Ouvi esta história no Nepal, ano passado: um jovem cortador de pedra que trabalhava na chuva, pensou: ‘sou totalmente limitado e insignificante. Queria me sentir melhor, ser diferente. Esta chuva é realmente poderosa. Como gostaria de ser chuva, para me livrar desta penúria!’ Então, elevando os braços ao céu, dirigiu uma prece a Ishvara, que satisfaz todos os desejos, dizendo: ‘Ó Senhor, torna-me chuva!’ Do céu, Ishvara respondeu: ‘Tathastu! Que assim seja!’
E o cortador de pedra tornou-se chuva. A princípio, sentiu-se muito bem descendo do céu mas, ao perceber que estava indo em direção à terra e que seria absorvido por ela, mudou repentinamente de idéia: ‘A chuva não é assim tão poderosa. Daqui a pouco, desaparecerei para sempre no chão. A rocha é de fato realmente poderosa.’ Então, dirigindo-se novamente a Ishvara, pediu: ‘Ó Senhor, torna-me rocha!’ Ouviu-se do céu ‘Tathastu! Que assim seja!’, e a chuva tornou-se rocha.
Como rocha, ele se sentiu muito satisfeito, firme e poderoso. Ficou nesse estado por muitos e muito anos. No entanto, um dia começou a sentir os golpes de um martelo e um cinzel cortando seu corpo. Deu-se conta de que um cortador de pedra havia-se instalado sobre ele era e estava, pacientemente, cortando seu corpo em blocos. Reconheceu, nesse momento, que aquele homem era de fato muito mais poderoso que a rocha. Não demorou muito para mudar de idéia em relação a ser rocha e pediu: ‘Ó Senhor, transforma-me num humano!’
Com a paciência infinita que somente os deuses sabem ter, Ishvara aquiesceu: ‘Tathastu! Que assim seja!’ Repentinamente, o cortador de pedra viu-se assumindo novamente sua forma humana, realizando a mesma tarefa, exatamente no lugar onde tinha feito o primeiro pedido. Dentro da tradição do Yoga, histórias como esta têm sido utilizadas para ensinar e transmitir valores. O homem que se transforma em chuva e depos em pedra exemplifica a busca incessante pelo prazer ou a segurança, que é o motor dos desejos.
O grande problema
O ser humano tem um problema que meu mestre, Swami Dayananda, gosta de chamar ‘o problema fundamental’. Esse problema é a matriz de todas as formas de sofrimento, e consiste na incapacidade de nos ver como pessoas felizes ou plenas. Quando me olho no espelho, não vejo um ser tranqüilo e satisfeito, mas alguém que está em constante desassosego e que acredita que a felicidade se conquista satisfazendo desejos.
O cortador de pedra começa e termina sua jornada no mesmo lugar. Da mesma maneira, quando corremos atrás dos desejos, estamos fazendo um movimento aparente em direção à felicidade mas, em verdade, não saímos do ponto em que estamos, já que a ansiedade de conseguir o que se quer é substituída por outras emoções igualmente paralisantes, como a preocupação em manter ou o medo de perder o que conseguimos.
Os desejos são a força que motiva as ações. Não há nada de errado em satisfazé-los, desde que saibamos que a nossa felicidade não depende disso. A satisfação dos desejos nos dá uma certa paz. Mas uma paz que, infelizmente, não dura muito. É preciso quebrarmos o impulso de viver satisfazendo os desejos, justamente lembrando que nos já somos a paz e a felicidade que buscamos na satisfação dos desejos.
Caso contrário, estaremos sempre buscando nos tornar algo diferente daquilo que somos, como o cortador de pedra. O yogi sabe que a felicidade não depende de satisfazer desejos. Não obstante, ele não foge à ação. É preciso estarmos conscientes de que as nossas vontades podem nos escravizar se não soubermos quem realmente somos. É bom lembrar que estar consciente não é policiar-se continuamente, mas identificar as reações automâticas antes delas se manifestarem para evitar seus frutos indesejáveis.
Desejos e felicidade
Desejar objetos não é um problema em si mesmo. A busca do prazer ou a satisfação dos desejos não é um problema. Colocar a satisfação dos desejos como única fonte da felicidade é o verdadeiro problema. Naturalmente, os seres humanos somos inclinados à busca do prazer, do conforto e da segurança. O problema começa quando acreditamos que a satisfação dos desejos é a solução para encontrar a felicidade. O Yoga nos ensina que os objetos de desejo não podem ser um meio para a felicidade.
Ciente de que nem sequer possuo o meu próprio corpo e de que não tenho nenhum controle sobre ele, vivo em estado de contentamento. Posso constatar que o meu cabelo cai quando ele decide cair, que o meu fólego se perde quando ele acha por bem se perder e que o meu corpo envelhece, mas estou em paz. Livre da idéia do ego, tenho uma visão maior de mim mesmo. Livre dessas noções errôneas, livre das idéias de ‘eu’ e ‘meu’, vivo em paz. É preciso descobrir que nós já somos paz e tranqüilidade. Assim sendo, lembremos que ficar de costas para esse fato pode nos custar a plenitude que todos buscamos. Namastê!
Texto publicado originalmente na revista Prana Yoga Journal. Visite o website da revista clicando aqui: www.eyoga.com.br.
Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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Namaste.
Susana