Para a psicanálise, o nível consciente da mente inibe e reprime a manifestação de certas tendências, impulsos instintivos e de certos conteúdos dos níveis ocultos.
A psicologia hindu, precursora da psicanálise, diz exatamente o mesmo: vāsanās (desejos, necessidades e motivações profundas) e samskāras (impressões e conteúdos representativos) jazem, operantes e potentes, no inconsciente.
Conforme sejam vāsanās e samskāras, assim somos nós; assim é o nosso destino. O que pensamos, sentimos e fazemos, tudo decorre de vásanás e samskāras. Esses componentes de nosso ser profundo ali foram acumulados por nossas experiências passadas.
Conforme sejam “puros ou impuros, positivos ou negativos, por nós ou contra nós, construtivos ou destrutivos” haverá saúde, paz, felicidade, alegria ou doença, desventura, ansiedade…
Se no passado vivemos inconseqüentemente acumulando conteúdo nefasto, hoje padecemos o resultado disso, pois ‘quem planta colhe‘. Assim é que somos conseqüência do que fomos. Podemos também dizer que fazemos agora o que amanhã seremos. Tal é a chamada Lei do Karma.
De tudo isso se conclui que o melhor remédio contra o sofrimento, inclusive a angústia, é a anulação das sementes (vāsanās e samskāras) nefastas e deletérias que se acham nos planos ignotos da mente.
Em resumo, esse é o método psicanalítico hindu. Um dos métodos de se conquistar a mente. Isso é o fundamento do Rāja Yoga (ou Aṣṭāṅga Yoga de Patañjali), que consiste em esterilizar as sementes daninhas a fim de não virem a germinar sofrimentos.
Os vāsanās e samskāras que, por quaisquer métodos, são tornados infecundos, isto é, inoperantes, ao mesmo tempo em que nos redime das conseqüências do passado, tornam possível o ênstase transcendente (samādhi), que, por sua vez, abre as portas à Realidade.
A tática militar considera fator de vitória o conhecimento do inimigo. A ciência médica acha que uma exata diagnose, isto é, o conhecimento da enfermidade e do enfermo já são, em si, meio caminho andado na terapêutica.
A psicanálise, por sua vez, fundamenta seu tratamento na identificação dos motivos profundos e ignotos, escondidos desde os dias esquecidos da infância. Vicārá é a psicanálise do Yoga. É a tão necessitada purgação.
É com esse descortinar das regiões abissais da mente que chegamos a conhecer nossas tendências, impulsos, necessidades, impressões, registros e clichês inconscientes e, desse conhecimento, advém a libertação.
A Purgação Mental
A purgação mental é uma técnica que facilita o reconhecimento do conteúdo e comportamento da mente. Por outro lado, como qualquer forma de catarse, alivia, liberta e melhora. Tumor fechado é doença. Tumor vazando é saúde.
A mente, em seu estado dito normal, pode ser comparada a um tumor cheio. Por medo ou por conveniência, assim a mantemos toda a vida. Temos até receio de pensar em abrir as comportas de nosso mundo mental.
Achamos que é mais seguro conservar seu conteúdo em segredo, em esconderijo ao qual não queremos chegar. E assim, do fundo, dos planos escondidos, somos perturbados comumente pelo conteúdo comprimido lá dentro.
As pressões, no entanto, não param de crescer, aumentando portanto a sensação do desconforto… Qualquer extravasão que alivie as pressões e dê saída àquilo que nos cria problema, constitui uma cura verdadeira. E essa é também a opinião da auto-análise e da psicanálise.
A medicina prescreve laxantes. Para quê? Não é para que os intestinos eliminem substâncias putrefatas que intoxicam? Quando a enchente do rio foi desastrosa, não é a sangria na represa que alivia a situação?
A técnica de purgação mental tem o efeito do bisturi que sarja tumor, de laxativo que limpa os intestinos e de sangria que preserva a represa. É portanto de alta conveniência que se pratique, diariamente, tal exercício.
Técnica: Em lugar onde não venha a ser incomodado, sente-se confortavelmente, de maneira a que não precise mudar de posição. Olhos fechados, fique inteiramente imóvel e dê ordens mentais de relaxamento a todo seu corpo, até chegar a sentir-se como se não tivesse corpo.
Entregue-se a Deus Onipresente, oferecendo a Ele o resultado de sua prática. Transforme-se em mero espectador dos movimentos da sua mente. Deixe-a vagar. Deixe-a ir para onde entender.
Seja um observador atento, mas sem inquietações, sem desejos, sem se sentir envergonhado ou orgulhoso do que for presenciando. Não reprima o que lhe desagrada.
Também não alimente nem estimule o que lhe convém. Não deseje não ver algo que lhe desgosta nem anseie por ver o que lhe interessa. Nada de fazer ‘cortes’ de censor no filme que sua mente lhe apresenta.
Quanto maior for sua isenção; quanto mais realizar sama bhava, isto é, ‘igualdade de ânimo’; quanto mais você se vir livre de idéias morais anteriores; quanto mais você sentir-se ‘desidentificado’ com aquilo que está percebendo, mais à vontade e mais espontaneamente a mente se revelará, mostrando como é e o que tem.
Você lucrará por se aliviar de cargas enfermiças, perturbadoras, indesejáveis e mórbidas; por afrouxar tensões emocionais; por purificar a mente; por ‘desidentificar-se’ com a mente e, em conseqüência, identificar-se com Aquilo que a transcende; por desenvolver a coragem de defrontar-se com a parte de sua natureza que você sempre temeu.
Nas primeiras tentativas, duas coisas podem ocorrer:
a) a mente não se sente confiante nem à vontade diante da possibilidade purgação e, por isso, se mantém inibida. É o caso mais raro;
b) os processos mentais se desenrolam febris, demasiado agitados, o que pode levar o praticante a duvidar se está fazendo certo ou até suspeitar da conveniência do método.
Prossiga, inquebrantavelmente, todos os dias, a deixar a mente escorrer livre de seus subterrâneos. Faça-o com a certeza de que, pouco a pouco, a ganga impura vai deixando um vazio, que virá um dia a ser preenchido pelo bem-aventurado silêncio dos santos.
A mente não pode vencer a inquietude se não se livrar das causas da inquietude. Não superará o estado de conflito se os conteúdos conflitantes continuam lá, em luta. Não vencerá a ansiedade, se essa se alimenta de materiais profundos e insondáveis.
Dê rédeas ao fluxo de sua mente. Faça como quem, sentado na margem, observa o rio correndo. Quem não mergulha no rio não é arrastado, e, só assim, do lado de fora, em segurança, sem identificar-se com ele, pode aperceber-se do que ele é e como age.
Sinta-se como sentado na margem, sem mergulhar na mente, sem se deixar envolver, sem se deixar empolgar. Tome conhecimento, sem julgar, sem criticar, sem lutar, sem pretender subjugar ou reprimir, estimular ou melhorar.
Esqueça-se dos resultados que pretende. Esqueça-se de que deseja limpá-la e libertá-la de imperfeições.
Dhāraṇā, ou concentração da mente, só é possível depois de algum tempo de ‘purgação mental’. Chega mesmo a ser uma sua conseqüência. É de resultado desalentador tentar a sujeição da mente, fixando-a sobre um objeto.
Ela se defende como um espadarte capturado pelo anzol do pescador. Usará de todos os seus recursos – e são imensos, inusitados e poderosos – para não se deixar vencer. Se você for inteligente como o pescador, acabará domando a instabilidade mental.
A forma inteligente a que me refiro é imitar o pescador que, por algum tempo, solta a linha e deixa que o peixe se movimente à vontade, até que, por fim, de tanto debater-se, já estafado, não resiste à captura.
O ato da ‘purgação mental’ equivale a ‘dar linha’ à mente, que acabará por ser submetida, sem esforço, sem luta e sem violência. Onde reina inteligência não cabe lugar à violência.
॥ हरिः ॐ ॥
Extraído do livro Yoga para Nervosos.
Digitado por Cristiano Bezerra.
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॥ हरिः ॐ ॥
Muito interessante essa publicação. O Antar mouna é uma prática muito eficaz. Gostaria de saber se existem áudios de todos os estágios dessa meditação e se saberiam me dizer onde encontrar.
Muito obrigada!
adoro esta pratica para limpar e conquistar a mente de forma não violenta, obrigado Hermogenes.