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Como Saber que Sou Felicidade?

Nas aulas de Vedanta, o Ser é definido como sat, chit e ánanda. Acho que estou começando a entender "sat", existência, e "chit", consciência, mas "ánanda", felicidade, ainda me parece difícil. Se sou realmente consciência não-dual sem uma identidade própria, uma consciência individual, como poderei saber que sou felicidade?

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Pergunta de um estudante: nas aulas de Vedānta,  o Ser é definido como saccidānanda. Acho que estou começando a entender sat, existência, e cit, consciência, mas “ānanda”, felicidade, ainda me parece difícil.

Se sou realmente consciência não-dual sem uma identidade própria, uma consciência individual, como poderei saber que sou felicidade?

Quando a individualidade se vai, parece que o “eu-que-conhece” também some e só resta essa morna consciência/existência. Não sei se quero ser assim. Como pode isso ser felicidade?

Resposta de Swāmi Dayānanda: O problema aqui está na tradução de saccidānanda para respectivamente existência, conhecimento e felicidade ou êxtase. Se é essa a tradução, tudo pode ficar bem confuso.

Tomemos, por exemplo, a palavra “sat“. Ela não tem um significado real se não está acompanhada da palavra “ānanda“. Saccidānanda equivale a satyam jñānam anantan Brahman. Significam a mesma coisa.

A palavra “ananta” é muito clara. Ananta quer dizer “o que não tem anta”, nenhum fim, isto é, como objeto, não tem qualquer atributo que situe ou o distinga de outro objeto. Suponhamos um objeto que tenha atributos.

Esses atributos distinguem este objeto dos dernais. Urna cadeira tem o atributo de “ser cadeira” (ter “cadeiridade”, chairness, em inglês), que a limita. Digo “cadeira” e qualquer um sabe que não estou me referindo a uma mesa, ou parede ou seja lá o que for.

felicidade

Nada além de cadeira. Se a palavra ananta é usada para satyam (existência – aquilo que é) então, nesse sentido, “é” (existência) não tem qualquer lirnite porque não tem quaisquer atributos que o limitem.

Isso quer dizer que não há limitação objetiva para satyam, aí incluídos limites de tempo e espaço.

Assim, só aquilo que não possui limite de tempo, de espaço e de objetificação pode ser satyam. Somente essa espécie de satyam pode ser Brahman.

Portanto, a mera tradução de satyam para existência não funciona. Existência quer dizer existência de algo. Geralmente, entendemos que qualquer coisa que exista carrega em si o elemento tempo.

“Existência” supõe sempre o elemento tempo. Dizer que uma coisa existe significa ordinariamente que ela antes não estava aqui, agora existe e mais tarde poderá não existir. E, mesmo enquanto existe, pode não ser a mesma no próximo minuto.

Portanto, todos os nossos conceitos de existência baseiam-se em termos de tempo, qualidade e lugar. Se dizemos simplesmente que satyam significa existência, estamos tomando satyam como palavra comum, do mesmo calibre da palavra existência que podemos usar para o que quer que seja.

Temos a existência da luz, das mesas, dos micróbios, etc. “Existência” refere-se sempre a algo mais que a qualifica. Ou esse algo mais está qualificado pela existência. Um objeto é qualificado pela existência – ele É.

A cadeira é – “cadeira” tomado como substantivo, “é” como qualidade. A cadeira tem a qualidade de existir; é assim que encaramos toda essa estória. Mas, quando se trata de satyam, falamos de existência sem qualquer forma de limitação.

Só assim podemos manter a palavra existência para definir satyam. Satyam é “é” (existência). Uma vez que satyam é traduzido como existência, devemos acrescentar a palavra anantam.

Que tipo de existência é representado por satyam? Existência sem limites. Quer dizer que não há nada além de satyam, existência sem limites.

Não houve nascimento em certo instante, nem há uma forma particular que mude com o tempo, portanto estando livre deste, livre da objetificação e dos atributos. Satyam quer dizer pura existência.

Não é a existência de Brahman. Brahman é existência. Não como a existência de uma cadeira. Brahman é satyam. Existência, satyam, em si mesma, é Brahman, e qualquer coisa a mais é nome, forma.

Todos os nomes e formas estão contidos em Brahman, que é existência. Por isso, a palavra anantam é muito importante na compreensão de satyam.

Da mesma forma, a palavra “jñānam” é também necessária para definir satyam. 0 “objeto do conhecimento”, o “sujeito do conhecimento” e os “meios do conhecimento” são todos chamados jñánam.

Conhecer também se diz jñānam. Então, de que espécie de jñānam estamos falando agora? Deve ser satyam jñānam. Satyam significa aquilo que é invariável em todas as formas de existência, porque não há nada que esteja fora dele.

Portanto, deve ser anantam jñānam, satyam jñānam. Satyam mesmo existe na forma de jñānam. Que espécie de jñānam? Jñānam que é satyam e anantam. Não é o conhecedor, o conhecido ou (o processo de) conhecer, mas aquilo que é satyam em todos três.

O que é esse satyam? É puramente consciência. Não é o conhecedor. O conhecedor depende da consciência; consciência não é o conhecedor. Não é o conhecimento.

O conhecimento depende da consciência; consciência não é conhecimento. Não é o objeto do seu pensamento. O objeto do seu pensamento está na consciência, mas consciência não é o objeto do seu pensamento.

O conhecer e os meios do conhecimento envolvem a consciência invariável, mas a consciência em si não é nenhum deles. A palavra ananta (ilimitado) é necessária para compreender satyam, jñānam ou sat, cit.

Êxtase não é felicidade

Se se traduz sat, cit, ānanda como existência, conhecimento, êxtase, chega-se à existência no sentido do ilimitado, do eterno, e então você conclui:

“Oh, o Ser (Ātma) é eterno. Mas, Swāmijī, como posso compreender essa eterna consciência que ao mesmo tempo é êxtase? Entendo que Ātma é eterna consciência, mas como experimentá-lo como êxtase?”.

Quem faz essa pergunta está usando êxtase com o sentido de algo que se experimenta. Palavras usadas dessa forma causam problemas de comunicação.

Palavras desse tipo são usadas como lakṣaṇa na comunicação. A palavra lakṣaṇa significa apontador, sinal característico, símbolo ou ilustração. A palavra ānanda em saccidānanda é usada como um lakṣaṇa que aponta um fato, uma verdade.

Satyam é uma lakṣaṇa para satyam que é ilimitado. Jñānam é um lakṣaṇa para jñānam que é plenitude, infinitude. Quando dizemos sat, cit, ānanda, o ānanda svarūpa, a natureza de ānanda está na forma de felicidade.

A tradução não é exatamente felicidade, porque felicidade é uma palavra que supõe uma experiência, que indica uma experiência da mente, um vṛtti (pensamento) na mente. A mente assume um śāntivṛtti (um pensamento de completa paz) e a felicidade se manifesta.

Essa felicidade poderá pertencer ao mundo? Ela não vem deste mundo. Se vem do mundo, qual será o objeto que me faz feliz? Não existe um objeto no mundo que possa fazer-me feliz.

Nenhuma situação pode ser tomada como felicidade, porque ela mesma pode fazer alguém infeliz mais tarde. As pessoas ficam felizes ou infelizes em diferentes situações. Portanto, nenhuma situação, objeto, momento ou local particular pode ser considerado uma fonte de felicidade.

Então você tem de perguntar-se se a felicidade não estará dentro de você. Mas, se dizemos “dentro de você”, que significa isso? A mente? Se a mente fosse a fonte da felicidade, não poderia haver tristeza.

Mas a mente também está presente na tristeza. Portanto, não se pode dizer que uma mente pensativa é a fonte da felicidade. Nem dizer que fico feliz quando o mundo está ausente. Isso não é verdade.

Pode-se apreciar o mundo e ser feliz. Você pode escutar música e ser feliz. Você pode tomar sorvete e sentir-se feliz. Ou ficar feliz dançando. Ou sentir-se feliz por gostar de alguém.

A experiência sensorial do mundo pode trazer felicidade. Portanto, não se pode dizer que o mundo nos faz infelizes. Não é verdade, porque se pode contradizer essa opinião.

Portanto, não se pode dizer que o mundo nos faz infelizes, porque ele também nos faz felizes. Felicidade não tem nada a ver com o mundo ou com a mente. Não se pode dizer que a mente está ausente quando estamos felizes, porque a mente está desperta nesse mornento.

Os sentidos não estão ausentes, o corpo não está ausente, nem o mundo, nem a mente, e no entanto a felicidade aí está. Afinal, quando a felicidade está presente, o que mais está?

Eu diria que existe apenas você, menos as suas noções. O que quer dizer isso? Sou um buscador, estou identificado com o ahaṅkāra (ego), com a estória de identificar-me com um ser mortal, limitado, cheio de desejos.

Essa noção particular de ser um ente mortal e limitado é momentaneamente superada, porque alguma coisa muito absorvente me captou e por isso esqueci de mim mesmo e sou feliz. O que quer dizer “esquecer-me de mim”? Não é que o “eu” tenha desaparecido.

O que foi esquecido foi a sua história, seus problernas. Foram todos esquecidos e você está feliz. Isso significa que a felicidade se torna um estado. Nesse estado, o que está presente é a plenitude, a infinitude.

Esse é o “eu” que se manifesta. Na realidade, não há mais uma divisão entre buscador/busca quando se está feliz. O mundo não é mais objeto dessa busca, e você não é mais o buscador.

Você não deseja mais que sua mente ou seu corpo sejam diferentes. Nesse momento, tudo existe e é plenitude. Você é plenitude. O mundo também é plenitude.

A mesma plenitude está lá. Felicidade torna-se um lakṣana da infinitude que é a sua natureza. Só então podemos usar as palavras sat, cit, ānanda como lakṣaṇas para Ātma.

O que acontece é que as pessoas não compreendem isso e dizem:

“Swāmijī, eu compreendo , que é sat, cit, ānanda, mas como posso experimentar ānanda/êxtase? A pessoa que pergunta isso conhece diferentes tipos de êxtase e quer agora um novo tipo, inconfundível.

Tem de ser diferente do êxtase do chocolate ou do disco, e de qualquer outro êxtase já conhecido. Ela quer esse novo êxtase, que é o êxtase de Ātma.

Outros tipos já foram vistos desde a infância – o êxtase do balão de borracha – até os atuais êxtases das férias no Caribe ou no Havaí. E tendo tudo experimentado, encontra-se pronto para o êxtase de Ātma.

Tais pessoas sentem que, ao experimentar esse êxtase, atingirão a iluminação. Será isso verdade? Suponhamos que alguém tem uma experiência de êxtase, para a qual utilizou determinadas técnicas aprendidas.

Você comprime tal parte, olha assim ou assado, etc, e afinal experimenta algum êxtase. Como saber se esse êxtase é o êxtase de Ātma?

Ao definir ānanda corno felicidade/êxtase, damos a uma palavra com um significado simbólico uma conotação de experiência. Ānanda passa a ser algo que deve ser experimentado. Muito naturalmente, todos começam a aguardar um êxtase experimentável.

Suponhamos que você experimente determinado êxtase; este não lhe dirá “Eu sou o êxtase de Ātma”, não haverá declarações desse tipo. Então, como saber?

De novo você busca uma experiência extática, e de novo tem de interpretar esse êxtase. Será o êxtase de átman? E, assim, naturalmente a pergunta passa a ser: “qual o meio de conhecimento para interpretar o êxtase?”

A percepção como meio de conhecimento não poderá auxiliá-lo. Você só poderá dizer que por um momento “me pareceu estar em êxtase e agora não estou mais”.

Dizer “eu estava em êxtase” é inteiramente diferente de dizer “eu sou êxtase”. Na verdade, você é êxtase e somente êxtase.

Qualquer experiência de êxtase que se tenha não é mais que a manifestação da infinitude que é você. Ānanda, felicidade, é pois uma palavra que usamos geralmente como lakṣaṇa para infinitude.


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॥ हरिः ॐ ॥

Leia também:
1. Chaves para a Felicidade
2. Felicidade, Conhecimento, Liberdade
3. Desejo, Felicidade, Conhecimento

॥ श्रीः ॥

Extraído do Informativo Vidyā Mandir de junho de 1991, do Vidyā Mandir – Centro de Estudos de Vedanta e Sânscrito, Rio de Janeiro. Traduzido por Heloísa Madeira e digitado por Cristiano Bezerra.

+ de Swāmi Dayānanda aqui

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Swāmi Dayānanda Saraswatī (1930-2015) ensinou a sabedoria tradicional do Vedanta por cinco décadas, na Índia e em todo o mundo. Seu sucesso como professor é evidente no sucesso dos seus alunos: mais de 100 deles são agora Swāmis, altamente respeitados como estudiosos e professores.

Dentro da comunidade hindu, ele trabalhou para criar harmonia, fundando o Hindu Dharma Acharya Sabha, onde chefes de diferentes seitas podem se reunir para aprender uns com os outros.

Na comunidade religiosa maior, ele também fez grandes progressos em direção à cooperação, convocando o primeiro Congresso Mundial para a Preservação da Diversidade Religiosa.

No entanto, o trabalho de Swāmi Dayānanda não se limitou à comunidade religiosa. Ele é o fundador e um membro executivo ativo do All India Movement (AIM) for Seva.

Desde 2000, a AIM vem trazendo assistência médica, educação, alimentação e infraestrutura para as pessoas que vivem nas áreas mais remotas da Índia.

Havendo crescido em uma pequena vila rural, ele próprio entendeu os desafios particulares de acessar a ajuda enfrentada por pessoas de fora das cidades. Hoje, o AIM for Seva estima ter ajudado mais de dois milhões de pessoas necessitadas em todo o território indiano.

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