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Karma Yoga I – A acção correcta

O Karma Yoga é muitas vezes ensinado e entendido como o exercício da acção sem expectativas ou a acção desinteressada. Swami Dayananda ensina que não é possível praticar uma acção sem esperar um resultado. A negação desta verdade representa a não compreensão e não aceitação da natureza humana

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O Karma Yoga é muitas vezes ensinado e entendido como o exercício da acção sem expectativas ou a acção desinteressada. O Swami Dayananda ensina que não é possível praticar uma acção sem esperar um resultado. A negação desta verdade representa a não compreensão e não aceitação da natureza humana.

Uma vez que percebemos que a ‘inacção na acção’ não é não esperar um resultado, mas sim aceitar que não podemos mudar um resultado e aceitá-lo em santosha (contentamento), ou seja, agir sem apego ao resultado, agir com desapego; então compreendemos o ensinamento do Karma Yoga.

Karma Yoga não é fazer karma, acção, não é agir, fazer algum tipo de trabalho. Por isso, não é manter o jardim limpo, ajudar na cozinha, lavar a roupa, ajudar no trabalho de escritório. Fazer isto, fazer aquilo. Como se pode fazer Karma Yoga? E por outro lado como se pode deixar de produzir Karma?

na hi kashcitkshanamapi játu tishthatyakarmakrt |
káryate hyavashah karma sarvah prakrtijairgunaih || 5||

Nem mesmo por algum instante, alguém permanece sem praticar qualquer acção; querendo ou não, é impelido à acção pelos três gunas da Prakrti. (Bhagavadgítá III:5).

Se existe uma escolha, a escolha é entre Karma Yoga e Sannyása e não entre agir e não agir. Aqueles dois existem como vias para moksha. Moksha é auto-conhecimento, libertação da necessidade de querer ser algo diferente. Não é uma luta para se conseguir algo, mas libertação da luta para se tornar algo. O conhecimento é o caminho, e para tanto existe Sannyása ou Karma Yoga. Sannyása não tem obrigações que não ahimsá, não violência, porque tudo é abandonado em prol de uma vida de busca do conhecimento ? brahmavidyá. Na vida de Karma Yoga os deveres que são abandonados pelo sannyásí mantêm-se. É uma vida de conciliação desses deveres com a busca de conhecimento.

A expressão Karma Yoga é composta de duas palavras, karma e Yoga. A palavra karma, neste contexto, significa acção apropriada. A palavra Yoga, aqui, significa atitude correcta. Assim, a acção correcta e a atitude correcta em relação aos frutos da acção formam o Karma Yoga.

Acção correcta

Os Shástras classificam as acções humanas em três tipos consoante a influência que essas acções têm sobre o chitta shuddhi do ser humano. Chitta shuddhi pode ser traduzido como a purificação da mente.

Aqueles três tipos ou categorias são uttama, máxima influência positiva, que mais contribuem para chitta shuddhi; madhyama, de limitada ou nenhuma influência, o que significa que são acções que podem ter uma influência material positiva ou até muito positiva, mas pouca influência espiritual. E por fim, adhama karmani, as acções que tem influência negativa, que atrasam o nosso crescimento. Vejamos melhor:

Uttama Karmani ou sattvika karmani são as acções em que predomina o guna sattva, são todas as acções que vão beneficiar o máximo número de seres. Aquelas em que ajudamos ou contribuímos para o bem estar dos outros seres vivos ? para upakara karmani. São os karmas em que damos mais e recebemos menos, e por isso mesmo em que mais crescemos como seres humanos. Os Shástras apontam esses karmas: panchamaháyajña, os cinco yajña (que significa literalmente sacrifício). Acções em que contribuímos para o bem estar do mundo.

1. Devayajña ? É o acto se sentar em frente ao ishta deva e fazer um mantra, como o Mangala Mantra:

|| svasti páthah ||
Invocação da felicidade
om svasti prajábhyah paripálayantam
Om que haja felicidade para todas as pessoas;

nyáyena márgena mahim mahísháh |
que os governantes governem o mundo no caminho da justiça;

gobráhmanebhyah shubhamastu nityam
que haja sempre o bem para os sábios e os animais;

lokáh samastáh sukhino bhavantu ||
que todos os seres sejam felizes.

Para quem o compreende no seu verdadeiro sentido é um pújá. É o acto feito com sincera intenção, com o coração. Fazer o mantra com a intenção de ajudar não apenas a humanidade, mas também todos os animais e plantas. A simples vibração dos mantras védicos é suficiente para produzir paz e harmonia. Ainda assim, o mantra não precisa ser feito em sânscrito, pode ser feito em qualquer língua. O importante é criar o hábito de cultivar essa intenção de ajuda.

2. Pitryajña ? que consiste na expressão da minha gratidão a todos os ancestrais, graças a quem estou aqui e posso levar a vida nos termos em que o faço.

3. Brahmayajña ? expressar a minha gratidão a todos os rshis, os sábios da antiguidade a quem se atribui os Vedas. Essa gratidão e reverência continua até hoje por e para todos os que perpetuaram o ensino das escrituras. Na verdade é uma reverência ao parampará tão bem expresso neste mantra:

sadáshivasamárambhám shankarácháryamadhyamám
asmadácháryaparyantám vande guruparamparám|

Começando auspiciosamente com Sadáshiva com o professor Shankara, no meio, continuando até ao meu professor, saúdo a progressão de professores.

Este é o mantra com que muitos ácháryas começam os seus ensinamentos. A forma de mostrar a minha gratidão é manter viva a tradição do ensino, aprender, preservar e dar a conhecer a outros, porque este é um conhecimento que realmente pode ajudar a humanidade. Por isso se diz que a melhor caridade é dar vidhyá, jñánam. O ensino requer o conhecimento e uma estrutura que o integre de forma a não confundir mais, mas a iluminar.

4. Manushayajña ? ajuda social, obras sociais, caridade, serviço social.

5. Bhútayajña ? ajudar os seres vivos não humanos. Todos os outros seres vivos contribuem para o meu bem-estar através do equilíbrio dos eco-sistemas. Assim como eles me ajudam eu também devo ajudá-los, não só aos animais e plantas, mas a toda a natureza. Ajudo os rios ao não contribuir para a sua poluição. Se tenho uma planta em casa, assumo a obrigação de a regar. Se não posso ajudar todos os animais, pelo menos ofereço parte da comida que tenho para os animais vadios com que me cruzo. Isto é consciência da totalidade e ser um Vaidika é ser consciente da totalidade.

Estes cinco karmas contribuem para o crescimento do ser humano, contribuem para o chitta shhuddi, a pureza da mente. A Bhagavad Gítá expõe sobre estes karmas nos capítulos VIII e XVII.

Madhyama ou rajas karmani ou para udasana karmani são as acções em que as outras pessoas ou seres são ignoradas. Não me preocupo com os seus problemas ou com as consequências das minhas acções sobre eles, preocupo-me apenas comigo. Esses karmas egoístas ajudam-me no meu bem-estar material, mas ou não contribuem ou pouco contribuem para o meu crescimento.

O terceiro tipo de karmaadhama karmani, tamas karmani ou para apakara karmani. Estas acções não só não me ajudam, como me atrasam no meu crescimento. Por exemplo, quando chego ao autocarro e existe um lugar vago posso oferece-lo a outra pessoa, posso correr para o conseguir ou posso até empurrar a pessoa que está ao meu lado para chegar primeiro ao lugar. A cada uma das acções descritas correspondem respectivamente os 3 tipos de karmas que descrevemos, sendo a última opção adhama karma. Adhama karma é inevitável e está sempre presente. Não posso deixar de matar insectos quando ando, corto a relva ou conduzo um carro. Ainda assim, estes karmas ou melhor dizendo o seu fruto ? karmaphala ? podem ser neutralizados pelos sattvika karmas.

A tentativa do karma yogi é alterar a proporção destes karmas de modo a aumentar os primeiros ? torná-los dominantes ? reduzir os segundos e deixar de praticar os terceiros. Por outro lado, a acção, o karma está sujeito a uma escolha. Posso escolher:

  1. fazer;
  2. não fazer;
  3. ou fazer, mas de forma diferente da que havia planeado.

Mesmo quando, por qualquer motivo estamos obrigados a fazer alguma coisa, podemos sempre escolher não a fazer. Também podemos escolher os meios para a fazer. Esses meios devem estar de acordo com o Dharma. Por isso, a Gítá (II-50) ensina:

yogah karmasu kaushalam || 50||
Yoga é a perfeição na acção.

Ser perfeito na acção não é ter perfeição nalgum tipo de acção, mas seguir e aceitar o Dharma na acção.

Miguel é professor de Yoga no Porto, Portugal. Ele edita o site www.dharmabindu.com, onde este texto foi originalmente publicado.

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