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Arshavidya: a visão dos rishis

A palavra sânscrita arsha significa aquilo que vem de um rishi. Um rishi é aquele que conhece ou vê, portanto, um rishi é um vidente. Vidente de quê? Ele é um vidente do que é, das coisas que outros não vêem. Vidya significa conhecimento, que se opõe ao erro e a ignorância. Assim, arsha vidya designa o conhecimento dos rishis.

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A palavra sânscrita arsha significa aquilo que vem de um rishi. Um rishi é aquele que conhece ou vê, portanto, um rishi é um vidente. Vidente de quê? Ele é um vidente do que é, das coisas que outros não vêem. Vidya significa conhecimento, que se opõe ao erro e a ignorância. Assim, arsha vidya designa o conhecimento dos rishis.

Nós temos um corpo de conhecimento que vem de geração a geração através da linhagem do professor e do aluno (guru-sishya-parampara). Este corpo de conhecimento é chamado de Veda. É constituído por dois tópicos principais. Um deles é o tópico que lida com valores, o certo e o errado, várias formas de oração e rituais para diferentes fins.

Dois tópicos no Veda

Um ser humano tem uma série de desejos. E os desejos de uma determinada pessoa não precisa ser os desejos da outra pessoa. Além disso, uma pessoa que agora tem um desejo, muitas não têm o mesmo desejo mais tarde, mesmo que não foi satisfeito. Ela pode crescer fora dele. Assim, esses desejos (kamah) são muitos e variados (binnah).

A fim de cumprir estes desejos, uma pessoa faz tentativas de acordo com sua habilidade e conhecimento, mas ainda assim, há muitas variáveis ocultas. Para controlar as variáveis ocultas uns recorrem à oração. Este tipo de oração, uma oração específica para obter um determinado resultado é mencionado na primeira parte do Veda. Há muitas orações para fins muitos diferentes.

Finalmente, no final, o Veda tem um tópico chamado Vedanta. Este tópico trata daquele que deseja. É importante entender a diferença entre esses dois tópicos. Um lida com seus desejos, tenta ajudá-lo a satisfazer os seus desejos. O outro trata daquele que muito deseja. Por que eu sou uma pessoa que deseja? Mesmo se eu satisfazer alguns desejos, eu não vou dizer que eu satisfiz todos os meus desejos.

Havia desejos que eu não podia satisfazer quando eu era jovem e mesmo agora, há desejos que não posso satisfazer – como os desejos de uma sociedade ideal, de um amigo ou cônjuge idealmente disponível que eu sempre sonhei. Esses desejos nunca são satisfeitos e talvez nunca serão atendidos. Nunca se pode ficar tranquilo, dizendo: “eu satisfiz todos os meus desejos.

Quando ser aquele que deseja é um problema

O desejo que tenho é apenas o privilégio de uma pessoa feliz, livre e completa. Sendo um ser humano dotado com essa liberdade de escolha, ao contrário de um animal, eu tenho esse privilégio de desejar; que é uma das três capacidades dadas a um ser humano, o poder, a liberdade para desejar, conhecer e de agir (iccha-sakti, jnana-sakti, kriya-sakti). Estas três saktis são dadas a mim. É um privilégio para mim alimentar um desejo e depois satísfazê-lo. Se for satisfeito, eu sou feliz e se ele não for satisfeito sou feliz.

Mas, geralmente, não nos sentimos assim. Aquele que deseja no início é aquele que deseja no meio e continua a ser aquele que deseja no fim. Quando criança, eu sou aquele que deseja e quando eu chegar aos dezenove eu ainda sou aquele que deseja. Então ser uma pessoa que deseja é uma realidade. Se esta realidade é verdadeira, então eu não tenho nenhuma oportunidade de encontrar satisfação na minha vida. Então, eu continuo lutando por toda a minha vida.

Você cruza oceanos, chega a lugares distantes e realiza muito. Ainda assim, aquela pessoa que está querendo, aquela pessoa que tem um senso de inadequação, nunca se vai. Ela está sempre presente. Assim, parece que todos os seus esforços são inúteis, porque você não vê nenhuma diferença em si mesmo, apesar de todas as suas realizações.

Essa é uma situação realmente trágica: eu queria ser alguém e naquele alguém eu não vejo uma pessoa que fez isso. Vejo apenas uma outra pessoa “tornar-se”, na verdade, a mesma pessoa que “se torna”. Eu chego a um ponto onde eu não posso mais “vir a ser” por causa da minha velhice, pois isso é algo peculiar a um ser humano.

O ser humano é auto-consciente e por isso, tem complexos. Eu quero ser “alguém”, porque há a conclusão que eu obtenho, dentro dos limites do meu próprio complexo corpo-mente-sentido. Eu sou somente isso e eu quero ser “alguém”. A tentativa decorre da minha própria conclusão, uma conclusão que é universal. Esta conclusão é que eu sou incompleto e tenho que me tornar completo.

Nisto, cada um tem certas necessidade peculiares de acordo com o seu passado, mas essas necessidades são um fenômeno universal; pois esta pessoa que quer continuar a existir sem qualquer senso de realização, nela, conseqüentemente, há sempre uma busca. Se alguém reconhece isso e quer resolver este problema de busca, a busca se torna uma busca espiritual.

Uma busca é uma busca, se você procura por dinheiro, poder, posição e trabalha para isso; ou você procura uma solução para este problema básico. Nós chamamos isso de pesquisa básica espiritual, na medida em que não há nenhum desejo particular que se é encontrado.

Que eu sou aquele que deseja, que eu sou uma pessoa que quer, que eu sou alguém confinado neste complexo corpo-mente-sentido, que eu sou diferente de tudo o mais, e, portanto, sou uma pessoa, inadequada incompleta, que deve tornar-se adequada e completa – esta busca não tem nenhum objeto em particular no mundo, pois é centrada em mim mesmo.

Quando seu desejo é centrado em um objeto, você o chama de um desejo material. Se ele está centrado em si mesmo, sobre o problema de ser uma pessoa que quer, essa pessoa tem que mudar. Essa pessoa pode mudar? Se essa pessoa tem que mudar, então deve haver uma realidade diferente sobre essa pessoa.

Caso contrário nenhuma mudança é possível. Se eu sou uma pessoa incompleta, em essência, então na realidade eu sou incompleto. Não há nenhuma maneira de consertar esse problema. Mas eu estou sempre me esforçando para arrumar esse problema. Então, isso não é algo exclusivo para uma determinada pessoa, pois todo mundo tem esse desejo espiritual, se podemos chamar isso espiritual.

Resolvendo o problema de ser aquele que deseja

O Vedanta é assim chamado porque está no fim do Veda. Não tem nenhum outro significado, é apenas um nome de posição. Este corpo de conhecimento que chamamos de Veda tem em sua extremidade um segundo tópico que trata este problema de eu ser aquele que deseja. Eu posso ser aquele que deseja sem que seja um problema, se eu ver isso como um privilégio que me foi dado, então, eu sou livre o suficiente para ter alguns desejos e satisfazê-los.

Eu também sou suficientemente livre para ser feliz, mesmo se eles não forem satisfeitos. Então, sozinho, isto se torna um privilégio. Caso contrário, todo desejo é um desejo de ligação porque tem que ser atendido. Este problema é abordado no Vedanta que também é chamado Upanisad.

Upanisad é um diálogo entre um professor e um aluno que é dado na forma de um diálogo, porque aqui alguma coisa tem de ser entendida. O tópico lida com o que se pretende entender, não uma simples confiança. E isso é uma questão de conhecimento e é preciso conhecê-lo através de um professor, que também é revelado no diálogo.

O tópico é você; o seu pensamento de si mesmo como aquele que deseja e o fato de que isto é um erro. Você tem o privilégio de desejar, sem dúvida, mas você não é aquele que deseja. Enquanto aquele que deseja é você, você não é aquele que deseja. Desejo é algo que você aprecia como um privilégio e o Vedanta aceita isso.

Na verdade, se você é livre, você pode ter mais alguns desejos, porque o desejo não envolve um desejo de se tornar livre de incompletude. Atrás de cada desejo, há um desejo de ser seguro. O desejo de ter mais dinheiro não é por causa do dinheiro em si, mas por segurança. Que eu sou inseguro é uma conclusão; esta conclusão me faz buscar por segurança e no dinheiro eu vejo segurança.

Atrás do objeto de cada desejo há outra coisa que estamos procurando que é identificado pelo Vedanta como um impulso espiritual. A busca em sua vida é espiritual, quer você goste ou não, é a procura por segurança. Você não pode aceitar que você é inseguro, porque sua natureza é a segurança. Não há nada mais seguro do que si mesmo. Isso é o que o Vedanta diz.

O Vedanta nos pede para ver o que ele tem a dizer. Então, em que base você conclui que é inseguro? Você fez um indagação (vicara) sobre si mesmo? No entanto, não é depois do vicara que você conclui que é inseguro. Isto se dá sem qualquer indagação, pois todo mundo nasce com a ignorância e essa ignorância é dupla.

Uma delas é a ignorância de si mesmo e a outra é a ignorância do mundo. Minha mente, sentidos e capacidade de inferência podem ser melhorados na medida que eu cresço. A percepção e a inferência, nossos dois principais meios de conhecimento, são destinados para entender as coisas que podemos objetivar.

Mas a ignorância original sobre mim mesmo, com a qual eu comecei a minha vida, não vai embora. Sem saber o que o Ser é, com a conclusão que eu sou aquele que deseja, que eu sou incompleto, inseguro e infeliz é um dado adquirido, considerado como real porque todo mundo tem conclusões semelhantes. Mas para determinar a verdade, a maioria não desempenha qualquer papel.

Todo mundo acreditava que o Sol se levantava pelo céu do oriente e viajava pelos céus a cada dia. Um colega disse que isso não era verdade. Toda a humanidade foi contra uma pessoa. Todos pensavam que a Terra fosse plana, mas uma pessoa disse que era um globo. É assim que é a verdade. Ela não é determinada pelo consenso da maioria. É determinada pelo fato de que é verdadeira ou não.

Na visão do Vedanta você é a segurança que você está procurando no dinheiro, no poder, etc. Você é a felicidade que você está procurando nas várias formas de prazer e assim por diante. Felicidade, aqui, significa a plenitude que é oposta ao sentido de incompletude. Você quer ser uma pessoa inteira porque é exatamente isso que você é.

Você realmente não quer ser um mortal e por isso que há sempre uma tentativa de se ver livre dessa mortalidade. Você quer prolongar a sua longevidade, sabendo muito bem, é claro, que um dia você vai sucumbir. Ainda assim, é muito difícil aceitar a morte. Eu quero viver um dia mais.

Mas e quanto as pessoas que cometem suicídio? Não é que eles queiram colocar um fim às suas vidas, é porque há um outro impulso igualmente poderoso para ser feliz e seguro. Se houver um perigo para a segurança ou a felicidade, na percepção dessa pessoa, ela pode cometer suicídio. A busca por segurança e felicidade é tão real quanto o amor pela longevidade.

Na visão do Vedanta as conclusões de que você tem o prazo determinado, incompleto, inseguro estão errados. Nessa visão você é a verdade de tudo. Você não pode se tornar mais do que plenitude, porque a plenitude é a sua natureza. E assim, você é a própria essência do tempo; você é atemporal. Em outras palavras você é sat-chit-ananda.

Nessa visão você é tudo isso e é isso que você está procurando na vida. O Vedanta lida com a realidade de viver; dá sentido à sua vida, ao contrário dos que tateiam no escuro sobre o que fazer na vida na busca de uma coisa ou outra. Ele dá a liberdade a partir desta luta constante.

Onde quer que esteja e tudo o que esteja fazendo, você pode se encontrar livre o bastante para ser o que você é. Esta liberdade particular é inata a você e é isso que é revelado na declaração que você é sat-cit-ananda. Não é uma afirmação mística, mas é revelada pelo Vedanta metodicamente, através de um método muito sofisticado de ensino.

Auto-crescimento

Como parte deste programa de ensino que faz você ver que você é livre, este arsha-vidya, ou Vedanta, tem um programa para seu próprio auto-crescimento. Isso é o que chamamos de Yoga. Como revelado na Gita e também nas Upanishads, Yoga é uma forma de viver que ajuda você a crescer no seu potencial. Como um ser humano, há espaço para mais crescimento.

Um filhote de tigre precisa levar, eventulamente, uma vida de tigre – independente e forte. Para fazer isso, o filhote tem que crescer para se tornar um adulto. Quando ele se torna um adulto, ele não tem outro programa a seguir. Ele vive a vida de um tigre sem complexos.

A criança humana também cresce para se tornar um adulto, mas com isso, o crescimento ainda não terminou. Há um conflito constante e todo conflito é para o crescimento. Então, temos que lidar com cada conflito e crescer para ser uma pessoa que está livre de conflitos, pois todo mundo tem que crescer nessa pessoa.

Deixe-a levar toda a vida, mas isso ainda é um programa que alguém pode se permitir realizar, que não se pode dar ao luxo de não realizar. Tudo tem que se tornar significativo para mim. E se isso está me sujeitando sempre a conflitos, há um problema real de crescimento. Então, temos que tomar a iniciativa para crescer como um ser humano completo.

Assim, temos dois programas no Vedanta – um é para ajudar a pessoa a crescer, a se tornar objetiva, imparcial e isenta de conflitos e viver uma vida de riqueza. Esse tipo de vida, que é enriquecida pelo seu próprio auto-crescimento é o que é visado pelo programa de Yoga. O Vedanta ensina como agir nisso. Então, ele tem a palavra final de que você é o todo.

Na verdade, você tem que provar que você não é. Todo o processo de bater de frente contra o que Vedanta diz é o que chamamos de processo de aprendizagem. Você tenta provar que o Vedanta está errado e que o Vedanta sempre tem uma resposta. Finalmente você tem a dizer: “Eu sou o todo.”

Uma vez que você diz isso e vê que você é o todo, ninguém pode tirar isso de você. Essa é a beleza dele. Não há nenhuma promessa realizada aqui. O Vedanta não diz que você vai se tornar o todo. Ele diz que você é o todo. O que é que inibe esta compreensão? O Vedanta remove todos os fatores inibidores metodicamente, cognitivamente; pois isto é o que você está interessado na vida.

Assim, toda a sua vida pode ser convertida em Yoga e então tudo se torna significativo. E isso se dá por causa da atitude que você descobre em si mesmo, na consequencia do entendimento de determinadas realidades. Assim, o Vedanta é um corpo de conhecimento que lida com a realidade da vida, da vida inteligente, com o fim de encontrar a própria realização.

Om tat sat.


Traduzido por Humberto Meneghin: http://www.yogaemvoga.blogspot.com/.

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Swāmi Dayānanda Saraswatī (1930-2015) ensinou a sabedoria tradicional do Vedanta por cinco décadas, na Índia e em todo o mundo. Seu sucesso como professor é evidente no sucesso dos seus alunos: mais de 100 deles são agora Swāmis, altamente respeitados como estudiosos e professores.

Dentro da comunidade hindu, ele trabalhou para criar harmonia, fundando o Hindu Dharma Acharya Sabha, onde chefes de diferentes seitas podem se reunir para aprender uns com os outros.

Na comunidade religiosa maior, ele também fez grandes progressos em direção à cooperação, convocando o primeiro Congresso Mundial para a Preservação da Diversidade Religiosa.

No entanto, o trabalho de Swāmi Dayānanda não se limitou à comunidade religiosa. Ele é o fundador e um membro executivo ativo do All India Movement (AIM) for Seva.

Desde 2000, a AIM vem trazendo assistência médica, educação, alimentação e infraestrutura para as pessoas que vivem nas áreas mais remotas da Índia.

Havendo crescido em uma pequena vila rural, ele próprio entendeu os desafios particulares de acessar a ajuda enfrentada por pessoas de fora das cidades. Hoje, o AIM for Seva estima ter ajudado mais de dois milhões de pessoas necessitadas em todo o território indiano.

subhashita

Subhāshitas, Palavras de Sabedoria

Pedro Kupfer em Conheça, Literatura
  ·   1 minutos de leitura

3 respostas para “Arshavidya: a visão dos rishis”

  1. Lindo texto, extremamente esclarecedor, me deu a certeza de que quero tomar contato direto com os Vedas, já faz muitos anos que ouço algo sobre os Vedas, mas não sei como e onde conseguir esse conhecimento, nunca vi onde pudesse ter acesso aos Vedas, alguém saberia como encontrar essa obra ? Obrigada, no aguardo

  2. Grata por compartilhar este texto! Muito bem vindas, como sempre, as palavras do Dayananda.

  3. Grato pelo ótimo texto (ou fala transcrita) do Swamiji, e ao Humberto pela tradução. Falar sobre moksha com o questionamento do desejante (ou aquele que se identifica com o desejo), é uma excelente proposta para se refletir, afinal, se somos donos deste tal desejo ou se somos tomados por ele e tiramos conclusões erradas pela falta que ele nos gera.

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