Pratique, Yoga na Vida

Desfazendo equívocos em torno do Karma Yoga

Sempre esperamos um resultado ao fazermos uma ação. Algumas pessoas 'espirituais' afirmam que deveriamos agir sem esperar os resultados das nossas ações. Porém, nem um louco agiria assim!

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Conforme o yogi modifica sua visão do mundo pela prática e o discernimento, ele aprende a perceber as coisas exatamente com são. É algo que se conquista passo a passo, de acordo com a dedicação e o tempo. No início necessita-se um lugar e um momento adequados para o desenvolvimento das práticas, mas após criar intimidade com elas, o yogi passa a utilizá-las 24 horas do dia.

Ao invés vez de conviver com uma mente confusa e turbulenta, terá à sua disposição um poderoso instrumento de realização, cujo potencial concentrará e canalizará para conquistar o propósito de todos os Yogas: a libertação da ignorância existencial.

A técnica de meditação do dia a dia consiste em realizar qualquer atividade com consciência, atenção, e o máximo de perfeição. Nisto baseia-se o Karma Yoga. Yogah karmashu kaushalam: ‘Yoga é perfeição na ação’, ensina-nos a Bhagavad Gita.

Aceitar com gratidão os resultados das nossas ações, quaisquer eles forem, é a essência do Karma Yoga. Quando realizamos qualquer ação, é natural que tenhamos expectativas em relação a seus frutos.

Aprendemos que Karma Yoga é o Yoga da ‘ação desinteressada’, que consiste em fazermos nossas ações sem esperar nada em troca, ou que ‘o karma yogi deve agir sem ter em mente o retorno das próprias ações’. No entanto, essa visão parece-me um pouco distorcida, pois, francamente, nunca conseguimos fazer isso.

O fato é que sempre esperamos um resultado ao fazermos uma ação. Algumas pessoas ‘espirituais’ afirmam que deveriamos agir sem esperar os resultados das nossas ações. Porém, nem um louco agiria assim!

A cada vez que realizamos uma ação, existe uma projeção das nossas próprias expectativas nela. Se não fosse assim, nem sequer estariamos praticando Yoga, concorda? Você pratica porque espera alguma coisa da prática. Você faz ações corretas porque espera algum resultado em relação a seu esforço.

Ninguém age sem pensar nas conseqüências das próprias ações. Somente um tolo poderia pensar assim. No entanto, existe um número expressivo de praticantes que não questiona essa visão, e repete sem refletir essa definição distorcida do Karma Yoga.

O que acontece quando você realiza uma ação?

O resultado pode ser de quatro tipos:

1) Exatamente o que você esperava.

2) Além do que você esperava.

3) Aquém do que você esperava.

4) Completamente diferente do que você esperava.

Swami Dayananda ensina que a vida é como um restaurante, onde cada um recebe exatamente o que pediu ao Grande Garçom. Nem mais, nem menos. O grande problema é que fazemos nossos pedidos de maneira automática, inconscientes. Porém, isso não nos exime das nossas responsabilidades.

Você só tem escolha em relação às ações:

1) você pode fazer alguma coisa;

2) você não precisa fazer alguma coisa;

3) você pode fazer essa coisa, de maneira diferente.

Em suma, podemos escolher o que fazemos, mas não temos escolha sobre os resultados das nossas ações, pois elas já aconteceram. Isso é regulado pela lei do karma. Não existem nem julgamento, nem juíz. Somente leis imutáveis.

Podemos usar nossa liberdade sobre o que fazemos, mas não temos escolha nem liberdade em relação aos resultados das ações. Porém, o grande problema é que não sabemos disso, e ficamos o tempo todo tentando manipular os resultados. Ficamos constantemente tentando mudar aquilo que não pode ser mudado.

Isso é uma fonte de infelicidade e sofrimento contínuos e nasce, em última análise, da ignorância, da incapacidade de perceber que existe uma limitação em nossos poderes, e uma diferença entre o que pode e o que não pode ser mudado.

É preciso destruir o veneno da ignorância e o sofrimento cultivando o discernimento constante. É preciso compreender que não estamos no controle de nada nesta vida. A gente não acrescentou nem um só grão de areia às praias, não contribuiu com uma só gota de água à imensidade dos oceanos, não construiu nosso próprio corpo. Essas realidades foram dadas para os seres vivos pelo Grande Papai Noel Cósmico, segundo a bem-humorada imagem do Swami.

Portanto, compreendendo que não somente não estamos no controle da natureza, nem podemos controlar o que os demais pensam ou fazem, mas nem sequer estamos no controle das nossas próprias emoções. Podemos aprender, sim, a administrar nossas emoções, mas não as controlamos. Não podemos nadar contra a corrente. Precisamos aprender a relaxar, respirar e ir com o fluxo. O mesmo vale em relação à maneira mais saudável de lidar com nossas emoções.

Assim, compreendendo isto, e honrando a fonte do oceano das emoções, poderemos eliminar as resistências internas e fontes de conflito, compreendendo que há coisas que precisamos aceitar como são, por não podermos mudá-las (os resultados das ações), e que há coisas que podemos sim modificar (a escolha das ações que estamos fazendo agora). O discernimento é o que nos ajuda a compreender a diferença entre ambas.

Quando compreendemos que as leis da natureza regulam os resultados das ações, relaxamos, e vemos tudo como expressão da graça de Ishvara. Assim aprendemos a aceitar em paz e com gratidão o que estiver fluindo em nossa direção. Ainda segundo Swamiji, aceitamos desta maneira todos os presentes que nos envia o Grande Papai Noel Cósmico, e vivemos cada dia como se fosse Natal.

Todo dia é dia de Natal, dia de desembrulhar e abrir os pacotes de presentes que recebemos, sem reagir, pois compreendemos que os resultados das nossas ações surgem das leis naturais.

Assim, relaxamos e aceitamos tudo o que vem e vai, tudo o que ganhamos ou perdemos. Nunca cresceremos interiormente se não soubermos aceitar, se não pararmos de nos defender ou atacar, se não pararmos de ver o mundo como um lugar hostil ou difícil.

A atitude de aceitação grata é o que abre o coração. Swamiji nos ensina que deveriamos aprender a aceitar, e esquecer crenças e padrões mecânicos como ‘eu deveria ter feito isto’, ‘estou arrependido’, etc. Ao invés disso, poderiamos pensar ‘isto é o que eu fiz ou disse, e foi o melhor que podia fazer ou dizer, dadas as circunstâncias’, ou ‘sou totalmente perfeito dentro da minha imperfeição’. O ego não é a causa dos resultados das ações. Ishvara é essa causa.

Ao mesmo tempo, precisamos ter certeza de não estarmos fugindo às nossas responsabilidades, nem escapando das funções que devemos desempenhar, pois tanto as responsabilidades quanto as funções nos ajudam a crescer. Somente poderemos ser felizes ao aceitarmos as coisas como elas são, ao aceitarmos a realidade como ela é.

O sadhana diário deve ser mantido, pois ele proporciona a estrutura indispensável para renovar constantemente o voto de vivermos conscientes. A meditação bem feita possui efeitos estimulantes sobre o metabolismo, nos auxiliando na recuperação após momentos de pressão psicológica intensa, dominando situações de estresse com maior controle e aumentando a capacidade de concentração e de compreensão.

‘Esse aguçamento da atenção perdura para além da própria sessão de meditação. Ele aparece de diferentes maneiras no resto do dia do meditador. Verificou-se, por exemplo, que a meditação melhora a capacidade de apreender deixas perceptuais sutis no ambiente e de prestar atenção ao que está acontecendo em vez de deixar a mente dispersar-se alhures. Essas habilidades significam que, na conversação com outra pessoa, o meditador deve ser mais enfático. Por poder prestar uma atenção mais aguçada ao que a outra pessoa está fazendo ou dizendo, o meditador pode captar porções maiores das mensagens ocultas que o outro está enviando.’ Daniel Goleman, A Mente Meditativa, p. 179.

Assim, poderemos viver uma vida feliz e livre de conflitos, agindo de modo consciente, em harmonia com os valores universais e compreendendo as leis naturais, que regem toda a existência. Isso é Karma Yoga.

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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4 respostas para “Desfazendo equívocos em torno do Karma Yoga”

  1. Caro Pedro, sempre que leio seus artigos sinto uma imensa profundidade nos conteúdos e procuro aplicá-los não só na minha prática pessoal como em todas as atividades que realizo. Esse artigo, em especial, me chamou muito a atenção, pois acabo de receber a noticia de que não passei no vestibular, no qual plantei ações e criei expectativas de uma aprovação, o que não aconteceu. Percebi, após lê-lo, que o discernimento vai ser o maior aliado nesse momento, aceitando essa situação e me preparando melhor para a próxima batalha. Claro que umas boas doses de surf sessions vão ajudar bastante. Espero que em setembro eu possa estar participando do seu Curso de Formação. Vamos ver se o retorno kármico me permite essa honra. Namastê, Fabiano Azevedo.

  2. Gostei muito desse artigo. Sou uma pessoa que passa por várias situações de pressão psicológica durante todo dia, pois tenho três filhos homens, de 2, 5 e 7 anos. É muita testosterona junta! Por mais que eu pratique o amor incondicional e a aceitação, ainda não consegui achar a fórmula que me ajude a lidar com o meu dia a dia totalmente calma. Confesso que muitas vezes rola uns tapinhas nos bumbuns aqui em casa! Vou começar a fazer meditação todos os dias antes de deitar e dar aulas aos meus filhos (eles gostam, porém não temos uma rotina de prática de Yoga, e eles adoram mantras); mas, não sei como fazer para lidar com o corpo emocional. Ele é uma extensão do corpo mental? Como equilibrá-lo e limpá-lo? Procurei um artigo sobre bhuta shuddhi (é isso mesmo?) e não encontrei. Aí vai uma dica para seu próximo artigo, Pedro! Sua visão das coisas e seu discernimento são exemplos para todos nós. Pode ter certeza de que, mesmo virtual, você ajuda muita gente! Tudo de bom para você, com respeito e carinho. Daniela.

  3. Caro Pedro, creio que você ainda se recorda de mim. Fui seu aluno na primeira turma de Formação de Professores de Yoga, em julho de 2001. Esse seu texto é simplesmente maravilhoso. Se encaixa perfeitamente no que tenho vivenciado. Passei por maus momentos no campo profissional. Os resultados por quais lutei não aconteceram. Tive até que parar de dar aulas de Yoga. Fiquei revoltado, triste. Ainda não obtive os resultados, mas já adquiri a consciência de que minha revolta e tristeza em nada mudarão os fatos. O que ainda está sendo difícil é aceitar. Para essa tarefa têm sido muito úteis as lições contidas no livro “Orações e Meditações ao Amanhecer”, do Swami Dayananda. Quando resolvi pedir com toda devoção que Deus me desse força para aceitar as derrotas e para mudar apenas o que estivesse ao meu alcance, as coisas começaram a mudar drasticamente no campo psicológico. Passei a observar que estava diante do meu primeiro desafio consciente como yogi, e, apesar de não ter obtido mudanças no campo material (ainda não consegui os resultados profissionais almejados e não pude voltar a dar aula de Yoga), já tenho conseguido com algum êxito afastar a tristeza, o desânimo e a revolta, e tenho certeza que quando voltar a dar aulas terei muito mais a ensinar sobre o contentamento. Apesar do tempo que passou, suas aulas ainda estão a impulsionar minha prática pessoal, sabe por que? Porque vi você lutando para fazer o melhor. Que a paz de Deus esteja com você! Abraços, Bruno Noya.

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