Depois do sūryabhedhana, a Haṭhayoga Pradīpikā e a Gheraṇḍa Saṁhitā citam o ujjāyī como o kūṁbhaka seguinte, o segundo e o terceiro de cada um daqueles textos, respectivamente.
Segue-se a descrição do ujjāyī prāṇāyāma, a respiração vitoriosa com contracção da glote:
a) Inspirar pelas narinas, contraindo levemente a glote e produzindo um leve ruído que deve ser suave e contínuo;
b) reter o ar nos pulmões com a glote totalmente fechada e jalāṇḍhārabandha;
c) expirar pelas narinas, contraindo a glote e produzindo o mesmo ruído suave do atrito do ar na garganta, que Swami Satyananda chama de suave ressonar.
Costumo pedir aos meus alunos que têm dificuldade em perceber como se contrai a glote para deglutirem a saliva. O movimento que se cria ao nível da garganta é uma contracção da glote.
Basta, então, criar esse movimento e mantê-lo de forma à glote ficar parcialmente fechada e inspirar e expirar dessa forma, como se o ar entrasse e saísse directamente pela garganta.
Theos Bernard foi ensinado a lavar a língua e a boca antes de começar este prāṇāyāma [1].
Mais uma vez deixei uma sugestão simples da prática do ujjāyī que não é mais do que uma entre outras. André Van Lysebeth, por exemplo, dava a seguinte indicação:
‘Kūṁbhaka deve acompanhar-se necessariamente de mūlabandha. Isto é muito importante.[2]‘
Indicação que B.K.S Iyengar[3] também dá para os estágios mais avançados do pránáyáma.
Já o ensinamento de Swāmi Satyānanda é no sentido do pránáyáma ser praticado com khecharī mudrā.
O ujjāyī aumenta a temperatura e o calor corporal, normaliza o funcionamento da glândula tiróide e do sistema endócrino, estimula o relaxamento e a interiorização.
O ujjāyī é uma técnica auxiliar de várias meditações, como o ajapajapa.
Muitos também conhecem este prāṇāyāma por ser ele aplicado em algumas práticas de āsana, como a do Aṣṭāṅga Vinyāsa Yoga.
Ele é utilizado não só pelos seus efeitos físicos, mas também porque facilita a concentração na respiração e no ritmo respiratório, o que promove uma maior vivência do ásana.
Vejamos, então, o que nos diz a Haṭhayoga Pradīpikā [4]:
“Ujjāyī: com a boca fechada, inala-se lentamente por ambas as fossas nasais, de tal forma que o ar produza um ruído (surdo) ao passar pela garganta em direcção aos pulmões.
“Depois, pratica-se kūṁbhaka segundo a descrição anterior, mas exalando pela narina esquerda (īḍā); com esta técnica eliminam-se os problemas de excesso de mucosidade na garganta e incrementa-se a capacidade digestiva.” (II, 51-52).
‘Pratica-se kúmbhaka segundo a descrição anterior’, ou seja, segundo a descrição do sūryabhedana — “praticar kúmbhaka até sentir o prána penetrar em todo o seu corpo, desde a ponta dos cabelos até às unhas dos pés”.
Valem as mesmas considerações feitas anteriormente, lembrando que as retenções com ar prolongadas devem ser sempre mantidas com jalándhara bandha.
Este bandha estimula o sistema para-simpático, regula os batimentos cardíacos, respiração e pressão arterial de forma a permitir um estado de relaxamento e bem-estar sem riscos durante a retenção.
Admitem-se algumas formas de ujjáyí. Variações no que toca à expiração são um exemplo. Assim, o texto citado indica a expiração pela narina esquerda, quando na Gheranda Samhitá parece estar sugerida a expiração pela boca.
‘A respiração ujjáyí também cura a hidropsia e os desequilíbrios nas nádís e nos dhátus; este kúmbhaka pode ser praticado em pé, estando imóvel ou caminhando.’ (II, 53).
Esta citação dá-nos mais uma referência sobre os efeitos do ujjáyí pránáyáma. Ficamos a saber que pela sua prática são corrigidos os desequilíbrios nas nádís e nos dhátus.
A referência às nāḍīs é familiar. Os dhātus são os constituintes do organismo e são em número de sete: a pele (rāsa), o sangue (rakta), a carne (māṁsa), a gordura (medas), o osso (asthi), a medula (majjā) e o esperma (śukra).
Refira-se que este é o único pránáyáma citado nas três escrituras que temos referido (Haṭhayoga Pradīpikā, Gheraṇḍa Saṁhitā e Śiva Saṁhitā) sobre o qual se dá indicação expressa de que poderá ser feito em pé e tanto imóvel como em movimento. Percebe-se assim, porque em muitas práticas de Haṭha Yoga ele é utilizado durante a prática de ásana.
Gheraṇḍa Saṁhitā [5]:
‘Feche a boca, inspire o ar externo por ambas as narinas, e eleve o ar interno dos pulmões e garganta; retenha-o na garganta. Então tendo lavado a boca (isto é, expelido o ar pela boca) execute jalándhara. Que ele execute kúmbhaka com todo o seu poder e retenha o ar confortavelmente.’ (V, 69-70).
De acordo com de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu [6], a referência ‘tendo lavado a boca’ é uma indicação da expiração pela boca.
Desconhecem-se os motivos daqueles tradutores para tal interpretação, apesar de se reconhecer o sentido da mesma. Em sentido diferente, o Yogí Pranavánanda, na sua tradução e comentário da Gheranda Samhitá dá-nos a seguinte tradução:
‘Inspire o ar exterior por ambas as narinas e retenha-o na boca. Eleve o ar dos pulmões e garganta e retenha-o na boca. Com a boca assim lavada e fechada, execute jalāṇḍhārabandha. Kūṁbhaka deve ser praticado com toda a sua capacidade, mas sem desconforto’ [7] (V, 69-70).
Seja como for, a essência do prāṇāyāma não se altera. À boa maneira yogī há que experimentar e observar…
O que já não é indiferente é que, conforme se siga uma ou outra tradução, a retenção é feita sem ar (no primeiro caso) e com ar (no segundo), cada uma com intenções e resultados diversos. Haverá, pois, que decidir conscientemente.
‘Todos os obstáculos são conquistados pelo ujjáyí kúmbhaka. Aquele que o pratica nunca se vê afectado por doenças de fleuma e doenças nervosas, indigestão, desinteria, definhamento, tosse, febre e dilatar do baço. Que um homem execute ujjáyí para conquistar a velhice e a morte’ (V, 69-70).
Jaya, Jaya!
॥ हरिः ॐ ॥
[1] Haṭha Yoga, The Report of a Personal Experience, 4a Impressão, Essence of Health Publishing, 2001, Africa do Sul, pag 52.
[2] André Van Lysebeth, Prāṇāyāma, A la serenidad por el Yoga, EdicionesUrano, 1985, Barcelona, pag. 237, tradução do autor.
[3] Veja-se B.K.S. Iyengar, Luz sobre el Prāṇāyāma, 2a Edição, Editorial Kairós, 2001, Barcelona, Espanha.
[4] Svatmarama Yogendra, Haṭhayoga Pradīpikā, Tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil.
[5] Tradução para o português feita pelo autor a partir de The Forceful Yoga, Being the Translation of Hathayoga-Pradipika, Gheranda-Samhita and Śiva Saṁhitā, tradução para o Inglês de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu, 1a Edição, Motilal Banarsidas Publishers, 2004, Delhi, Índia.
[6] The Forceful Yoga, Being the Translation of Hathayoga-Pradipika, Gheranda-Samhita and Shiva-Samhita, tradução para o Inglês de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu, 1a Edição, Motilal Banarsidas Publishers, 2004, Delhi, Índia, pag. 131.
[7] Tradução para o português feita pelo autor a partir de Pure Yoga (A translation from the Sanskrit into English of the tantric work, The Gherandasamhita with a guiding commentary by), Yogi Pranavananda, reimpressão da 1a Edição, Motilal Banarsidas Publishers, 2003, Delhi, Índia.
॥ हरिः ॐ ॥
॥ हरिः ॐ ॥
feliz em aprender gratidão
Caramba Miguel,
Que maravilha de pesquisa e texto.
Gratidão!
Muito bom este texto referente ao ujjáyí, gostei das citações e variações dos diferentes mestres.. O André Van Lysebeth não está mais entre nós, mas o filho dele sim, uma amiga minha já participou de 2 workshops com ele na Itália, ela gostou bastante, e eu tive a felicidade de ganhar dele um livro que desconhecia, uma preciosidade: Aperfeiçoando o meu Yoga, do André.
Agradeço imensamente a quem me envio este e-mail. Fico feliz
em ler este artigo sobre o Ujjayí citando Van Lysebeth. Dá para perceber que sou fã do Yoga tradicional. Sempre que puderem me enviem artigos como este de Yoga. Por acaso vc sabe se André Van Lysebeth ainda está vivo? (isto é mera curiosidade). O importante são as suas obras. Caso saibam de cursos sobre Yoga (em São Paulo,
capital), não deixem de me avisar. Muita agradecida, NAMASTÊ! Lidia.
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Cara Lidia, o professor Van Lysebeth faleceu há alguns anos, no início da década de 1990. Boas práticas e namastê! Pedro.