A prática da equanimidade, chamada em sânscrito samatva, é um dos pilares do Yoga da Vida, ensinado na beira de um campo de batalha por Śrī Kṛṣṇa para o príncipe Arjuna no diálogo imortal da Bhagavadgītā. Cultivar essa atitude é tão importante que Kṛṣṇa chega a equiparar samatva ao próprio Yoga:
योगस्थः कुरु कर्माणि सङ्गं त्यक्त्वा धनञ्जय ।
सिद्ध्यसिद्ध्योः समो भूत्वा समत्वं योग उच्यते ॥ २ ॥ ४८ ॥
yogasthaḥ kuru karmāṇi saṅgaṁ tyaktvā dhanañjaya |
siddhyasiddhyoḥ samo bhūtvā samatvaṁ yoga ucyate || II:48 ||
Firme no Yoga, ó Dhanañjaya (Arjuna), faça as ações
descartando o apego a elas, permanecendo em
equilíbrio perante à vitória ou à derrota.
A equanimidade é chamada Yoga. || II:48 ||
Praticar samatva significa manter-se firme numa atitude de equilíbrio diante dos desafios ou incertezas que a vida nos coloca diariamente. Kṛṣṇa recomenda praticar constantemente desta maneira, na medida do que nos for possível.
Quando as coisas fluem na nossa vida de maneira mais ou menos harmoniosa, ou dentro da nossa zona de conforto, é relativamente fácil praticar equanimidade. No entanto, quando nos defrontamos diariamente com desafios, violência ou injustiça social, essa prática pode parecer difícil ou até mesmo impossível.
Podemos até ter a sensação de que equanimidade e injustiça social sejam coisas incompatíveis, ou sentir-nos culpados por tentar cultivar esse valor diante dos atropelos ou do sofrimento que os desequilíbrios sociais provocam na vida de tantas pessoas.
Igualmente, podemos ter a sensação que essa valiosa atitude de nada serve quando a sociedade como um todo parece estar atravessando momentos desafiadores.
Nesse sentido, cabe lembrar que cada geração tende a acreditar que todo tempo passado foi melhor, e que o presente que temos hoje é muito pior que o que as gerações anteriores, tanto em termos de decadência moral como de justiça e paz.
No entanto, essa é uma percepção equivocada, segundo revela esta recente e interesantíssima pesquisa: https://www.nature.com/articles/s41586-023-06137-x
A verdade seja dita, este tempo presente em que vivemos é, em inúmeros aspectos, muito melhor do aquele que as gerações anteriores viveram. Ainda assim, há muitas coisas pendentes que a nossa sociedade precisa melhorar.
A cada geração há pessoas que são muito sensíveis às questões sociais que não conseguem equilibrar a aplicação da espiritualidade com a luta por um mundo melhor e mais justo. A dívida da sociedade em relação a minorias étnicas, à comunidade LGBT ou à emergência climática pode tirar esses praticantes de Yoga do eixo.
O Yoga verdadeiro nos ensina que a iluminação é coletiva e que não temos o direito de desfrutar da equanimindade enquanto a sociedade não alcançar a justiça social em relação a todos e cada um dos membros da nossa sociedade.
Essa preocupação é muito legítima. No entanto, se vivermos apenas e unicamente voltados para essas questões e pensarmos que não temos direito de praticar a equanimidade até que haja justiça no mundo, necessariamente perderemos a oportunidade de viver em Yoga no presente.
Assim, precisamos buscar caminhos alternativos para navegar as turbulências sociais: e necessário desenvolver habilidades e perspectivas que nos ajudem a lidar com essas situações de forma mais equilibrada.
Como praticar equanimidade? Nove dicas
Apresentamos aqui nove estratégias que podem ser úteis para manter a equanimidade :
- Permaneça ciente de si. Reconheça suas próprias emoções em relação à injustiça social. É normal sentir raiva, tristeza ou frustração diante de certas situações, mas é importante estar ciente dessas emoções para não ser dominado por elas.
- Eduque-se. Aprofunde seu conhecimento sobre as questões sociais que afetam você e/ou os demais. Entenda as causas e consequências dos problemas sociais para poder ampliar a sua visão da realidade.
- Pratique empatia. Coloque-se no lugar das pessoas que sofrem com as injustiças sociais. Tente entender suas perspectivas, lutas e experiências para desenvolver empatia genuína.
- Concentre-se no que pode controlar. Reconheça que nem sempre é possível mudar as situações injustas imediatamente, mas concentre-se em fazer o que de fato está ao seu alcance. Isso pode incluir apoiar organizações que trabalham para combater as injustiças, participar de ações de conscientização ou promover mudanças em seu círculo social.
- Pratique atentividade. A prática de mantras, prāṇāyāma, meditação e atentividade no cotidiano podem ajudar a cultivar a calma interior e a reduzir o grau de ansiedade ou estresse diante de situações desafiantes. Isso nos permitirá agir de maneira mais equilibrada e reflexiva, ao invés de apenas reagir de maneira mecânica aos estímulos.
- Cuide de si. Certifique-se de cuidar de você emocional, física e mentalmente. Engaje-se diariamente na prática de Yoga ou em atividades que tragam satisfação e descontração. Outro ponto que pode ser útil é buscar apoio e validação social.
- Busque apoio e conexão. Encontre pessoas que compartilham seus valores e preocupações com as injustiças sociais. Ter uma rede de apoio pode ajudá-lo a enfrentar desafios e encontrar soluções.
- Aja com assertividade. Quando apropriado, fale contra as injustiças sociais e compartilhe informações com os demais. Lembre-se de que ações assertivas não precisam ser agressivas, mas estar baseadas no respeito, na escuta do outro e em dialogar construtivamente.
- Reconheça pequenos avanços. Mudanças sociais significativas podem levar tempo, mas reconhecer e valorizar os pequenos avanços pode manter a motivação e o otimismo.
Lembre que praticar samatva, a equanimidade, não quer dizer ignorar ou aceitar passivamente as injustiças sociais, mas sim encontrar maneiras construtivas e criativas de lidar com essas situações.
Essa atitude construtiva nos permitirá promover mudanças positivas e impactar a sociedade de maneira consciente e solidária, mesmo que isso seja feito a nível individual, pessoal ou que venha a impactar poucas pessoas.
O caminho do meio é dar para si o direito de viver equânime, apesar de estar num mundo injusto ou numa sociedade que tem dívidas importantes pendentes com alguns dos seus membros.
A partir desse direito que a pessoa dá para si mesma, as iniciativas que ela tomar em prol de uma sociedade mais justa serão mais eficientes, e o seu caminho mais calmo e feliz.
Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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