Conheça, Tantra

Entrevista sobre Tantra

A palavra Tantra significa tecido, urdidura, expansão do conhecimento. Tantra é o nome de uma escola de filosofia indiana, que propõe a visão da continuidade entre o Ser e a Natureza

· 4 minutos de leitura >

1. O que é o Tantra?

A palavra Tantra significa tecido, urdidura, expansão do conhecimento. Tantra é o nome de uma escola de filosofia indiana, que propõe a visão da continuidade entre o Ser e a Natureza. Esses dois princípios, Ser e Natureza, são chamados Shiva e Shakti. Shiva, a Pura Consciência, está presente em todos os aspectos da realidade, do infinitamente grande ao infinitamente pequeno. Shakti é a manifestação dessa Consciência, sob as miríades de formas e nomes da criacão.

O Tantra é uma doutrina pontuada por ensinamentos práticos que tem como maiores objetivos expandir a consciência e alcançar a iluminação través do despertar do potencial latente, chamado kundalini. Para atingir esses objetivos, esta escola sustenta que todos os meios ao alcance do ser humano são válidos para o crescimento interior, independentemente da situação em que cada um vive.

Nesse sentido, dado que a Humanidade vive um período de crise de valores, violência e conflitos, chamado kali yuga, este ensinamento destina-se àqueles que buscam a iluminação, apesar de terem nascido na era atual, que não favorece a consecução desse objetivo.

2. Você acha que o Tantra é bem difundido aqui no Brasil?

Se você quer dizer corretamente difundido , diria que não. A palavra Tantra é mais conhecida do que o tantrismo em si. Infelizmente, o Tantra hoje está mais associado com o “Yoga do Sexo”, o desenfreio e a promiscuidade, do que com o desenvolvimento da Consciência. No entanto, embora a distorção do tantrismo seja em si um fator preocupante, é necessário destacar que o Tantra nunca se dirigiu ao consumo massivo. Desde séculos atrás, os tântricos foram perseguidos dentro da própria Índia. Na época do imperador muçulmano Akbar (s. XVI), por exemplo, o castigo reservado aos praticantes do Tantra que fossem flagrados era a morte por esquartejamento entre dois elefantes.

3. Como e quando você se interessou pelo Tantra e por que, na sua opinião, ele difere das outras filosofias ligadas ao Yoga?

A palavra sempre chamou a minha atenção. Tem algo de fascinante no universo do Tantra para qualquer ser humano. Porém, contrariamente ao que possa parecer, não há nada de novo no que o Tantra postula, mas apenas na solução que propõe. Podemos identificar as raízes do tantrismo nos Vedas, principalmente no Atharva Veda. Se formos analisar bem de perto o que se postula no tantrismo, e o que é ensinado nas Upanishads, veremos que esses corpos de conhecimento não são tão diferentes.

Nesse sentido, o aforismo que melhor define esta filosofia, e que aparece no Kularnava Tantra, diz: O que está aqui, está em toda parte; o que não está aqui, não está em parte alguma. Essa afirmacao parece nitidamente inspirada numa obra chamada Katha Upanishad, bem mais antiga, que reza: O que está aqui, está lá; o que está lá, está igualmente aqui.

4. Para você, qual é a beleza maior do Tantra– ou o aspecto mais interessante?

O significado da palavra Tantra nos remete à teia da vida. O que torna o Tantra uma bela doutrina é seu panteísmo, a visão da unidade. A arte indiana foi profundamente influenciada pela visão do Tantra. A música, a pintura, a escultura, a dança, a arte dramática, o ritual e até mesmo a ciência, são permeados pela visão da unidade que caracteriza o tantrismo. Um dos maiores ensinamentos do Tantra é Satyam Shivam Sundaram, que significa a Realidade é Pura Consciência, e a Pura Consciência, beleza.

5. E o maior erro de interpretação?

O grande erro é deixar de ver a grandeza, a profundidade e a sacralidade que o Tantra aponta na realidade, tal como a percebemos através dos sentidos. Isso, concretamente, significa que, onde o tántrico deveria ver o sagrado, a reverência e o respeito por todas as formas de vida, o que acontece naqueles que têm visão distorcida é uma espécie de ânsia para satisfazer apetites e fantasias sexuais, que levam o praticante na direção oposta à qual ele deveria ir.

6. Como o Tantra pode ser aplicado na nossa prática de Hatha Yoga e no nosso dia-a-dia, na sua opinião?

O Hatha Yoga é um método de Yoga tántrico. Praticar Hatha Yoga com o objetivo de chegar à suprema compreensão ( samadhi) é praticar Tantra. A maneira de aplicar no cotidiano os princípios do Tantra não é diferente da aplicação prática do Yoga nas nossas atitudes: atentividade, consciência, compaixão,

7. Você procura aplicar alguns conceitos do Tantra em suas aulas e workshops? Como?

Através do cultivo da compaixão, da compreensão de que cada ser humano é uma realidade única, que precisa e merece uma atenção especial. Procuro transmitir isso, não apenas para que a pessoa receba essa atenção de mim, mas para que ela possa despertá-la em si mesma. Uma das coisas mais gratificantes neste trabalho com Yoga é não somente comprovar em mim mesmo o quão transformador ele pode ser, senão ainda ter o privilégio de ajudar os demais a crescerem, através do mesmo processo.

8. Como uma pessoa pode se aprofundar nos estudos sobre Tantra no Brasil?

Existem aqui grupos de praticantes que estudam o Tantra na perspectiva do Shivaísmo da Caxemira, ligados ao Siddha Yoga ensinado por Gurumayi Chidvilasananda, mestra de Ganeshpuri, na Índia, bem como outros ligados à Bihar Yoga Bharati, que seguem os ensinamentos de Swami Nirañjananda Saraswati, de Monghyr. O budismo vajrayana é uma vertente de tantrismo muito fidedigna. Muito embora, ao primeiro olhar, o budismo vajrayana pareça um pouco distante das práticas de Yoga, ele é em si uma forma de Yoga. Pessoalmente, considero esses grupos bem sérios.

Pode haver outros estudantes e praticantes sérios de Tantra, mas não conheço pessoalmente. Portanto, esta lista não está completa. Por outro lado, não recomendo a abordagem “sexual” dos ensinamentos do tantrismo. Os grupos que promovem cursos e práticas associando o tantrismo ao prazer sexual passam muito longe do espírito verdadeiro do Tantra. É preciso ser criterioso e manter um olhar crítico em relação às atitudes e propostas de cada grupo, para ver se existe seriedade, ou se algum falso mestre está tentando usar você para satisfazer seus desvios sexuais e apetites de poder e dinheiro. Um professor sério de Tantra jamais aceitará dar uma entrevista à revista Playboy, por exemplo.


Entrevista concedida a Greice Costa, para o Yoga Journal, em 05/10/2006.

+ posts
subhashita

Subhāshitas, Palavras de Sabedoria

Pedro Kupfer em Conheça, Literatura
  ·   1 minutos de leitura

3 respostas para “Entrevista sobre Tantra”

  1. É, realmente o Tantra não é para qualquer um. Há que ter maturidade !!!
    Como bem disse o Murilo, ” bóra trabáia “. A prática é difícil…

  2. Tan-tra. Tannnnntra. Tantra. Essa é uma daquelas palavras magníficas que me inspiram para um significado só de pronunciá-las, me remetendo, a Teia da vida, amar ao próximo como a si mesmo, tomar atitudes práticas de cidadania e bem estar social para além do ego. Me chamou atenção essa consideração de que ” todos os meios de alcance são válidos para o crescimento interior, independentemente da situação em que cada um vive” …. isso me lembra um pouco a finalidade do Carnaval, onde sentimentos verdadeiros mas reprimidos pela realidade social e moral, são liberados de expressão. Com o pouco que ouvi até aqui, especulo que o Tantra surge dessa necessidade bem pecualiar de algumas pessoas ou famíias, em se separar da massa ou grupo por uma insuportável, falsa, atrasada ou desafiante moralidade social. Se assim for (“é necessário destacar que o Tantra nunca se dirigiu ao consumo massivo” ) me parece que numa Kali Yuga toda prudência é pouco quando tu encontra alguém ou uma escola que destaca essa prática. O sentimento gregário e sectário me parece quase uma exigência,na hipótese dela nascer justamente para se permitir transgredir a moral dominante, por exemplo, nos relacionamentos e hábitos de consumo. Mas por isso, por nunca ter me aproximado de uma seita e até em respeito ao próprio conceito de Tantra, prefiro não julgar quem o destaca como prática, a maioria de nós deve ter algum ritual pessoal transgressor da moralidade se ela reprimi sua verdade, numa Kali Yuga não dá pra se encaixar em todos os quadradinhos sem essa dor. E além de ver o Tantra como princípio da consciênica Una, do Somos todos um para além do ego, Playboys e diferenças básicas a parte, confesso que sou apegado e aprecio outra caractersitica dessa visão: o cultivo da sensorialidade, que nos inspira para enxergar que somos todos um em todos os sentidos. Em relação a aplicação do Tantra no sexo, como já ouvi de um mestre sério e que confio: “O Tantra aplicado ao sexo é para adultos não para jovens”. Já ouvi muitas histórias tristes de jovens que se enfiaram em grupos tântricos sem credibilidade e sofri muito por ter amado demais alguém muito além da carne sem a devida estrutura de maturidade, Iniciar alguém nesse processo é de uma responsabilidade e tanta que só confiaria à um guru de verdade. Acho que o intuito de uma Playboy não é para além da carne, mas já experienciei a prática do nudismo natural e o encaro como um ato tântrico de transcedência do ego, purificação das relações e retirada das máscaras e grifes, mas seriam outro tipo de foto. Tudo é válido, mas o dharma e o karma tb são tântricos! Enfim, reflexões instantãneas … Pedrão, sincero obrigado pela oportunidade de inspirá-las! Ainda tenho toda essa visão teórica como desafio prático, que se amplia conforme me aproximo da transcendencia do ego e do Harih om! Somos todos um em tantra! Loka samasta sukino bavantu! Bora trabaiá pra liberar os condicionamentos que ainda nos desviam dessa crença!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Próximo: Da Devoção