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Yoga e política

Estas duas palavras, Yoga e política, estão pouco presentes nas discussões que acompanho sobre a prática e seus desdobramentos e aplicações no dia-a-dia. Existe um grande esforço em trazer os princípios e as filosofias de vida para o cotidiano, mas nos esquecemos com frequência de que a política faz igualmente parte dele.

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Estas duas palavras, Yoga e política, estão pouco presentes nas discussões que acompanho sobre a prática e seus desdobramentos e aplicações no dia-a-dia. Existe um grande esforço em trazer os princípios e as filosofias de vida para o cotidiano, mas nos esquecemos com frequência de que a política faz igualmente parte dele.

Somos seres políticos, pois, na impossibilidade da não-ação, toda decisão que tomamos e cada ação realizada em cima dessas decisões afeta tanto nossa vida como a vida dos que estão à nossa volta. Uma separação total e bem definida entre vida privada e pública é uma utopia, assim como uma prática de Yoga que não leva em consideração as conseqüências de nossas ações na sociedade é, na melhor das hipóteses, incompleta. Na pior delas, irresponsável e alienada.

As definições da palavra política são hoje, na maioria dos dicionários, relacionadas a ferramentas do Estado e também a atitudes “astutas”. No que percebo do senso comum, é algo sempre ligado à corrupção e, portanto, deve ser evitado. Neste momento quero deixar de lado as discussões sobre a eficácia ou validade do atual regime de governo em que nos encontramos para falar sobre responsabilidade política e sobre como devemos ter muito cuidado com o que defendemos, pois as consequências serão sempre públicas e coletivas, apesar de acreditarmos muitas vezes que nossas ideias são meras “opiniões pessoais” e exclusivamente da esfera privada.

Isto é ainda mais importante quando lidamos com pensamentos que vieram de outro contexto cultural e histórico, pois o que defendemos aqui pode ter um impacto social muito diferente na Índia. Não podemos simplesmente engolir, sem nem olhar e nem mastigar, afirmações que nos são expostas, sejam elas de um livro escrito por um autor reconhecido ou as palavras de um guru. Quais são as afiliações políticas desse autor ou guru? Que valores, além das discussões filosóficas, ele defende ou defendia (caso já tenha falecido)? Por exemplo, como ele se coloca frente à questão das castas ou ao papel das mulheres na sociedade indiana? São assuntos delicados e existe um grande esforço para se superar ambos os preconceitos, mas há sempre aqueles que lucram e/ou ganham poder com a manutenção desse tipo de mentalidade.

Se seu guru é indiano, ou se seu professor é discípulo de um, o que ele defende e como ele se porta quando volta para a Índia? Seu discurso e sua postura política são coerentes?

Os conceitos new age esotéricos, que são uma febre entre os praticantes no Brasil e no mundo, são outra questão importante a ser considerada. Costumam vestir o que chamamos de “pensamento mágico” com uma camada pseudo-científica para vender melhor.

É preciso tomar muito cuidado ao afirmar que a Física Quântica justifica ou dá “embasamento científico” a textos de caráter religioso ou sobre o Yoga, pois esse ponto de vista não é aceito pela comunidade científica como um todo, mas apenas a opinião de determinados autores. A conseqüência política direta desse tipo de pensamento é colocar o poder de determinadas instituições religiosas acima do da comunidade científica, afinal de contas, “só estão dizendo o que os Vedas, o Vedanta ou a Bhagavad Gita, já sabiam”.

Não podemos nos esquecer que, apesar da filosofia e das práticas contidas neste tipo de texto serem belíssimas e inspiradoras, existiram e existem razões políticas por detrás destes escritos. Há em alguns deles justificativas implícitas ou explícitas a formas de organização social como o sistema de castas e o papel da mulher na sociedade, até sobre a capacidade dela se realizar (ou não) espiritualmente.

O paradigma científico teve um papel importante em retirar boa parte do poder direto sobre a sociedade que as instituições religiosas possuíam, abrindo o caminho para a possibilidade de participar na escolha de quem nos governa (incluindo o sufrágio universal), o que antes era impensável em uma sociedade de castas ou onde a classe religiosa detinha o poder de administrar a justiça e determinar a moral.

A quem estamos dando poder ao validar ou apoiar uma determinada ideia?

Podemos com tranqüilidade trazer este questionamento para a nossa realidade fazendo as mesmas perguntas: qual a postura política, sua e daqueles que você admira, com relação ao fato de que o Brasil é o 10o país mais desigual do mundo, só à frente de Bolívia, Haiti e das nações mais pobres da África?

Nos espantamos tanto ao falar das castas indianas mas as imensas diferenças sócio-econômicas do nosso país constroem castas implícitas e não declaradas, já que quem não possui propriedade privada é “pobre”, e a única coisa que dizem que ele pode fazer para mudar sua situação é adquirir posses e ficar “rico”, mas as oportunidades nunca são iguais para quem nasceu em uma família “pobre”.

O que dizer da proporção enorme de negros que vivem na miséria, comparados aos brancos? Qual a proporção de negros e brancos entre os praticantes de Yoga que você conhece? Quantos professores negros você conhece?

As mulheres continuam lutando para mudar seus papéis pré-estabelecidos na nossa sociedade: a de meros objetos de desejo (que são linchadas ou estupradas, ou ameaçadas com isso, quando ousam demonstrar desejos próprios e se tornarem sujeitos); e a de cidadãs de segunda classe, pois ainda ganham, em média, menos que homens ocupando os mesmos postos de trabalho.

É óbvio que houve enormes avanços e conquistas para os direitos das mulheres, mas ainda há um ranço como pano de fundo em atitudes de muitos homens e mulheres machistas que precisa ser constantemente combatido, o caso da estudante Geisy é prova mais do que suficiente disso.

As bancadas católica e evangélica que se formaram no Poder Legislativo se juntam para barrar ou aprovar leis baseadas simplesmente em valores religiosos. Isto está em clara oposição ao fato de que vivemos num país laico, que teoricamente defende a liberdade ao culto religioso e a separação da Religião e do Estado.

Esta cisão é importante pois, além de proteger minorias religiosas de serem perseguidas por uma suposta religião oficial, prevê que os argumentos usados na elaboração de políticas públicas sejam passíveis de compreensão e discussão por todas as partes. O que estamos fazendo para preservar essa atitude saudável de aceitação do diferente? Já esquecemos que enfrentamos muita resistência para aprovar uma lei considerada hoje tão comum como a possibilidade legal do divórcio?

Historicamente os yogins foram sempre reconhecidos como agitadores políticos e questionadores do status quo. Eles adquiriram o raro poder político de serem, ao mesmo tempo, marginais e integrantes da sociedade, pois suas ações variavam do peculiar ao escandaloso e inaceitável pelos costumes de sua época, e mesmo assim eram considerados homens santos. Qual é a relevância política dos nossos atuais atos e ideias? O que nós, yogins contemporâneos, estamos fazendo para questionar e mudar nossa sociedade?

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5 respostas para “Yoga e política”

  1. Belo texto, concordo completamente com o fato de que nossas ações e nossos pensamentos acerca de como nossa sociedade vive, excluindo aí opiniões políticas partidárias, é de extrema importância para quem faz Yoga.
    Não podemos nos esconder no nosso mundo de auto-conhecimento e não tomar conhecimento do que acontece em nosso País, em nosso bairro, em nossas comunidades. Eu, por exemplo, tinha aula de Yoga com uma professora negra, mas foi a única que vi em algumas escolas que passei.
    O machismo latente que tenta se esconder entre as pessoas, as discriminações recorrentes contra homossexuais e negros, os maus tratos aos animais, a desigualdade sócio-econômica, tudo isso deveria ser motivo de reflexão para todos os seres humanos pensantes, ainda mais para os que buscam o auto-conhecimento com determinação e prática constante.
    Espero que no futuro próximo possamos mudar aos poucos a cara dessa sociedade, que realmente não difere muito da sociedade indiana, e assim nos libertar de verdade.

  2. Concordo com Atílio. A política permeia todas as relações humanas. A afirmação da vida, e o amor incondicional sucitada por ela, requer uma relação justa com toda a realidade. Na Bíblia, Paulo nos diz: “o amor não aceita as injustiças”. Há um autor que é muito feliz em traçar as relações entre a busca da justiça social e o ideário da liberdade que está por trás do Yoga. Seu nome é Anantanand Rambachan, há textos dele na internet.

  3. Christian,
    Não quis questionar o valor da busca pela transcendência, mas colocar de maneira mais explícita o que está implícito nos yamas e nyiamas: que a convivência e as atitudes no dia-a-dia são o começo para esse caminho, e devemos nos responsabilizar pelas nossas ações e as consequências delas.
    Considero a palavra política, no texto, não como simplesmente as ferramentas de Estado (as quais você se referiu ao falar do “lamaçal”), mas sim como o fato de que todas as nossas atitudes individuais tem consequências políticas pois afetam a sociedade de uma maneira ou de outra, além dos dias de votação.
    Defender a idéia de que precisamos primeiro do kaivalyam, para então tentar modificar o mundo é uma ação em si… quais as consequências sociais dessa afirmação? É esse questionamento que busco com o texto.

  4. Nossos atos e idéias não têm qualquer relevância política. Políticos e ideólogos só dão atenção a atos e idéias capazes de trazer benefícios a eles próprios.
    Se o indivíduo não realizou kaivalya, ele fatalmente estará preso ao mundo que pretende modificar e falhará nas duas tarefas — a de conquistar sua libertação e a de modificar o mundo.
    Se o indivíduo realizou kaivalya, nada mais importará e toda sua vida será manifestação de sua ligação com Brahman.
    Pode haver bem maior para a sociedade ou resposta mais poderosa ao lodaçal político do que a simples existência de um indivíduo liberto?
    Antes de modificar o mundo, compreendê-lo. Antes de compreender o mundo, transcendê-lo. Antes de transcender o mundo, modificar, compreender e transcender si mesmo.

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