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A Grandeza do Professor e do Ensinamento

Bênção é uma palavra e um sentimento que vêm sempre à minha mente quando penso sobre a forma em que fui parar na Índia, com a esperança de aprender Vedanta, que na realidade nem sabia o que era exatamente.

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A grandeza do professor

Bênção é uma palavra e um sentimento que vêm sempre à minha mente quando penso sobre a forma em que fui parar na Índia, com a esperança de aprender Vedānta, que na realidade nem sabia o que era exatamente.

Eu poderia ter encontrado qualquer professor, que poderia ter me dado um ensinamento que me deixasse mais confusa, ou então me orientado para uma devoção fanática.

Algo que me fizesse perder a objetividade. E como poderia eu fazer algum julgamento e escolha? Dentro da ignorância, como se pode discriminar para onde ir e com quem estudar?

Considero, portanto, que somente uma bênção, ou muito pūṇya (1), levou-me ao Swāmi Dayānandajī. E quanto mais não foi necessário para que eu pudesse lá ficar até aprender completa e adequadamente.

Swāmijī é uma benção para todos os seus alunos, não só por ser compreensível, tolerante e carinhoso com todos, mas principalmente pela maneira clara com que ele ensina desde o começo, tornando claro o fato de Vedānta ser um meio de conhecimento, pramāṇa, e não uma escola filosófica.

Essa consideração é fundamental para a compreensão do ensinamento de Vedanta. A mera curiosidade e a comparação com filosofias e religião transformaram-se em atitude de estudo e reflexão.

Compreendemos que o problema de busca de um ser feliz para nós mesmos é devido à ignorância de nosso Ser que é felicidade e completude, o Ser absoluto. E o desejo por esse conhecimento pode ser preenchido.

ensinamento

A grandeza do ensinamento

Desejo conhecer a mim mesmo, e, a cada nova compreensão a meu respeito, minha atitude acerca de mim mesmo e do mundo de objetos e pessoas muda.

Essa mudança é imensa. Aos poucos, o impulso de fazer algo para ser diferente, ou para que o mundo de pessoas e coisas possa ser organizado de forma diferente para que eu possa então ser feliz, desaparece.

O impulso de fazer algo e estar melhor do que agora estou transforma-se em desejo pela clareza do auto-conhecimento.

Essa clareza começa a existir pela minha compreensão do que é Vedānta, o conhecimento do Ser real, e de sua capacidade de me fazer ver um novo fato a meu respeito. Devido a essa atitude interna, desde o princípio sinto-me abençoada.

A apreciação do Vedānta como um meio de conhecimento em forma de palavras desenvolve-se em amor e respeito pelas palavras.

Manifesta-se na preocupação com cada palavra pronunciada, escolhendo a palavra exata, usando-a para expressar uma idéia clara e completa.

Essa atitude para com o śābda (2), até mesmo no dia-a-dia, colabora para que ela faça a mágica de desvelar o significado exato contido nela, como acontece na transferência do ensinamento de Vedānta, transmitidoO   de professor a aluno.

As palavras têm que ser reverenciadas por ambos, professor e aluno, pois seu âmbito de trabalho para tornar claros os grandes paradoxos de Vedānta é o fio da navalha.

Na Kenopaniṣad, 1-6, encontramos a seguinte afirmação:

Yanmanasā na manute ||
Aquele não é conhecido através da mente.

Ātma, o Ser, caitanyajyotiḥ, não pode ser conhecido e objetificado pela mente, pois o Átmá é manasaḥ avabhāsakam, o iluminador da mente.

Portanto, como pode a mente objetificar aquilo que é a essência de si mesmo?

A mente pode funcionar e pensar somente porque é iluminada pela luz da Consciência, caitanyajyotiḥ.

O Ser da mente é Ātmabrahman. Como pode então objetificar a si mesmo?

Outra Śruti, a Bṛhadāraṇyakopaniṣad, IV:4.19, diz:

Manasā eva anudraṣṭavyam ||
[Brahman] tem que ser conhecido através da mente somente.

Com uma mente purificada pelo escutar do conhecimento do Supremo, Brahman deve ser conhecido de acordo com o ensinamento do professor, que possui, ele mesmo, a compreensão clara.

Temos, então, duas declarações aparentemente contraditórias da mãe Śruti. A mente não pode conhecer Brahman, mas Ele tem que ser conhecido pela mente somente.

Considerando verdadeiras essas duas afirmações, a chave para sua compreensão é:

Brahma na dṛśyam dṛg eva ||
Brahman não é objeto, mas sujeito.

A mente não pode conhecer Brahman, pois ele não é objeto a ser objetificado pela mente, como um pote ou uma casa.

Todos os objetos são captados por um vṛtti, um pensamento, no qual o objeto fica estampado.

Brahman não é objeto, mas o próprio sujeito, Ātma, o Ser da mente. Portanto, não pode ser objetificado. Mas, sou ignorante de mim mesmo, o Ser completo.

Quero conhecer a mim mesmo. Todo e qualquer conhecimento ocorre na mente. Portanto, se Brahman é para ser conhecido, tem que ser conhecido pela mente.

Mas não como dṛśyam, um objeto, mas como dṛg eva, o próprio sujeito. E como é isso possível?

Existe algum vṛtti, um pensamento, para esse tipo de conhecimento? O vṛtti é chamado akhaṇḍākāravṛtti, um vṛtti que está na forma de akhaṇḍa, que é não quebrado ou dividido.

Qualquer pensamento envolve três fatores: o sujeito (pensador), o objeto e a conexão entre os dois, que é o próprio pensamento, ou o ato de pensar.

O pensador objetifica algo diferente de si mesmo, que é refletido na mente na forma de pensamento, como, por exemplo, em “eu vejo um pote”, sendo “eu” o pensador e “pote” o objeto.

E a mente assume a forma de pote. É chamado pensamento pote, ghaṭākāravṛtti.

Aqui, a forma do vṛtti, ākāra, é akhaṇḍa, não dividida. Portanto, o sujeito, o objeto e o pensamento são idênticos.

Temos, então, akhaṇḍākāravṛtti, o vṛtti na forma de conhecimento de mim mesmo como pura Consciência, que é ilimitada e completa.

Essa aquisição de Brahman se dá na forma de conhecimento. Brahman, sendo ilimitado, não pode ser criado. Tudo que é criado é limitado.

Yad jātam tad anityam, o ilimitado tem um início e um fim, limitado em termos de tempo; também ocupa um determinado lugar, limitado em termos de espaço.

Brahman, não nascendo e não tendo fim, tampouco sofre qualquer transformação.

Não pode ser criado. É sempre Existência, Sat. Não ocupa um determinado espaço. É não dividido, um todo, o Ser de tudo, Ātma.

A Consciência pura ilimitada, sendo sempre presente, como posso buscá-la? Está sempre presente, não distante de mim mesmo, sendo meu Ser real; e, se estou buscando esse Ser, é porque falta clareza a meu próprio respeito.

Temos então outro paradoxo a ser desdobrado: Ātma existe, experienciado por mim a todo momento, mas ainda estou em busca desse Ser completo, Ātma. O que quero é a aquisição do já adquirido, prāptasya prāptiḥ.

E isso só pode ser jñānena, através de conhecimento, o reconhecimento de que desejo o Ser completo que já sou.

Mas isso não é tão simples! É necessário que aquele que fala “veja” o que fala, e que aquele que deseja “ver” esteja preparado para isso.

Aquele que vê tem que possuir um método de abençoar o outro, fazendo com que ele também veja.

Sendo compreensivo ao sentimento de limitação, com carinho e cuidado, aceitando o outro como estudante e possuindo uma visão clara e um método para fazer com que o outro veja como ele mesmo vê.

Para alcançar o Ser completo, que sou eu mesmo, necessito de conhecimento, e para isso é necessário um meio de conhecimento. O meio para o autoconhecimento na forma de palavras é Vedānta.

As palavras adequadas têm que ser usadas por alguém que possua a visão clara do Ser e que aprendeu a maneira de usar o meio de conhecimento de forma que ele funcione.

A pessoa que deseja esse ensinamento e anseia por ele, sendo abençoada com um professor (ou professora) adequado, que sabe ensinar, apreciará a si mesma passo a passo, cada vez mais claramente, como o Ser adequado e completo. Isso é liberdade. Isso é uma benção. Por tudo isso, sinto-me abençoada.

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॥ हरिः ॐ ॥

(1) virtude, mérito, bondade (nota do digitador).
(2) som sutil, palavra, mantra (nota do digitador).

Extraído do Informativo Vidyā Mandir, Ano III, no 10, de novembro de 1991, do Vidyā Mandir, Centro de Estudos de Vedānta e Sânscrito, Rio de Janeiro. Digitado por Cristiano Bezerra.

Visite o site do Vidyā Mandir, Centro de Estudos de Vedānta e Sânscrito da professora Gloria Arieira, em www.vidyamandir.org.br.

Veja uma bela entrevista com a autora aqui. Mais sobre o ensinamento do Vedānta aqui.

॥ हरिः ॐ ॥

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Subhāshitas, Palavras de Sabedoria

Pedro Kupfer em Conheça, Literatura
  ·   1 minutos de leitura

Uma resposta para “A Grandeza do Professor e do Ensinamento”

  1. Esse texto é glorioso! Me deixou com lágrimas nos olhos. Redobrou minha atenção para o uso das palavras me despertando para sua fina importância. Trouxe fina clareza que jamais tinha lido sobre o uso da mente para compreender o Ser real, me trazendo também a importância do estado meditativo, onde se integra observador e objeto, na hora de aprender também, e, por fim, a importância de um mestre que, mais do que ter chegado à iluminação, desenvolva um método e uma atitude correta para ensinar.

    Glória ao Ser! Glória àqueles que nos inspiram e claream nossos caminhos com seu compartilhar. Gratidão profuuuunda de coração!

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