Começando, Pratique

Yoga em Academias – Parte I: Impressões de um Outsider

Se estivermos vendo uma polémica estúdios versus academias se formando, é preciso ponderar as razões por trás disso. Sem querer tomar partido nem jogar lenha na fogueira, deixo aqui a minha contribuição para uma reflexão que seja construtiva para todos

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Se estivermos vendo uma polémica estúdios versus academias se formando, é preciso ponderar as razões por trás disso. Sem querer tomar partido nem jogar lenha na fogueira, deixo aqui a minha contribuição para uma reflexão que seja construtiva para todos.

Venho de uma época e de um lugar em que academias de ginástica eram algo raro. Em Montevidéu, onde nasci e cresci, não existia o conceito de academia de ginástica. Havia clubes esportivos, onde as pessoas seguiam aquela receita básica: futebol, basquete, ginástica calisténica e natação.

Comecei a praticar Yoga aos 16 anos, depois de haver passado alguns anos da minha infância tentando aprender esportes de bola, nos quais sempre fui uma nulidade. O ambiente do Satyananda Niketan, onde conheci a prática, era muito diferente do encontrados nos clubes que havia freqüentado anteriormente. Lá, me senti em casa.

Quando descobri que de fato havia nascido para praticar Yoga, nunca mais me interessei por voltar para um clube de esportes. Creio que posso contar nos dedos das mãos o número de vezes na vida que entrei em academias, e nunca foi como cliente.

Afora as práticas de Yoga, que me acompanham diariamente há mais de 25 anos, as outras atividades, como surf, escalada, corridas ou pedaladas, aconteciam e continuam acontecendo exclusivamente ao ar livre.

Assim, essas atividades, “físicas”, se podemos dizer que escalada ou surf sejam algo físico apenas, eram complementadas pela prática mais internalizada do Yoga: ásana, pranayama, mantra e meditação. Como sempre morei em praias, no mato e em lugares afastados, nunca tive a necessidade que alguém de um centro urbano teria de ir para algum lugar para me exercitar, uma vez que o exercício já acontecia nos movimentos do cotidiano.

Cortar lenha, por exemplo, é um ótimo antídoto contra o estresse. Mas, para isso, você precisa ter uma lareira para queimar a lenha, um lugar onde colhé-la e um machado para cortá-la. Não são coisas fáceis de se achar em cidades.

Quando vi que as práticas de Yoga estavam começando a migrar para as academias, pensei: “é bom para quem freqüenta esses lugares, pois é melhor praticar Yoga, mesmo que seja num ambiente diferente do convencional, do que passar longe desta forma de vida”.

Assim sendo, concordo totalmente com as palavras da professora paulistana Kathy Lobos: é muito mais difícil ensinar Yoga fora de uma escola de Yoga.

academias

Dei aula durante cinco anos no presídio masculino de Florianópolis e sei que de fato, ensinar Yoga em ambiente de Yoga é infinitamente mais fácil que nos outros lugares. Quem pratica fora dos estúdios de Yoga, às vezes, pode estar muito mais motivado do que quem os freqüenta. A dificuldade funciona para essas pessoas como um estímulo extra.

Tenho muitos bons amigos que trabalham em academias no Rio e em São Paulo e sei positivamente que eles são excelentes professores, praticantes dedicados que transmitem o Yoga da maneira mais fidedigna.

Yogis em academias

Ninguém com alguma inteligência poderia considerar que professores do nível de Rui Afonso, Ana Malagueta, Bruno Jones, Dany Sá ou Edi Lisboa (só para citar uns poucos), estejam banalizando o Yoga pelo fato de ensinarem Yoga em academias.

Obviamente, em todos os ambientes podemos encontrar pessoas motivadas para alcançar a meta do Yoga e outras que não querem ir além de benefícios como bem-estar, saúde, e gerenciamento do estresse.

Mas, o foco de cada praticante nem sempre coincide com a visão do professor. Pessoas simplesmente praticam porque ouviram dizer que é bom, e cada um o faz com uma motivação diferente.

Creio, por outro lado, que o preconceito, se existe, possa estar baseado numa certa rivalidade entre alguns professores de Yoga e outros de educação física que, sem haver compreendido bem o que seja o Yoga, tendem a achar que não precisam estudar Yoga para dar aulas, uma vez que as academias, tradicionamente, sempre foram território dos professores de educação física.

Isso tampouco exclui a constatação de que existem excelentes professores de Yoga formados em educação física. Mas esses são assuntos para outra matéria.

Gosto de pensar no Yoga como uma imensa e frondosa árvore que generosamente dá seus frutos para quem quiser pegá-los. Cada praticante irá colher aqueles frutos que, desde sua motivação, consegue enxergar.

Assim, se eu preciso uma solução para minha insônia, praticarei com esse intuito. Se preciso melhorar a minha auto-estima, meu foco estará nessa tarefa. Alguém me negaria o direito de ir para o Yoga com essas finalidades?

Se, depois de haver praticado por um bom tempo, depois de haver resolvido os problemas básicos que habitualmente nos levam para a prática (ansiedade, falta de concentração, etc.), ainda olhamos um pouco além e percebemos que o objetivo final do Yoga é a liberdade, vislumbraremos esse objetivo na forma dos frutos menos visíveis e óbvios dessa grande árvore. Esses frutos estão escondidos atrás das formas e aparências.

Para sermos fiéis à tradição do Yoga, como professores, nunca deveriamos deixar de praticar e ensinar com o intuito da liberdade. Essa é a responsabilidade de cada professor. Dentro ou fora das academias. Dentro ou fora dos estúdios de Yoga.

॥ हरिः ॐ ॥ 

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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16 respostas para “Yoga em Academias – Parte I: Impressões de um Outsider”

  1. Sempre admirei seu jeito de escrever e confesso que fazia tempo que não lia nada escrito por você; nao por desinteresse mas andei em outras leituras e outros caminhos buscando e ensinando yoga,mas como participamos da mesma entrevista acabei por entender algumas dificuldades em imaginar yoga em academias e algumas mundanças a partir da informação. Nada mais yogui do que ser livre. Adorei…
    Namastê! Kathy Lobos.

  2. Boa Noite a todos. Eu sou iniciante no yoga, faz agora 3 meses que comecei. Acho que começo aos poucos a tomar consciencia do quanto é bom e de como me tem feito bem praticar yoga. Para mim o yoga é tão completo que nos permite encara-lo de mil e uma formas. Tenho de confessar que inicialmente fui desconfiado, para mim fazer yoga foi uma experiencia completamente nova, mas hoje identifico-me com varias filosofias do yoga a minha percepção do yoga é que é uma modalidade para todo o tipo de pessoas cada uma com as suas motivações. Quanto a alguns artigos que li sobre o tema, falam-se várias coisas. Eu pratico num centro de yoga, nunca pratiquei num academia ou ginasio por isso nao tenho uma opinião bem formada mas pelo que conheço dos ginasios acho muito dificil conseguir criar um ambiente externo propicio ao yoga que se consegue criar num centro de yoga .

  3. Olá Pedro! Eu sou iniciante no yoga, pratico tanto em casa como na academia, eu sei bem que lá não é o melhor lugar para praticar, mas é o que eu posso no momento, e o mais importante de tudo isso, é o que eu estou buscando, a minha busca pelo presente e pela liberdade. Concordo mais uma vez com suas palavras, que o importante é a intenção do instrutor e a busca pessoal de cada um, ou até aqueles, que mesmo não tendo um objetivo, um dia vão descobrir a maravilhosa arte que é o yoga! Namastê! Silce.

  4. Oi Pedro, fiz um comentário no outro artigo sobre “Yoga em Academias”. Muito boas as suas palavras para explicar essa polêmica criada em torno do assunto. Penso da mesma forma. Conheci o Yoga em academia, fiz curso de formação de professor fora e voltei a dar aula em academia. Acho que, como disseram abaixo, com um trabalho sério podemos mudar essa visão. Muito obrigada pela reflexão! Namastê!

  5. Pedro, Seu artigo é uma aula de Yoga. Com humildade, vê virtude em todo lugar onde é possível vê-la. Não segrega, não discrimina, não coloca ninguém na torre zebúrnea de um grupinho especial, nem desmere ninguém por causa do lugar onde ensina. Apenas tece uma opinião, em cujas entrelinhas podemos ler o Yoga. Artigo e escritor sem pretensões, mas, por isso mesmo, grandes!

  6. Caríssimos: Este érealmente um tema que tem chamado a atenção de muitos praticantes hoje em dia. Conheci o Yoga em um ambiente bem incomum, em um convento para padres; um peregrino nos pediu abrigo e foi acolhido em nosso convento, mal imaginávamos que era um instrutor de Yoga formado, discipulo da grandiosa Regina Shakti, lá ele conseguiu alterar o dia a dia de muitos mendigos que moravam conosco e tb de muitos freis; naquela época nem sonávamos com incenso ou mantra mas simplesmente com a prática em si. Portanto, porque não? O Yoga em academias, embora o ambiente seja um pouco turbulado, pode sim, através de uma boa prática atrair bons adeptos… Pedro, gostei do artigo e recomendarei a muitos que ainda condenam a prática em academias. Namastê!

  7. Es un muy lindo artículo. Es conciliador, es tolerante, es abierto. No he practicado yoga realmente y es algo que me he cuestionado. Pero la sola lectura de un artículo escrito así, es muy alentador. Refleja un pensamiento y una forma de ver la vida que ojalá pudiéramos alcanzar todos en todos los niveles de nuestra vida, en todas nuestras actividades. Gracias. Me hizo bien.

  8. Oi Pedro, Realmente ensinar Yoga em Academia é uma tarefa difícil, mas não impossível. Conheci o yoga dentro de uma academia e hoje sou uma prfessora que ensina em academias. Não é o lugar mais adequado, mas tenho certeza que com um trabalho sério , nós professores, conseguimos plantar sementinhas nos corações de muitos alunos, fazendo despertar o Yoga. Isso é muito gratificante!
    Obrigada pelo artigo! Namastê, Dany.

  9. Caro Pedro, sou aluna do Edi Lisboa, professor no Rio de Janeiro, citado na sua matéria e portanto não resisti a vontade de fazer um comentário. Vejo nele a felicidade, a responsabilidade e a dedicação com as quais nos ensina o Yoga. Posso ver claramente nos rostos dos que são alunos dele, junto comigo, a satisfação de poder seguir esse caminho guiado por um professor da sua qualidade e comeptência… Seja na academia, no estúdio, na praia ou na casa do Diego, como é o meu caso. Ele nos fez enxergar que o Yoga está além do nosso tapetinho. E aí sim surge a qualidade de um grande pofessor, que nos mostra o Yoga no dia a dia, independente de onde fica a sala de prática.
    Namastê!

  10. Oi, Pedro! Sou professora de Ed. Física e sempre estive nas academias e clínicas nesses meus ultimos doze anos, sem contar os anos anteriores como aluna de capoeira, ginástica olimpica, montanhismo e outras atividades…há muito tempo q me sinto atraída pela Yoga e seus ensinamentos. Todos esses anos ministro aulas de alongamento, pilates e outras afins, pessoas há muito tempo me dizem que deveria entrar de cabeça na yoga por tudo q falo em minhas aulas, mesmo assim demorei muito para realmente estar neste caminho por sentir o peso da responsabilidade que é ministrar práticas de yoga, por saber exatamente qua as ásanas sozinha dizem muito pouco…Compreendo toda essa polêmica. Sei o quanto devemos estudar para isso. Tenho estudado muito sozinha, tenho buscado muito para não vulgarizar as práticas. Me sinto responsável quando levo o nome da yoga.
    Admiro demais você, suas respostas e sempre reflito sobre isso!
    Acredito muito que as pessoas que freqüentam academias tenham uma necessidade muito grande de estar próximo deste estilo de vida que nós optamos, ouvir sobre yamas e nyamas, sentir os pranayamas e entender o sentido real da integração corpo, mente e espírito. Você não acredita como eles são sedentos disso. Na verdade essa polêmica existe por conta dos ásanas, às vezes, virem sozinhos nas práticas existentes em algumas academias. Cosidero muito complicado realmente quando isso acontece, por saber que dessa forma as posturas viram alongamento puro e simplesmente, dando uma conotação errada as práticas…é triste porque você sente que são práticas vazias. Como você disse: também prefiro às montanhas, o cheiro de mato, as minhas escaladas, mas não é possivel para o dia à dia de quem vive na cidade, e nem sempre existe uma escola de yoga por perto. As pessoas das academias estão carentes disso e são entregues as práticas quando as escolhem. Serei sua aluna em breve!
    Obrigado sempre por seus ensinamentos… Namastê!

  11. Olá Pedro! Acredito que é somente com muito discernimento – como o usado por você pra falar sobre o assunto em questão – que conseguimos colher os frutos mais saborosos dessa “imensa e frondosa árvore” do Yoga. No passado, tive a sorte de fazer aula em academia com excelentes professores. E foi nesse ambiente que vi despertar em mim a vontade vivenciar o Yoga de forma mais ampla, além daquela prática que fazíamos ali. Sou muito grata àquele período.
    Que a liberdade, estando numa academia ou qualquer outro lugar, seja um meio e um fim de nossas práticas. Obrigada por mais um artigo iluminador. Namastê!

  12. Olá a todos, não resisti ao assunto e resolvi tb deixar o meu depoimento. Sou formada em Educação Física há 9 anos e me formei paralelamente em Yoga. Ministro hoje só aula de Yoga e me sinto honrada por ministrar aulas em academias tb, pois sei o quanto desafiador e por que não dizer mais difícil. Hoje a tendência das academias e rumar ao wellness (saúde e bem-estar), sendo assim, a academia onde ministro aulas em SP tem um espaço Zen, separado do tumunto da ginástica, com decoração específica e agradável. Os meus lindos alunos, que são muitos, com certeza são tão dedicados qto alunos de estudio me sinto honrada e orgulhosa por conseguir passar essa filosofia para pessoas especiais que encontrei dentro da academia. Bejinhos, Namaste.

  13. Namastê meu amigo Pedro! Ainda hoje escrevi um e-mail para Ângela, contando um pouquinho do desafio que é ser professora de Yoga dentro de uma academia. É realmente instigante! Confesso que o ambiente (a própria sala!) não é apropriada, tem barulho; os alunos geralmente chegam suados, com relógio, frequencímetro; na mente repleta de vrtts, expectativas e “egóica”, confesso-te que é bemmmmmmm mais “complicadinho” de mostrar o que é o YOGA (aquele que vai muito além dos ásanas, pranayamas e do OM). Concordo também quando você comenta sobre a questão de a academia ser território de professor de educação física e infelizmente o preconceito existe sim! Mas apaixonada pelo YOGA como sou, sigo meu caminho… e procuro despertar através da prática a integração perfeita que pode existir entre um corpo saudável e uma mente atenta! Boas ondas meu amigo! Namastê

  14. Outsider: é bem produtivo e esclarecedor levar ao conhecimento do público e sobretudo aos professores de Yoga e também os de Educação Física a verdadeira realidade do Yoga que se pratica em estúdios/espaços e academias. Não adianta querer mudar o rumo do navio, se já existe uma rota previamente bem estabelecida. Se o capitão e a tripulação estiverem plenos e conscientes, nenhuma tempestade poderá abalá-los e tirá-los do caminho do Yoga.

  15. Realmente! Quando conduzimos práticas em espaços que não foram criados para esse intuito e vemos que mesmo assim somos capazes de criar uma atmósfera própicia para que o aluno se recolha e possa entrar na dimensão profunda do seu Ser , o caráter supra- corporal do yoga ; então é com muita emoção que o professor sente que realmente esta cumprindo seu dharma! Sem incenso, decoração, musiquinha vemos que, o que mantém o aluno alí , é a essencia do Yoga. E os julgamentos se fazem insignificantes! Isso é liberdade! Hari Om!

  16. Boa papito!!! Eu tenho uma ótima experiencia com minhas turminhas em academias. Quando comecei a trabalhar nelas, substituindo umas aulas para o Edi, encontrei uma turma bem interessada. Fruto da sementinha que ele tinha lançado nestas pessoas. Estas que iam nesta academia exclusivamente para praticar, apesar de todos os pontos contra de praticar em uma academia. Hoje tenho outra turma em outra academia. E me orgulho bastante destes alunos que se tornaram fiéis praticantes e buscam a cada dia descobrir mais sobre o yoga e eles mesmos. Tive uma otima experiencia neste ultimo fim de semana fazendo um retiro com eles. A maioria dos “retirantes” era desta academia. Acho que não importa o lugar, mas como praticamos. E tenho certeza que se estas pessoas estão conseguindo captar a essencia do ensinamento num lugar tão “inóspito” e porque estamos praticando e ensinando de coração. Continuemos assim! Namastê!

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