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Yoga e Psicoterapia

Não tenho receio de concordar com autoridades no assunto e também afirmar que o Yoga é o ancestral comum de todas as modernas escolas de psicologia profunda

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Tratamento de psicoterapia é o que procura sanear (tornar sã) a mente, fundamentando-se na tese de que as condições de desequilíbrio, desarmonia, impureza e inquietude mentais são responsáveis pelos transtornos físicos. É tratamento comprovadamente eficaz. Sua eficácia demonstra a solidez da tese.

As escolas de psicologia do inconsciente, principalmente a psicanálise e a auto-análise, têm sido as que melhor atendem aos fins psicoterápicos. Têm sido as mais utilizadas pelos especialistas de todo o mundo.

Segundo elas, somos o que somos, fazemos o que fazemos, reagimos como reagimos, sofremos ou gozamos, temos nossas crises e nossos remansos e até mesmo pensamos e cremos, não de acordo com o nível conhecido da mente, mas sim movidos, manobrados e determinados pelas camadas mais profundas, das quais não temos conhecimento claro.

Sendo a mente comparada a um iceberg, a parte aflorada, isto é, a mente consciente, é mínima e relativamente incapaz, enquanto a parte submersa, o inconsciente, tem poder incomparavelmente maior.

A psicoterapia pela psicanálise e pela auto-análise – tão eficientes -, em linhas gerais, consiste em tornar conhecidos (passar para o consciente ou fazer aflorar) os conteúdos e condições inconscientes e profundos.

Tais conteúdos e condições resultam de esquecidas experiências traumatizantes (predominantemente da infância), que, por sua natureza maléfica e poderosa, se expressam através do anômalo comportamento dos nervos e das glândulas endócrinas.

Dizem os psiquiatras que a doença é a ?somatização? dos conflitos e traumas escondidos, isto é, sua expressão orgânica.

Feita uma faxina do inconsciente, isto é, expulsos de lá os conteúdos reconhecidos como deletérios, já tendo esses perdido o anterior poder perturbador, concretiza-se a cura ou libertação do neurótico.

Esse processo de limpeza, vale dizer de desmascaramento do adversário escondido, de alívio de carga, de conscientização do ignoto, de extravasão, de elucidação e de catarse, muda a mente e, em conseqüência, rearmoniza, corrige e normaliza os mecanismos auto-reguladores do organismo, daí imediatamente redimirem-se os sintomas.

Assim, o neurótico se redime do inferno em que vivia. Diz-se, também, que se corrige a desconfortante “linguagem visceral”Em outras palavras, desfaz-se a “somatização”.

Quem estuda o Yoga em seus veneráveis textos originais surpreende, em seu aspecto psicológico, atualidade, riqueza e sutileza tão profundas que, não fora a linguagem velada, exótica e simbólica, pareceria obra dos mais refinados e modernos entendidos nos aspectos inconscientes da alma humana.

Não tenho receio de concordar com autoridades no assunto e também afirmar que o Yoga é o ancestral comum de todas as modernas escolas de psicologia profunda.

Segundo a psicanalista francesa Maryse Choisy, o próprio Freud fundou a psicanálise em princípios yogiks, que lhe teriam chegado através de Arthur Schopenhauer, o filósofo ocidental que mais se inspirou nos clássicos do hinduísmo.

psicoterapia

Não é diferente a opinião de Carl Gustav Jung, fundador de um dos mais importantes ramos da psicanálise, que diz:

“A própria psicanálise, bem como as diretrizes de pensamento às quais deu origem e que são, na verdade, um desenvolvimento ocidental, são uma tentativa de principiantes, comparados com o que, no Oriente, constitui uma arte imortal”.

M. Bachelard considera o Yoga a “psicologia da verticalidade”. Realmente. Se a psicanálise, num mergulho, atinge o inconsciente e daí não passa, o Yoga, mediante uma experiência transcendente, chamada samadhi, fim e essência do processo yogiko, diviniza o homem no deslumbramento superconsciente.

O objetivo do processo psicanalítico é a cura de um enfermo. O do Yoga é a redenção humana ou libertação (moksha) da alma individual (jiva).

A psicanálise tem por objeto de estudo a mente enferma. O Yoga estuda e considera o homem integral, isto é, o homem potencialidade do Divino, germe e promessa da Alma Universal, expressão do Absoluto em via de aperfeiçoamento e atualização.

Para o psicanalista ortodoxo, o inconsciente é um depósito de experiências dolorosas, um porão de escória reprimida pela convivência com a sociedade que não a aceita.

O Yoga considera o inconsciente apenas uma zona da mente onde o consciente não chega, não sendo fatalmente de má qualidade, formado exclusivamente de negatividades recalcadas.

O inconsciente tem, em si, também luzes, tendências, impressões, energias boas, potencialidade infinita e qualidades divinas.

Sendo uma psicologia do inconsciente, o Yoga explica a vida consciente, em parte, como conseqüência do inconsciente. Todas as nossas experiências, fatal e fielmente, são gravadas numa espécie de “fita de gravação”, através de ininterrupta introjeção.

O que introjetamos ou gravamos nos plásticos abismos do inconsciente são: vásanás (tendências, inclinações, impulsos, motivações…) e samskáras (impressões, representações, imagens, juízos…).

Lá do fundo, esse conteúdo comanda o nosso comportamento dito voluntário e consciente; comanda o que somos, queremos, sentimos, dizemos, fazemos e pensamos.

Conforme as introjeções que fazemos no curso da vida, tal será nosso destino. Quem introjeta espinho, conseqüentemente será espetado. Essas noções de vásanás e samskáras dão uma explicação psicanalítica à conhecida Lei do Karma.

Assim esclarecidos, deveríamos, por interesse profilático, selecionar as impressões e tendências que introjetamos, com o mesmo critério com que um dietista escolheria sua refeição num cardápio, visando a que, nos dias de porvir, possam elas (as escolhidas) operar em proveito da saúde e não contra ela; em direção à liberdade e não à servidão; em prol de nossa felicidade e não em seu prejuízo.

A indiscriminada, inconsciente e indisciplinada introjeção de vāsanās e samskāras polui, adoece, corrompe, perturba, vicia e infelicita a mente. O yogin, sabendo disso, procura acautelar-se. Evita fisicamente as que pode e, mentalmente, aquelas que, fisicamente, lhe são impostas pelo ambiente.

Seu cuidado não é apenas na área da higiene mental, mas também na fase da cura.

Nesse particular, em que consiste a psicoterapia?

Em depurar, liberar, aclarar e aprimorar o mental. O Aṣṭāṅga Yoga  ou Yoga dos oito componentes, codificado pelo sábio Patañjali, é uma forma técnica de sanear a mente, não a mente que costumamos chamar de doente, mas a mente que costumamos chamar de normal e que, em verdade, é “normalmente” incapaz para a felicidade e para o alcance da Verdade.

Agitada como é, tecida de conflitivos desejos, encabrestada pelo egoísmo, sacudida de paixão, obcecada pelo irreal e condicionada a fatores múltiplos, o que chamamos de mente normal não deixa de ser, inclusive, um obstáculo para a percepção da Verdade.

Essa só é possível quando a mente impura cessa de manifestar-se, isto é, quando emudecem seus vrittis (manifestações, fenômenos, movimentos, vacilações…).

Levada a mente à plena quietude, ocorre a comunhão com o Infinito; dá-se o samādhi. Tal é o objetivo da ascese de Patañjali. Tal foi o caminho seguido e ensinado por S. João da Cruz.

As imperfeições mentais, que o método visa a remover, são:

a) mala (ou aśuddha), isto é, impureza, luxúria, ódio, cobiça…;

b) vikṣepa, ou seja, o estado de vacilação, agitação, insegurança, volubilidade…;

c) avarāṇa, o véu de ignorância, que lhe dá miopia espiritual e limita o alcance e a percepção.

O yogin aprende com Patañjali como purificar, aquietar e iluminar sua mente.

Segundo essa escola de Yoga, a cura mental liberta o homem das condições normais e enfermiças de sua personalidade, que são:

1) avidyā (ignorância);

2) asmitā (egoísmo);

3) rāga (concupiscência ou apego);

4) dveśa (aversão) e

5) abhiniveṣa (medo de morrer).

Tais defeitos de personalidade podem ser simultaneamente efeitos e causas das imperfeições do psiquismo.

A psicoterapia comum visa a restituir à mente enferma e sofredora as condições caracterizadas como normais. O Yoga ajuda a atingir tais resultados, mas vai mais além. Seu objetivo final é dar à mente: pureza (śuddha), transcendência (buddhi) e redenção total (mukti).

Uma forma bem interessante de entender a ação yogaterápica no tratamento do nervoso já foi exposta nas páginas 79 a 82 do livro Yoga para Nervosos, quando expusemos a teoria dos gunas.

Ali mostramos que a prática do Yoga, numa ação neuroanaléptica, levanta as forças do abatido ou astênico. Em termos de gunas, poderia ser dito que à mente tamásica a prática do Yoga acrescente rajas. Ao agitado indivíduo de mente rajásica, o Yoga sativiza, isto é, dá-lhe o equilíbrio, a harmonia e a serenidade sattva.

Até aqui estávamos vendo o Yoga como uma forma de psicanálise. No entanto, chegou o ponto em que vamos concluir que é exatamente a antítese da psicanálise, isto é, uma psicossíntese.

Psicanálise, ao pé da letra, quer dizer análise, divisão, separação do todo em partes, da alma (psique). O Yoga, em sua conceituação essencial e ao mesmo tempo etimológica, é exatamente a antítese disso.

Yoga vem da raiz sânscrita yuj, que quer dizer juntar, unir, reunir, unificar… Yoga une. Análise separa. Como doutrina e técnica psicológica, seria literalmente uma psicossíntese.

Unificar a alma despedaçada é Yoga. Dar unidade e coerência à mente onde reina conflito é Yoga. É Yoga harmonizar os antagonismos psíquicos.

É Yoga dar coerência à vida mental. Se a mente está doente, é porque vive como uma casa dividida contra si mesma. Yogaterapia consiste em restaurar a paz interna.

Se, em seu estado comum, a mente é fraca, é porque a dispersão a domina, dispersão que a esparrama estagnada como pântano ou a exaure em fluir multidirecional.

O Yoga atua no sentido de dar-lhe a concentração necessária, conseqüentemente gerando poder, segurança, penetração, eqüanimidade, coerência, harmonia e bem-estar.

Como psicossíntese, o Yoga reduz a fluidez e a dispersão. Em resumo, o Yoga é uma psicoterapia porque socorre o neurótico e o livra dos sofrimentos desde que:

1) harmoniza conflitos;

2) limpa o inconsciente de vásanás e samskáras nocivos, substituindo-os, através de introjeções – positivas, condizentes com a libertação e a realização espiritual;

3) unifica a vida mental, mediante harmonizar os vários níveis e as expressões da personalidade;

4) acrescente sattva à mente rajásica, e rajas, à tamásica, isto é, dá sabedoria e tranqüilidade ao excitado e ânimo ao astênico;

5) orienta a mente para os rumos do Divino;

6) reduz o egoísmo, a concupiscência, o apego e o medo;

7) liberta de velhos e dominantes condicionamentos.

O prof. Oskar R. Schlag foi um dos discípulos diretos de Freud, condiscípulo do grande Jung e amigo de E. Fromm. Com ele mantive amigável palestra, lastimavelmente curta demais.

Ensina Yoga na Universidade de Zurich (Institut fuer Angewandte Psychologie). Para ele, o Yoga é muito mais do que a psicanálise como caminho redentor.

Em conferência, em 1952, opinava: “Yoga é algo essencialmente prático para chegar-se a um fim (objetivo). Que fim é esse? A libertação. Libertação de quê? A libertação de uma situação que Freud denominou “o encargo incômodo da nossa civilização”…

Você mesmo é a fonte de todo o incômodo da nossa civilização. Dentro de você se encontra tudo aquilo contra o quê você protesta e do qual deseja se libertar”.

Aos estudiosos de Yoga como psicoterapia e em especial aos psicanalistas, indico principalmente dois livros: Western Psychoterapy and Hindu-sádhana, de Jacobs, Hans (George Allen & Unwin Ltd., Londres) e Yogas et Psychanalyse, da eminente psicanalista católica Maryse Choisy (Collection Action et Pensée aux Éditions du Mont-Blanc; Genève, Suíça). Para esta, “o Raja Yoga é o mais admirável tratado dos fatos interiores que o homem concebeu”.


॥ हरिः ॐ ॥

Extraído do livro Yoga para Nervosos.
Digitado por Cristiano Bezerra.
Leia aqui mais textos deste brilhante autor.
Visite aqui o site do Professor Hermógenes.

॥ हरिः ॐ ॥

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Pedro Kupfer em Conheça, Literatura
  ·   1 minutos de leitura

4 respostas para “Yoga e Psicoterapia”

  1. Maravilhoso texto! Muito obrigada! Tenho ficado muito curiosa com psicanalise e psicoterapias. Como praticante e instrutora de yoga, já percebo o quanto o Yoga pode contribuir em qualquer processo terapêutico. Seria maravilhoso ter um curso que unisse o Yoga e a psicanálise. Quando vejo os programas dos cursos de yogaterapia, não sinto que eles sejam tão aprofundados na mente. Se alguém tiver alguma indicação de curso nessa área, peço que compartilhe! Muito obrigada!

  2. Muito agradecida pelo compartilhar!
    Me interesso muito pelo estudo de Yoga e psicanálise!
    Estou com o livro “Yoga para Nervosos” em mãos para começar a leitura!

  3. Muito interessante! Atualmente sou aluno de Psicologia e pratico técnicas de Yoga desde 1999. Tenho interesse de desenvolver meu TCC nesta área, relacionando Yoga e as linhas psicanalíticas, principalmente. Acredito que no Ocidente, para os “não iniciados”, algumas técnicas de Yoga sejam perfeitamente aplicáveis com o objetivo de resultados terapêuticos. Vou pesquisar suas indicações bibliográficas e gostaria de manter contato para mais informações. Parabéns pelo texto!

  4. Saudações!
    Incrível como ninguém comentou ainda esse artigo. Pois eu desde que conheci Raja Yoga à mais ou menos 25 anos, sempre afirmei:
    Quem realmente estuda e pratica Raja Yoga não precisa de Psicólogo, Psicanalista ou Psiquiatra.
    Concordo plenamente com o artigo.

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