O samskara é o conjunto das tendências subconscientes, de caráter inato e hereditário, causa dos condicionamentos. As vasanas são os desejos subliminares que funcionam como força motriz dos pensamentos e ações do indivíduo. São marcas sutis, porém indeléveis que as experiências deixam na mente subconsciente. O termo samskara significa literalmente ‘ativador’. Isso sugere que as impressões subconscientes não são apenas resquícios inertes de pensamentos e ações passados, mas são forças ativas que continuam determinando os conteúdos da vida psíquica, impelindo continuamente a consciência para assumir novas formas que, por sua vez, darão lugar a novas ações. Os cinco tipos de vrittis mencionados pelo sábio Patañjali no Yoga Sutra são as maneiras com que essas tendências subconscientes dão corpo à vida psíquica. Eles são cognição correta, cognição equivocada, fantasia, sono e memória.
Quando perseguimos ou fugimos de uma situação ou de um objeto, criamos subjetivamente uma imagem dessa situação ou objeto em nossa mente. Um exemplo disto aparece num belíssimo texto atribuído a Adi Shankaracharya, chamado Atma Bodha. Nele, o autor descreve o tipo de equivocação que acontece quando alguém, percebendo o brilho da madrepérola, acredita estar vendo prata. Até a natureza da madrepérola ser conhecida, a idéia da prata é real para essa pessoa. Quando a natureza da madrepérola se revela, a idéia da prata desaparece. Da mesma forma, quando alguém vê uma serpente e foge dela, a serpente é real para essa pessoa. A serpente da qual a pessoa foge pode ser apenas uma mangueira jogada no chão, mas, para quem só tem esse conhecimento errado, a única realidade que existe é a serpente. Existem de fato a prata e a serpente reais, ambas objetivas e verdadeiras. Nossas imagens mentais da prata ou da serpente evocam essas realidades, mas não são a realidade, da mesma forma que a fotografia mostra alguma imagem real, mas não é a realidade.
A palavra sânscrita abhyasa, traduzida geralmente como prática constante, significa literalmente ‘repetição’. Há duas formas de se interpretar este termo: uma positiva e uma negativa. A positiva consiste em exercer consciente e diligentemente a atentividade ao longo do dia inteiro. Em seu aspecto negativo, este termo refere-se à repetição dos padrões de reação (o tal do samskara) que devem ser superados mediante uma atitude consciente que precisamos ter para conseguirmos aprender com as diferentes experiências.
Como sair dessa arapuca?
Existem somente duas maneiras de agirmos no mundo: uma automática e outra consciente. A repetição automática não nos permite aprender nada novo. Simplesmente reagimos de maneira mecânica, repetindo e reforçando ainda mais os padrões e propensões subconscientes, como máquinas: quando um certo botão é pressionado, uma determinada reação acontece. Isso faz com que passemos pelas diferentes experiências sem conseguirmos crescer através delas. Nesse sentido, precisamos anular esse aspecto negativo do abhyasa cultivando as atitudes conscientes em cada ação.
Positivamente, abhyasa significa olhar construtivamente para nosso psiquismo, na distância, compreendendo sua estrutura e funcionamento e, ao mesmo tempo, deixar de identificar-se com seus conteúdos, pensamentos e sentimentos. É preciso compreendermos os padrões que nos impelem à reação automática. Desde o aspecto postitivo, abhyasa é a capacidade de compreender os padrões subconscientes que subjazem e predeterminam nossas reações mecânicas. Percebendo esses padrões, poderemos evitar as situações indesejáveis que eles desencadeiam, antes que estas aconteçam. Desta maneira, estaremos agindo livremente, ao invés de apenas reagir como máquinas.
Samskara, corpo sutil e ásana.
A atividade psíquica aciona por sua vez o sistema glandular, responsável pela secreção dos hormônios. Através das práticas, agindo sobre os centros de força, podemos neutralizar essas as propensões indesejáveis da mente e sublimar o samskara. Fazendo ásanas e contrações (bandhas), por exemplo, pressionamos e massageamos as glândulas do sistema endócrino, que estão relacionadas à atividade mental. As mudanças biológicas causam reações nas outras áreas do ser humano: consciência, mente, emoções e subconsciente.
O corpo sutil, sukshma sharira, está relacionado às emoções: da mesma forma, também os endocrinologistas sabem que certos desequilíbrios emocionais estão ligados a disfunções glandulares. As glândulas do sistema endócrino atuam em consonância com os sete principais chakras. Cada glândula desempenha um papel no funcionamento do corpo, segregando hormônios e substâncias químicas sob influência do princípio de realidade dominante em cada região do corpo sutil.
Desenvolver a intuição de como o alinhamento trabalha pode despertar experiências escondidas no corpo, tornando conscientes os samskaras, os condicionamentos que moldam nossas estruturas musculares. Nesse plano, ainda mais sutil, o alinhamento funciona para abrir caminhos para que a energia ascenda. Desta forma, buscar o alinhamento profundo pode comparar-se à tarefa de lapidar um diamante. Em primeiro lugar, precisamos colocar muita atenção no processo e ter claro aquilo que estamos procurando. Partindo de uma pedra bruta, o lapidador consegue enxergar as linhas onde a pedra pode ser cortada para assumir a forma desejada.
Para trabalhar sobre os próprios samskaras durante a prática de ásana não é necessário fazer alguma técnica determinada. Acredito que qualquer conjunto equilibrado de posturas pode servir como apoio para a reflexão que nos pode levar a identificar, reconhecer, trabalhar e sublimar os aspectos menos desejáveis do nosso samskara.
Publicado originalmente na revista Prana Yoga Journal: www.eyoga.com.br.
Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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