tornar-se dependente de substâncias como álcool e drogas ou processos, como fazer compras e sexo, são características humanas difundidas, que têm afetado adversamente milhões de pessoas ao redor do mundo. O Yoga, corretamente entendido e praticado, pode ajudar a reverter este quadro.

Definindo o Vício

‘O uso continuado de uma substância (ou comportamento) apesar do crescente aumento de conseqüências negativas, é uma definição aceita de vício. Outra definição, pessoalmente a minha favorita, é ‘desejando a coisa errada muito intensamente’. O programa de 12 passos define o alcoolismo, (basicamente, idêntico ao vício) como, ‘uma alergia física acompanhada de uma obsessão mental ligada a uma doença espiritual’, dessa forma qualificando o alcoolismo/vício como, talvez, a primeira doença verdadeiramente holística. O Yoga explica o vício como a tendência inata da mente de, mecanicamente, responder habitualmente a desafios do presente com um comportamento que funcionou no passado (samskaras). Em outras palavras, os problemas de hoje foram, certa vez, soluções de ontem.

Yoga Redefinido

Distante de sua atual encarnação como uma aula de alongamento em grupo (agora com música), o Yoga é, originalmente, um dos seis Darsanas (filosofias ) clássicos criados pelos antigos indianos.

No Yoga Sutras de Patanjali, o texto fonte do Yoga, o Yoga é descrito como uma psicologia espiritual prática. Neste sofisticado sistema para cuidar de si mesmo, o íntimo relacionamento entre estudante e professor provê o rico contexto para desenvolver estratégias e práticas únicas, que, no final das contas, conduzem o indivíduo a uma transformação pessoal profunda. (Como alguém que estuda e ensina usando este modelo tradicional, fico continuamente impressionado com o poder imenso do Yoga de curar doenças e mudar vidas).

Outra Dimensão

O Yoga apresenta o sistema humano como uma matriz de cinco dimensões, inter-conectadas e sempre em desenvolvimento, ou ‘mayas’, cada uma das quais tem efeito e é afetada pelas outras (apesar de um pouco cedo, comentários influentes referiram-se imprecisamente aos níveis como ‘koshas’, literalmente, ‘bolsa’, a Taittiriya Upanishad, o texto original, descreve estes componentes interrelacionados mais apropriadamente como ‘mayas’, ou ‘aquele que se estende por todas partes’).

Os cinco Mayas progridem de denso para o sutil, iniciando com o corpo físico, ou anna-maya. O segundo Maya, a energia ou nível prana-maya, está ligado a respiração e as funções fisiológicas. A seguir, encontramos os sentidos e a mente exterior, ou mano-maya, seguida pela mente profunda, o nível modelador-de-valor vijnana-maya. Finalmente, no mais profundo do coração da pessoa, está o nível emocional, o ananda-maya, expresso como o potencial inerente para experimentar uma vida de felicidade perene.

O Yoga usa o modelo dos Cinco Mayas para entender e tratar a saúde e doença holisticamente. Assim, um problema físico deve ter suas raízes na mente, um trauma emocional pode afetar a digestão ou outras funções fisiológicas, um comportamento que está em conflito com nossos valores centrais, pode afetar negativamente nosso estado emocional, a regularidade de nossos batimentos cardíacos e a forma de nossa espinha.

Em artigos posteriores, iremos explorar as várias ferramentas do Yoga para tratar os mayas, incluindo asana para o corpo físico, pranayama e canto para o prana-maya, ferramentas meditativas para os níveis mentais e o apoio amoroso de um professor gentil e honesto como uma ferramenta fundamental para cultivar emoções positivas e fluídas.

Como, Exatamente, Curar

Em adição ao modelo dos Mayas, o Yoga oferece uma metodologia precisa de quatro partes, para criar e melhorar a saúde. Claramente expresso no segundo capítulo do Sutras, a estratégia de cura do Yoga requer que nós: identifiquemos os sintomas (heyam), descubramos a causa (hetu), estabeleçamos um objetivo (hanam) e escolhamos a melhor ferramenta para alcançar os resultados desejados (upayam). Este modelo simples funciona tanto para problemas que se apresentam principalmente no nível físico, quanto para aqueles no nível psicológico, mental, emocional, ou em casos de vício, uma combinação.

Vamos começar a examinar os sintomas (heyam) do vício relacionados aos cinco mayas.

Houston, Temos Heyam

Ao nível do anna-maya, os efeitos físicos do abuso de longo prazo incluem danos ao coração, pulmões, estômago, fígado e rins, bem como degradação estrutural, como osteonecrose, quando há deterioração do esqueleto. Além disto, viciados em estágios agudos de abstinência experimentam náusea, vômito, tremor, dores, febre e convulsões, dependendo da especificidade do vício.

Ao nível do prana-maya, todas as substâncias viciantes distorcem a saudável respiração natural, que, de acordo com o Yoga Sutra II:50, é longa (dirgha) e suave (suskma). Depressivos, tais como álcool e heroína, tornam a respiração lenta e superficial, enquanto estimulantes como meta-anfetamina e cocaína induzem uma respiração rápida e irregular. Uma respiração comprometida prejudica a circulação, digestão, excreção, comunicação e muitas outras funções fisiológicas. No vício, substâncias que são inaladas ou fumadas, assim como maconha, cigarros e cocaína, podem prejudicar e, finalmente, destruir os sensíveis órgãos da respiração.

Como o modelo Oriental considera os pulmões, ao invés do coração, a bomba central do corpo, muitas das ferramentas do Yoga, incluindo asana (feito corretamente), pranayama, canto, etc., são direcionados para tornar a respiração lenta e profunda. Contrariamente, tudo o que distorce a respiração, como estresse, obesidade ou drogas, é claramente um redutor de tempo de vida, e deve ser diminuído, trocado ou evitado por completo. Isto inclui o disseminado e danoso hábito de reter a respiração ao executar várias posturas de Yoga (asanacídio).

No próximo mês, exploraremos os três mayas restantes e o complexo relacionamento entre a mente, emoções e vício, através do exame do círculo vicioso, a espiral descendente do usuário ocasional para o viciado totalmente desenvolvido.

Somente para Cima

A primeira vista, o fenômeno do vício parece um obstáculo sem esperança para a felicidade permanente (paramandana), que é, de acordo com o Yoga, nosso direito de nascença. Para muitos, entretanto, chegar ao fundo do poço é um trampolim para uma vida nova excepcional, uma na qual as dores e perdas do vício servem como uma oportunidade de transcendência e crescimento. Para estes felizardos viciados, a desolação do vício provê um lembrete poderoso das limitações da mente, enquanto, simultaneamente, cria uma vigorosa sede pelo que repousa além dela.

Na filosofia do Yoga, aquele que existe além da mente é chamado de ‘purusa’, a consciência individual imutável, no cerne de todas as coisas vivas. Este espírito sem forma, uma verdadeira força maior, é a essência da liberdade e a fonte ilimitada de toda a confiança, sabedoria e felicidade.

Traduzido pelo yogi Rogério Maniezi do original The Recovery Sutras, Yoga Habit and Freedom from Addiction, de autoria de Robert J. Birberg, de 19 de Setembro de 2007, disponível em www.khyf.net, seção articles.

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  • Sobre professores que sucumbem ao vício, leia: ‘Ética para Professores de Yoga’;
  • Sobre a estratégia do Yoga para o vício, leia: ‘Yoga, Hábito e Vício’.
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Pedro Kupfer em Meditação, Pratique, Yoga na Vida
  ·   12 minutos de leitura

4 respostas para “Os Sutras da Recuperação: Yoga, Hábito e a Libertação do Vício”

  1. Muito bom ler textos sobre yoga como ferramenta de recuperação !! Indo um pouco além, alguém tem uma indicação de local sério para internação de adictos? Agradeço muito, Luz

  2. Boa tarde!
    Sou instrutora de Yoga e pretendo começar um trabalho direcionado a dependentes de álcool.
    Se for possível, quero receber algumas informações sobre o assunto. Isso me ajudará muito no desenvolvimento desse trabalho.
    Gratidão.
    Alessandra Herdy.

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